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Entrevista especial

- Publicada em 27 de Janeiro de 2019 às 01:00

Perfil de Guedes pressiona venda do Banrisul, diz Lasier

'A União não tem de onde tirar esse dinheiro. A Lei Kandir é uma ilusão', alerta o senador

'A União não tem de onde tirar esse dinheiro. A Lei Kandir é uma ilusão', alerta o senador


fotos: MARCO QUINTANA/JC
Ao analisar como deve se desenrolar a negociação entre o governador Eduardo Leite (PSDB) e o presidente Jair Bolsonaro (PSL) para o ingresso do Rio Grande do Sul no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o senador Lasier Martins (PSD) identifica pelo menos um impasse. De um lado, Lasier acredita que o ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes deve pressionar mais a venda do Banrisul, pois tem um perfil mais privatista que a equipe econômica do ex-presidente Michel Temer (MDB). De outro, Leite se comprometeu em não privatizar o banco, durante a campanha eleitoral. 
Ao analisar como deve se desenrolar a negociação entre o governador Eduardo Leite (PSDB) e o presidente Jair Bolsonaro (PSL) para o ingresso do Rio Grande do Sul no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o senador Lasier Martins (PSD) identifica pelo menos um impasse. De um lado, Lasier acredita que o ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes deve pressionar mais a venda do Banrisul, pois tem um perfil mais privatista que a equipe econômica do ex-presidente Michel Temer (MDB). De outro, Leite se comprometeu em não privatizar o banco, durante a campanha eleitoral. 
A solução para o imbróglio pode passar pelo plano de recuperação fiscal que o tucano pretende propor ao governo federal, como alternativa à venda do Banrisul. "Li uma notícia de que o governo Leite poderia adotar um plano de recuperação fiscal em cima do funcionalismo público", diz o senador - demonstrando interesse pela medida que, por enquanto, não foram detalhadas por Leite. O que se sabe é que envolve a revisão do plano de carreira dos servidores.
O senador do PSD também analisa a proposta do senador eleito Luis Carlos Heinze (PP), que defende um movimento nacional para cobrar o que a União deve aos estados que perderam arrecadação por conta da Lei Kandir. Lasier - que se aprofundou no tema ao participar da comissão mista do Congresso Nacional para regulamentar os ressarcimentos - não hesita ao dizer: "a Lei Kandir é uma ilusão".
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Lasier opina ainda sobre o primeiro mês do governo Bolsonaro e a reforma da previdência, que deve ser a primeira grande batalha do Palácio do Planalto no Congresso. Como jornalista, também analisou a estratégia de comunicação do presidente, que se comunica principalmente através da rede social Twitter.
Jornal do Comércio – O governo do presidente Jair Bolsonaro facilita ou dificulta as negociações para o ingresso do Rio Grande do Sul no Regime de Recuperação Fiscal?
Lasier Martins – Tenho pensado muito nisso. O (ministro da Economia) Paulo Guedes, com a doutrina de evitar qualquer gasto, vai ter um problema, porque não é só o Rio Grande do Sul que terá que socorrer. Depois do Rio de Janeiro, o Palácio do Planalto vai ter que socorrer o Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Sergipe e Distrito Federal. Todos extremamente endividados. Então, se o Paulo Guedes socorrer esses estados, liberando-os das prestações (da dívida), não vai ter dinheiro para investimentos. A situação é a mesma do governo anterior (do ex-presidente Michel Temer, MDB), onde o ex-ministro (da Fazenda) Eduardo Guardia impunha que, para fazer o acordo, tinha que colocar o Banrisul na negociação.
JC – O ministro Paulo Guedes tem um perfil mais privatista que o Guardia. Isso pressiona mais pela privatização do Banrisul?
Lasier – Claro que pressiona. Mas, durante a campanha, o governador Eduardo Leite assumiu o compromisso de não privatizar o banco. Esse compromisso foi um dos fatores que garantiu a eleição dele. Se ele levar a privatização do Banrisul adiante, ficará desmoralizado. Além do mais, não tem nenhum outro ativo que substitua o Banrisul. Os demais ativos são órgãos, departamentos, que não garantem nada. Com exceção daqueles que o governo José Ivo Sartori (MDB) já propôs a privatização, que são a CEEE, a Sulgás e a CRM, que tem um valor mediano.
JC – É possível entrar no RRF sem vender o Banrisul?
Lasier - Eu vi uma notícia de que o governo Leite poderia adotar um plano de recuperação fiscal em cima do funcionalismo público. Ainda não consegui entender bem, mas parece que ele vai recorrer a uma outra alternativa para fazer economia. Só que, se ele deixar de contratar, o Rio Grande do Sul vai continuar sofrendo deficiências, pois vários setores precisam de reposições. E se manter o funcionalismo sem reajuste salarial, vai haver uma paralisação geral. Daqui a pouco começam as greves. De qualquer forma, o Leite está pensando em alternativas, porque, por enquanto, não há perspectiva de ingressar no regime de recuperação fiscal.
