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investigação

- Publicada em 13 de Janeiro de 2020 às 03:00

Dpvat teria elo com pessoas próximas a ministros do STF

Auditoria nas contas da Seguradora Líder, responsável pela gestão do seguro Dpvat, questionou uma série de procedimentos na gestão da empresa, incluindo pagamentos por prestação de serviços para pessoas próximas a políticos, a integrantes do governo federal ou ligadas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), muitas vezes sem os devidos detalhamentos e controles.
Auditoria nas contas da Seguradora Líder, responsável pela gestão do seguro Dpvat, questionou uma série de procedimentos na gestão da empresa, incluindo pagamentos por prestação de serviços para pessoas próximas a políticos, a integrantes do governo federal ou ligadas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), muitas vezes sem os devidos detalhamentos e controles.
A auditoria foi realizada pela consultoria KPMG, a pedido da atual gestão da seguradora. A análise dos documentos e processos abarca o período que vai de 2008 a 2017.
O documento, com cerca de mil páginas, foi obtido pela reportagem da Folha de S.Paulo. Parte dele avalia o envolvimento da Líder com o que a KPMG chama de "pessoas politicamente expostas".
São considerados politicamente expostos, segundo definição redigida pelo Conselho de Atividades Financeiras (Coaf), os agentes públicos que desempenham ou tenham desempenhado, nos últimos cinco anos, no Brasil ou em países estrangeiros, cargos, empregos ou funções públicas relevantes, assim como seus representantes, familiares e colaboradores.
A KPMG destacou no relatório ter identificado que a relação da Líder com vários agentes públicos não atendeu boas práticas corporativas e apresentava "risco de sanções por descumprimento à lei anticorrupção". Citou, por exemplo, as relações com o escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça e Associados. De 2009 a 2016, a Líder fez ao escritório 21 pagamentos, totalizando R$ 3,67 milhões.
Esse escritório foi constituído em 2013, como sucessor do escritório Luís Roberto Barroso & Associados, do qual o ministro do STF Luís Roberto Barroso era sócio - ele se desligou ao se tornar ministro da corte, em junho de 2013. Rafael Barroso Fontelles, que dá nome à banca, é sobrinho do ministro.
Os sócios atuaram na defesa da Líder no STF em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adis) que alteravam regras do Dpvat. A KPMG afirmou que, apesar de a quantia ser elevada, a seguradora não tinha detalhes sobre a prestação dos serviços. A decisão dos julgamentos das duas Adins foi a favor da Líder.
Outra relação com pessoa politicamente exposta destacada pela KPMG envolve o advogado Mauro Hauschild, procurador de carreira do INSS que atuou como assessor do ministro Dias Toffoli, hoje presidente do STF.
Quando Toffoli assumiu como ministro do STF, em outubro de 2009, Hauschild o acompanhou para atuar como seu assessor e chefe de gabinete. Ele assessorou Toffoli até o início de 2011, quando deixou o posto no STF para ser presidente do INSS, onde ficou até outubro de 2012.
Em janeiro de 2013, ele assumiu como procurador do INSS no município gaúcho de Lajeado, onde ficou por sete meses. Desde 2014, tem seu próprio escritório de advocacia.
A KPMG também destacou uma doação da Líder para financiar a realização de um seminário sobre seguros da Escola de Magistratura, em São Paulo, em outubro de 2011. O recurso cobriu despesas do evento promovido pela Associação dos Magistrados Brasileiros e Escola Nacional de Seguros. Os ministros do STF Ricardo Lewandowski e Barroso participaram do evento.
O governo de Jair Bolsonaro tenta acabar com o Dpvat alegando que sua operação tem custos muito elevados quando comparados ao do mercado privado e que há indícios de fraude na gestão. A defesa do Dpvat tem gerado discussões jurídicas que terminam por serem resolvidas pelo STF.
O relator da ação, o ministro Edson Fachin, entendeu que o seguro Dpvat não pode ser tratado por Medida Provisória (MP), mas apenas por lei complementar, e foi seguido por cinco colegas: Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Dias Toffoli.
O ministro Luiz Fux também foi contra a MP, mas por outra razão. Argumentou que a extinção do Dpvat sobrecarregaria o SUS e, por conseguinte, o orçamento da saúde, pois o sistema público passaria a arcar sozinho com as despesas dos acidentes.
Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello rejeitaram o pedido de suspensão da medida provisória. A ministra Cármen Lúcia não participou do julgamento. Luís Roberto Barroso declarou-se impedido. 

Seguradora Líder, Hauschild e ministros não reconhecem ter havido irregularidades

A Seguradora Líder, em nota, destacou que, após receber o relatório, seguiu as recomendações da KPMG: "Foram adotadas todas a medidas administrativas e de compliance cabíveis, alinhadas com os valores de retidão e transparência que norteiam a Administração da Seguradora Líder".
A assessoria do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, disse que, no período citado, o ex-assessor Mauro Hauschild já não atuava no gabinete do ministro. "Entendo que, por isso, não há o que comentar. E a decisão de classificar o presidente como PPE (pessoa politicamente exposta) deve ser dirigida à seguradora."
A assessoria do ministro Luís Roberto Barroso disse que ele "se desligou inteiramente do seu antigo escritório ao tomar posse no STF, em junho de 2013, com ele não mais mantendo qualquer relação. Após a sua saída, o escritório, inclusive, mudou de nome. O ministro não atuou em nenhum dos casos do DPVAT, tendo se dado por impedido". A assessoria do ministro Ricardo Lewandowski disse que ele não tem nenhum envolvimento com a Líder.
O advogado Mauro Hauschild, por sua vez, disse desconhecer a auditoria da KPMG, possivelmente pelo caráter sigiloso do documento."Fui consultor/advogado da empresa (Líder), tendo prestado regulamente meus serviços durante três anos, analisando e contribuindo na elaboração das teses jurídicas de defesa perante o Poder Judiciário", disse Hauschild. Ele também disse que está fora da AGU e de cargos em governo desde julho de 2013. Afirmou ter pedido licença para interesse particular do cargo de procurador federal e que o contrato de consultoria e advocacia é posterior à sua licença. Por fim, acrescentou que o conceito de pessoa politicamente exposta permanece por mais cinco anos após o afastamento do cargo.
O ministro Fux não respondeu aos contatos até a publicação desta reportagem.