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Entrevista especial

- Publicada em 21 de Julho de 2019 às 21:46

Nova lei pode reduzir 40% de dívida da saúde, diz Freire

'Vamos ter uma Torre de Babel de reformas previdenciárias (sem a inclusão dos municípios)', avalia Freire

'Vamos ter uma Torre de Babel de reformas previdenciárias (sem a inclusão dos municípios)', avalia Freire


CLAITON DORNELLES/JC
Há duas semanas à frente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), o novo presidente da entidade, o prefeito de Palmeira das Missões, Eduardo Freire (PDT), tem trabalhado em diferentes soluções para sanar o repasse atrasado de recursos estaduais aos municípios na área da saúde. O passivo chega a R$ 700 milhões.
Há duas semanas à frente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), o novo presidente da entidade, o prefeito de Palmeira das Missões, Eduardo Freire (PDT), tem trabalhado em diferentes soluções para sanar o repasse atrasado de recursos estaduais aos municípios na área da saúde. O passivo chega a R$ 700 milhões.
Desse valor, R$ 200 milhões já foram negociados e vão ser pago às prefeituras em 16 parcelas. Os outros R$ 500 milhões sequer foram empenhados. Para que as cidades gaúchas recebam esse valor, Freire aposta na doação de imóveis do Estado aos municípios, o que pode quitar até 40% do passivo que ainda não foi empenhado pelo Palácio Piratini. 
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o presidente da Famurs para o biênio 2019-2020 espera que os estados e municípios entrem na reforma da Previdência, durante a votação no Senado Federal. Eduardo Freire também cobra do governo federal que ouça as entidades municipalistas antes de apresentar um projeto de reforma tributária e revisão do pacto federativo.
O dirigente revela, ainda, que a Famurs - junto com a Frente Parlamentar em Defesa dos Municípios Sem Asfalto, da Assembleia Legislativa - negocia com a bancada gaúcha no Congresso Nacional emendas de bancada no valor de R$ 300 milhões para asfaltar estradas em cidades do Interior. 
Jornal do Comércio - O governador se elegeu prometendo colocar em dia os repasses atrasados da saúde, que acumulavam R$ 700 milhões não transferidos aos municípios. Como está essa negociação?
Eduardo Freire - A gente vem tendo uma negociação muito complicada com relação aos atrasos na área da saúde. Há cerca de um mês, fizemos um acordo de parcelamento de, aproximadamente, R$ 200 milhões em 16 vezes. A proposta inicial era em 30. Mas a Famurs conseguiu baixar para 16 parcelas, para ficar dentro do mandato dos atuais prefeitos. Esse acordo está sendo cumprido. Na semana passada, nos reunimos com a secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, e o Conselho dos Secretários Municipais da Saúde (Cosems), para elencar a ordem de prioridade dos pagamentos. Esses R$ 200 milhões em verbas da saúde vinham sendo pagos. Só que existem programas (na área de saúde) que 50 municípios aderiram; os outros 447, não. Então solicitamos a quitação da dívida, primeiro, dos programas que têm adesão de todos os municípios. Conseguimos fechar esse acordo, de modo que o próximo depósito já vai seguir essa lógica.
JC - E como ficam os outros R$ 500 milhões do passivo da Saúde?
Freire - Esse é o problema mais sério, porque esses R$ 500 milhões sequer estão empenhados. São valores que deveriam ter sido repassados aos municípios desde 2014. Esses valores atingem os 497 municípios. O governo está buscando estratégias a fim de quitar esses valores em um curto espaço de tempo. Mas o que temos de concreto é um protocolo de intenções assinado pelo governo do Estado, no qual ele propõe a dação de bens imóveis do Estado, em pagamento às dívidas com os municípios, na área da saúde. Por exemplo, o Estado tem uma dívida de R$ 3 milhões em repasses atrasados para a saúde da minha cidade; mas o Daer (Departamento Autônomo de Estradas e Rodagens) tem um imóvel no município, que vale R$ 2 milhões; o Estado pode dar esse imóvel à prefeitura e, assim, ficar devendo apenas R$ 1 milhão. Muitos municípios demonstraram interesse nessa forma de abater as dívidas da saúde.
JC - Esses municípios representam a maioria dos 497?
Freire - Não. São cerca de 50 municípios médios e grandes, com população acima de 40 mil habitantes. Só que a dívida com essas prefeituras ultrapassa 70% dos R$ 500 milhões não empenhados. O governo do Estado vai elaborar uma legislação para regrar a dação de imóveis para pagar as dívidas da saúde. Ela deve ser aprovada (na Assembleia Legislativa) em cerca de 90 dias. Isso pode diminuir de 30% a 40% do montante dessa dívida de mais de R$ 500 milhões. Ou seja, estamos falando de um valor que varia de R$ 150 milhões a R$ 200 milhões.