JC – O senhor concordaria com a privatização do Banrisul?
Lasier – Acho que tem que fazer de tudo para evitar. Futuramente, não tem solução. De qualquer forma, uma coisa é muito importante: o Banrisul tem que adotar os mesmos critérios dos bancos privados. O banco dos gaúchos se tornou muito generoso. Com isso, perde muito capital. Tem benefícios que nenhum outro banco privado concede. Ele tem que agir como um banco privado, prestando serviços para o Estado, não cheio de generosidades como é hoje.
JC – Como solução alternativa ao RRF, o senador eleito Luis Carlos Heinze (PP) defende um movimento nacional com outros estados e municípios, para buscar os créditos da Lei Kandir. Qual a sua avaliação sobre isso?
Lasier – Os governos do ex-presidente (Luiz Inácio) Lula (da Silva, PT), da Dilma Rousseff (PT) e do Michel Temer (MDB) exerceram poderes sobre o Congresso Nacional para não deixar regulamentar a Lei Kandir, porque a União perderia muito dinheiro. A Lei Kandir tinha que ter sido regulamentada em 2003. Com não foi, os estados exportadores não têm como cobrar os ressarcimentos previstos, porque qual é o critério que vai se adotar? Como vai se calcular o que a União deve aos Estados? Em vez de receber 100% do que temos direito, a União paga ao estado apenas 17%. Isso não é nada. Por isso, o maior credor, o Pará, que tem um crédito de R$ 110 bilhões, entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (SRF) em 2016. O STF determinou que, até novembro de 2017, o Congresso Nacional tinha que regulamentar. Foi criada uma comissão mista. Eu fiz parte dela. Fizemos um projeto que não foi à votação, porque o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), são teledirigidos pelo Governo Federal.
JC – É possível recuperar esses créditos ou é uma causa perdida?
Lasier – Em 2017, a nossa comissão fez uma visita ao então ministro da Fazenda, Eduardo Guardia. Ele levou ao encontro uns 10 advogados da União e do Ministério. Todos para dizerem: não tem como os estados cobrarem, não tem como saber o valor exato a ser pago. Além disso, sustentaram que, considerando as estimativas, o governo federal não teria como pagar. Estima-se que os quatro maiores credores – Pará, Minas Gerais, Mato Grosso e Rio Grande do Sul, respectivamente - e os que têm parcelas menores - como o Paraná e Santa Catarina - somam mais de R$ 500 bilhões em créditos. Esse é o débito do governo federal com a Lei Kandir. Por isso, o Guarida disse abertamente: “olha aqui, não tem como pagar”. A União não tem de onde tirar esse dinheiro. Então eu acho que é a Lei Kandir é uma ilusão.
JC – Outra pauta do governo federal é a reforma da previdência, que provavelmente vai ser a primeira grande batalha no Congresso Nacional. O que pensa sobre a reforma?
Lasier – O Brasil precisa, urgentemente, de uma reforma da previdência. Se não, daqui a pouco, o país vai pegar toda a sua arrecadação para pagar aposentados e pensionistas. Estamos bem perto disso. De qualquer forma, existem três itens importantes: a idade mínima para a aposentadoria, o processo de transição para o novo modelo; e o tempo de contribuição. Com relação à idade mínima, achei boa a ideia propor 60 anos para os homens e 57, para as mulheres. Tem que ir aos poucos. Daqui a quatro ou cinco anos, aperta mais o torniquete: passa para 63 anos no caso dos homens e 60, no das mulheres. Fazendo abruptamente, como se tentou no governo Temer, houve uma rejeição muito violenta.
JC – E os outros dois itens?
Lasier – O processo de transição é o ponto mais delicado. Quem está próximo da aposentadoria, como vai fazer? A reforma vai impor mais cinco anos, 10 anos de contribuição? Isso é uma coisa muito meticulosa, tem que saber como fazer. Quanto ao tempo de contribuição, também deve ser rigoroso com relação aos critérios. Mas, nesses temas, não adianta avançar muito em considerações agora, porque o governo ainda não apresentou o projeto. Aliás, está demorando demais, em parte porque o Congresso ainda não começou a trabalhar. Mas sou da opinião que, na primeira semana, o projeto já deveria estar pronto para começar a discussão imediatamente.
JC – Outra alteração que o ministro Paulo Guedes tem cogitado é a mudança para o regime capitalizado...
Lasier – A capitalização não deu certo no Chile. O bom seria um meio termo: uma parte de capitalização, para não pesar demais para o contribuinte.
JC – Acredita que a reforma da previdência passa esse ano?
