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articulação

- Publicada em 20 de Fevereiro de 2020 às 21:02

Governadores articulam frente para se contrapor a Bolsonaro

Mobilização dos estados começou em encontro do Fórum Nacional de Governadores na capital federal

Mobilização dos estados começou em encontro do Fórum Nacional de Governadores na capital federal


/MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL/JC
Depois do protagonismo do Congresso em grau poucas vezes visto, o isolamento do governo Jair Bolsonaro (sem partido) gerou outro fruto político inusual: a união da maioria dos governadores em um polo organizado de poder. A apuração é da Folha de S.Paulo.
Depois do protagonismo do Congresso em grau poucas vezes visto, o isolamento do governo Jair Bolsonaro (sem partido) gerou outro fruto político inusual: a união da maioria dos governadores em um polo organizado de poder. A apuração é da Folha de S.Paulo.
O grupo deixou de tratar só de temas tributários triviais, como a disputa sobre o ICMS dos combustíveis, e passou para a ação institucional. O próximo alvo de atuação imediata é a área de segurança pública, na qual o incidente em que o senador Cid Gomes (PDT-CE) foi baleado por policiais grevistas na quarta-feira foi visto com um alerta.
Segundo governadores ouvidos pela reportagem, há o temor de que setores policiais, em especial algumas PMs, sejam insuflados contra os Executivos locais por apoiadores das franjas mais radicais do bolsonarismo -quando não por integrantes do próprio governo federal.
Fazem parte da turma 20 dos 27 governadores, justamente os signatários da carta desta segunda-feira em que criticavam Bolsonaro por ter associado um deles, Rui Costa (PT-BA), às circunstâncias nebulosas da morte do miliciano Adriano da Nóbrega. O ex-PM era ligado ao filho presidencial Flávio, sob investigação.
Esse colegiado não é integrado pelos três governadores do PSL, partido pelo qual o presidente se elegeu, e outros aliados como Ronaldo Caiado (DEM-GO).
De forma pontual, o grupo recebe apoio desses governistas: numa nota criticando o desafio lançado por Bolsonaro para que estados reduzissem o ICMS dos combustíveis, quatro deles (MT, RR, SC e PR) seguiram a maioria.
Oficialmente, o espaço de discussão é o Fórum Nacional de Governadores, que se reúne periodicamente - o último encontro foi na semana passada e o próximo, provavelmente, em 17 de abril.
Mas o fato é que o debate é todo online, em um grupo de WhatsApp criado por sugestão do governador João Doria (PSDB-SP) no ano passado. Foi ali que circularam e foram aprimorados os textos críticos ao governo.
O tucano também articulou a criação do Cosud, um conselho que reúne os chefes do Executivo do Sudeste e do Sul, estreitando laços na região que soma 71% do PIB do país. O grupo se reunirá na semana que vem em Foz do Iguaçu.
Em 2019, quando Bolsonaro ainda estava em "test-drive" político como presidente, as queixas costumavam ficar restritas às conversas virtuais.
Em outubro, os oito governadores nordestinos divulgaram nota de apoio a Paulo Câmara (PSB-PE), chamado de espertalhão pelo presidente, mas o ato foi visto como um reflexo do caráter oposicionista deste subgrupo.
A cristalização do cenário político polarizado, contudo, estimulou a encarnação das ideias em notas e entrevistas de maior peso.
Mesmo agora, apesar das articulações,o tom do embate é modulado pelo fato de que muitos estados dependem de repasses e convênios da União para tocar suas políticas. A realidade econômica tende a ser o limite da pressão política.
A carta desta semana foi o exemplo mais vistoso até aqui da nova tática. "Isso é inédito", disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à Folha de S.Paulo. Para ele, o espaço deixado propositalmente por Bolsonaro em sua articulação política leva à ação coordenada.
Esse vácuo, por inabilidade ou tática de marketing político de independência da dita velha política, acabou abrindo espaço ao longo do ano passado para o Congresso liderado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Secundado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), Maia comandou a aprovação da reforma da Previdência e fez avançar outros temas na economia, além de barrar ou modular iniciativas polêmicas do Planalto.
De forma nominal, o Congresso é simpático à agenda econômica de Bolsonaro, ou do ministro Paulo Guedes, como qualquer líder de bancada prefere dizer.
Mas o norte político não está no Planalto, cujo ministro responsável pelas negociações, Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), já admitiu as dificuldades. Ele é um dos três generais com assento no Planalto, movimento de militarização reforçado com a ida de Walter Braga Netto para a Casa Civil.
E há incidentes mais sérios, como as altercações entre Maia e o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional.
Com isso, governadores com maior densidade política viram um exemplo a ser seguido. A interlocução com Maia e Alcolumbre está afinada, e a expectativa é que pontos importantes da reforma tributária -o projeto do Congresso, não o do governo- avancem, apesar do calendário das eleições municipais de outubro.

Aliança reúne extremos do espectro ideológico

Historicamente, o relacionamento entre estados no Brasil é pautado por disputas em temas como incentivos para empresas, a famosa guerra fiscal, e questões de transbordo de criminalidade.
Agora, como definiu um integrante do fórum, há uma aliança política que vai do PCdoB (MA) ao Novo (MG). Coisas curiosas saem daí: a ideia da nota apoiando Rui Costa veio de Wilson Witzel (PSC-RJ), um antipetista ferrenho.
Tal unidade atende a interesses específicos, o que na prática garante seu prazo de validade: a campanha presidencial de 2022, isso se já não houver curtos-circuitos no pleito deste ano por divergências ideológicas.
Ali, Doria pretende estar na urna eletrônica. Um subproduto de seu protagonismo na articulação do grupo é um processo de atenuação da sua imagem de político paulista e autocentrado, segundo a reportagem ouviu de dois governadores de partidos adversários ao PSDB.
Essa nacionalização do perfil cai bem na busca por alianças, em especial se a hipótese colocada for a de um Doria presidente e seu hoje colega, um governador reeleito em 2022. Política é expectativa de poder.
Witzel é outro que já disse querer disputar a Presidência, e o nome de Eduardo Leite (PSDB-RS) tem entrado na composição de equações em vários quadrantes, o que levou Doria a aproximar o jovem gaúcho de 34 anos de si, enquanto a velha guarda do partido gostaria de vê-lo disputando espaço com o paulista.
O paulista e o fluminense selaram uma trégua, tendo identificado Bolsonaro como o adversário no momento - ambos foram eleitos com a ajuda do voto conservador que elegeu o presidente. No próximo domingo, em pleno Carnaval, Doria almoçará com Witzel no Palácio Laranjeiras, sede do governo do Rio de Janeiro.