JC - E a dívida com os municípios menores?
Freire - Estamos brigando para que o Estado, mesmo sem o empenho desses valores, faça uma confissão de dívida com cada município. Afinal, a dívida pode prescrever em alguns casos. Por exemplo, se os valores que deveriam ter sido repassados em 2014 não forem reconhecidos, a dívida vai prescrever no final de 2019. Precisamos nos resguardar legalmente, porque os órgãos de controle (principalmente Tribunal de Contas do Estado) estão em cima dos prefeitos, porque isso pode se enquadrar no caso de renúncia de receita. Então precisamos resolver essa situação. Por isso, montamos um grupo de trabalho, junto com o governo do Estado e o Cosems, para estudar as possibilidades de pagamento daqueles municípios que não vão ter o seu problema resolvido através da dação em pagamento. Esses municípios são a grande maioria e querem vislumbrar uma esperança de receber.
JC - Na reunião com a secretária da Saúde, ela apresentou alguma saída para esses casos?
Freire - O governo ficou de construir uma proposta para os municípios. Ele espera que, a partir do ano que vem, comece a pagar essa dívida. Mas isso depende de movimentos do governo: do acerto da dívida do Estado com a União, da adesão ao plano de recuperação fiscal etc.
JC - Um problema antigo, que costuma recair sobre a Famurs, é a ausência de acessos asfálticos em alguns municípios. Quantas localidades esperam asfaltamento hoje?
Freire - Hoje, temos 67 municípios sem acesso asfáltico. O Estado fala em 53, porque existem as obras que estão sendo finalizadas. São casos em que está faltando a sinalização ou falta menos de 5% da obra. Então, provavelmente, dentro dos próximos seis meses, teremos a diminuição das cidades sem asfalto. Mas, dos 53 municípios que vão continuar sem acesso asfáltico, alguns não têm sequer projetos.
JC - O que a Famurs planeja para sanar o problema desses 53 municípios?
Freire - A Assembleia criou uma Frente Parlamentar, proposta pelo deputado Eduardo Loureiro (PDT), para dar apoio aos municípios sem acesso asfáltico. Da mesma forma, nesta semana, vamos criar uma comissão na Famurs para dar suporte a esses municípios. A partir dessas duas iniciativas, queremos convencer os deputados federais e senadores gaúchos a apresentarem uma emenda de bancada, destinada às obras de acesso asfáltico. Foi solicitado aos parlamentares uma emenda, por três anos consecutivos, somando um valor total de R$ 300 milhões. Provavelmente, no dia 6 de agosto, a Frente Parlamentar da Assembleia e a comissão da Famurs vão se reunir com a bancada gaúcha para discutir como podemos viabilizar isso.
JC - Com R$ 300 milhões resolveria o problema de todos os municípios sem asfalto?
Freire - Não. Resolve o problema de, aproximadamente, 20 municípios. Também vai tramitar na Assembleia um projeto de autoria do deputado Ernani Polo (PP), que destina para os acessos asfálticos um percentual fixo de tudo o que for privatizado no Estado. Além disso, se o governo fizer o acordo de recuperação fiscal com a União, pode ter acesso a R$ 3 bilhões em financiamentos. Queremos um financiamento internacional de mais R$ 100 milhões para essas obras. Então são várias frentes que vêm sendo trabalhadas tentando viabilizar isso.
JC - O que os municípios esperam do governo federal?
Freire - O governo fala em um novo pacto federativo. Hoje, menos de 14% de tudo o que se arrecada no Brasil chega aos municípios. A revisão do pacto é uma pauta antiga do movimento municipalista. Estamos vislumbrando uma luz no fim do túnel agora, porque o próprio governo federal está falando sobre isso. Mas a revisão tem que ser construída de baixo para cima, a partir de um processo no qual os municípios sejam ouvidos. Não adianta aumentar o repasse aos municípios, se as atribuições municipais aumentarem em uma proporção maior.
JC - O movimento municipalista já fez contato com o governo federal sobre isso?
Freire - Nós (da Famurs), juntamente com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), estamos reivindicando esse espaço para discutir a modelagem do novo pacto federativo, que o governo diz que será apresentado até o final deste ano. É preciso que os municípios sejam ouvidos. Isso não vem acontecendo.
JC - O Planalto tem falado em uma reforma tributária, unificando todos os tributos em um único imposto ou dois (um federal e um estadual). Qual a sua avaliação?