Lasier – Acho que tem que passar esse ano, porque, se não passar em 2019, fica muito difícil ser aprovada depois. A aprovação vai depender muito de quem serão os presidentes das casas legislativas. Se o Rodrigo Maia continuar na presidência da Câmara, o projeto deve andar, porque ele está aceitando tudo em troca do apoio à presidência dele (o PSL, partido do presidente Bolsonaro, já anunciou apoio a Maia). Por outro lado, se o Renan Calheiros (MDB-AL) continuar no comando do Senado, aí a tramitação da reforma é totalmente imprevisível, porque ele muda de posição a todo momento. Estou numa campanha bastante densa para não deixar ele ser reeleito presidente.
JC – Como avalia o primeiro mês do governo Bolsonaro?
Lasier – Nas primeiras semanas do governo Bolsonaro, estamos vendo precipitações, algumas trapalhadas e recuos, o que é compreensível a quem inicia uma atividade estranha. Afinal, nenhum dos que estão entrando aí foi governo. Mas os equívocos estão acontecendo por excesso de gente falando, quando devia haver uma concentração dos anúncios governamentais em um porta-voz. E esse porta-voz só deveria divulgar qualquer assunto, depois de um consenso dentro do Palácio do Planalto. Apesar disso, o novo governo já tem pontos ao seu favor, como a redução dos ministérios de 30 para 22; as notícias da severidade que pretende implantar no ataque à criminalidade; o programa do Paulo Guedes na contenção de gastos. São coisas boas que já estão acontecendo.
JC – Como jornalista, o que pensa do uso do Twitter como veículo oficial do presidente?
Lasier – Isso é explicado pelo fato de que foi muito criticado, contestado e, às vezes, ridicularizado por comentaristas de alguns órgãos poderosos da imprensa brasileira. Isso fez com que ele perdesse a confiança e a simpatia (pelos veículos jornalísticos). Além disso, sua campanha foi baseada nas redes sociais. Ele foi eleito pelas mídias sociais, pela internet, pois o espaço no rádio e na televisão era exíguo. Então, ele entende que o mundo está sendo reinventado pelas mídias sociais e se baseia nessa novidade para promover as suas realizações. É uma opção dele não acreditar nos grandes jornais, na Folha de São Paulo, no Estadão, no Globo, na Rede Globo. Realmente ele foi muito agredido por alguns.
JC – O que muda na sua atuação no Senado, com o governo Bolsonaro? O clima da nova gestão favorece a aprovação de algum dos seus projetos?
Lasier – Vários. Estou muito animado. Uma dessas propostas, o projeto do antiterrorismo, foi elogiada publicamente pelo Bolsonaro e pelo ministro Sérgio Moro. O texto prevê que as situações de violência que ocasionam verdadeiro terror social, como o que está acontecendo no Ceará, sejam qualificadas como terrorismo. Vou aproveitar os elogios do governo para dar andamento a essa matéria. Também espero dar andamento ao projeto que trata do bloqueio de celulares em presídios e o que muda os critérios de escolha dos ministros do STF. No início de janeiro, fui recebido pelo ministro Onyx. Levei a ele uma lista dos meus projetos para ele avaliar os que têm afinidade com o pensamento do novo governo. Estou bastante otimista.
JC – O que espera do governo de Eduardo Leite?
Lasier – O governo Leite depende rigorosamente da condição econômico-financeira do País e do Estado. Sem isso, ele pouco ou nada vai fazer. Afinal, o magistério já começa a esboçar os primeiros movimentos, pois aumentou o piso, tem que pagar o piso e não tem de onde tirar o dinheiro para isso. Além disso, o Leite não está conseguindo ganhar a negociação (para ingresso no Regime) da recuperação fiscal que ele quer junto ao governo federal. Ele está tendo muita ação, muito movimento, movimento físico. Ele está aqui, está ali, está em vários eventos. Mas concretamente não conseguiu nada. É louvável o esforço dele, mas não temos ainda resultados.

Perfil

Lasier Costa Martins nasceu no município de General Câmara, em 1942. Aos 16 anos de idade, iniciou sua trajetória no rádio, em Montenegro, e fez carreira na imprensa gaúcha. Já instalado em Porto Alegre, ingressou na equipe de esportes da rádio Difusora, aos 17 anos. A partir de 1961, trabalhou na rádio Guaíba, onde permaneceu por 24 anos. Em 1986, deixou o veículo para entrar no grupo RBS, no qual atuou como âncora de telejornal, comentarista e presentador, com participação na RBS TV e na rádio Gaúcha. Sua entrada na política ocorreu em outubro de 2013, quando se desligou da RBS para se filiar ao PDT, pelo qual se lançou candidato ao Senado Federal. Em dezembro de 2016, deixou o partido. Foi para o PSD, onde assumiu, inclusive, a presidência do diretório estadual da sigla no Rio Grande do Sul. Ao longo dos quatro anos no
Senado, participou da comissão mista especial sobre a Lei Kandir em 2017. Lasier também é advogado, formado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Exerceu a profissão por 20 anos, mas deixou de advogar para dedicar-se exclusivamente ao jornalismo.