Freire - Dependendo da forma como for conduzida, pode ser boa. O Brasil é taxado como um dos países com maior carga tributária. Na verdade, nossa carga tributária é muito alta no que diz respeito ao produto, e baixa no que diz respeito à renda. Nos EUA ou nos países europeus, a média do imposto sobre a renda é maior do que no Brasil; ao mesmo tempo, a média dos impostos sobre produtos é menor do que no Brasil. Hoje, um brasileiro de baixa renda paga o mesmo imposto em um refrigerante que um brasileiro rico. Isso vale para qualquer produto de consumo popular. Isso precisa ser reajustado. De qualquer forma, a reforma tributária tem relação com o pacto federativo, porque trata dos recursos que serão destinados aos municípios. Então a gente também quer participar dessa discussão, como entidade municipalista, representada pela CNM.
JC - Qual a sua avaliação da reforma da Previdência, aprovada na Câmara dos Deputados?
Freire - Temos que partir da premissa do corte de privilégios, não de direitos. Por isso, tenho algumas restrições à reforma. Considero que é necessária, mas poderia ter sido mais justa. Poderia ter sobrecarregado menos aqueles que ganham até três, quatro salários-mínimos. Poderia ter cortado mais privilégios. O fato de os municípios e os estados terem ficado fora da reforma corrobora que ela poderia ter acabado com privilégios, porque existem muitos privilégios ocorrendo em municípios e estados. Por isso, esperamos que o Senado melhore algumas questões que não foram trabalhadas na Câmara.
JC - Qual o risco, na sua avaliação, de não incluir os estados e os municípios na reforma?
Freire - Teremos mais de 2 mil reformas previdenciárias nos municípios, uma diferente da outra. Palmeira das Missões pode definir que a idade mínima para se aposentar é 65 anos; Sarandi pode definir que é 64; Passo Fundo, 63; Carazinho, 62; e assim por diante. Vamos ter uma Torre de Babel de reformas previdenciárias, e, certamente, isso vai implicar em questionamentos jurídicos, inclusive dúvidas sobre a constitucionalidade. Praticamente 100% dos prefeitos considera necessária uma reforma da Previdência, por mais que não tenha sido a que a gente esperava.
JC - O senhor mencionou que a reforma sobrecarregou muito os mais pobres. O que mudaria?
Freire - Faria uma regra diferente para proteger aquele trabalhador que ganha menos. Inclusive, levaria em conta as regiões do Brasil onde a expectativa de vida varia consideravelmente. Por exemplo, um pedreiro não consegue manter a regularidade na contribuição ao INSS: ele contribui por 10 anos, passa três anos sem carteira assinada, volta a contribuir por mais cinco anos, deixa de contribuir de novo por mais dois anos e assim por diante. Para esse trabalhador alcançar o tempo de contribuição para ter 100% da aposentadoria, vai levar muito tempo. Vai se aposentar com 76, 77, 78 anos. Fui fazer um cálculo da minha própria aposentadoria, que sou um advogado, trabalho em gabinete. Para eu me aposentar com 100% do benefício, vou ter que contribuir até os 73 anos. Imagina um operário, que trabalha de sol a sol, que sustentam o País com sua mão de obra? Essas categorias foram muito penalizadas. Isso está errado.
JC - A comissão especial da Câmara dos Deputados instaurada para avaliar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que aumenta em 1 ponto percentual o repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) aprovou o texto preliminar. Qual a expectativa da Famurs?
Freire - É uma briga de muitos anos do movimento municipalista. Estamos articulando com a bancada gaúcha no Congresso. Acredito que vai ser uma votação tranquila, que deve acontecer até o final do ano. Foi estabelecido um parcelamento, que prevê o aumento de 25% para cada um dos próximos quatro anos, até completar 1 ponto percentual de acréscimo.

Perfil

Eduardo Russomano Freire nasceu em 18 de dezembro de 1977, no município de Palmeira das Missões. Residiu nessa cidade durante toda a vida, onde concluiu não só os estudos Fundamental e Médio, mas também a faculdade de Direito. Em 2002, tornou-se bacharel pela Universidade de Passo Fundo (UPF), no campus instalado em Palmeira das Missões. Inspirado na trajetória política do pai - o pedetista José Américo Freire, que foi prefeito da cidade entre 1993 e 1996 -, filiou-se ao PDT aos 16 anos. Iniciou a trajetória política militando na Juventude Socialista, órgão partidário destinado aos jovens pedetistas. Foi procurador-geral do município de 2005 a 2008. Quando deixou a procuradoria-geral, concorreu pela primeira vez a vereador da cidade. Na estreia, elegeu-se com votação recorde, recebendo mais de 10% dos votos do eleitorado municipal. Em 2012, venceu a eleição para a prefeitura de Palmeira das Missões. Em 2016, foi o primeiro prefeito a se reeleger na cidade. Em 2019, assumiu a presidência da Famurs pelo biênio 2019-2020.