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Entrevista especial

- Publicada em 20 de Janeiro de 2019 às 21:20

Previdência do País não precisa de reforma, diz Paim

'A questão é gestão: cobrar os devedores e parar de dar perdão a sonegadores', diz senador

'A questão é gestão: cobrar os devedores e parar de dar perdão a sonegadores', diz senador


CLAITON DORNELLES /JC
Ao longo dos 32 anos em que atua no Congresso Nacional, a Previdência Social tem sido o foco da atuação do senador reeleito em 2018 Paulo Paim (PT). Para ele, a reforma da Previdência que deve ser encaminhada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) pode prejudicar não só o sistema previdenciário, mas também outras áreas, como a saúde. Mais do que isso: acredita que a Previdência do País não precisa de reforma, mas de uma gestão que cobre as dívidas dos grandes sonegadores.
Ao longo dos 32 anos em que atua no Congresso Nacional, a Previdência Social tem sido o foco da atuação do senador reeleito em 2018 Paulo Paim (PT). Para ele, a reforma da Previdência que deve ser encaminhada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) pode prejudicar não só o sistema previdenciário, mas também outras áreas, como a saúde. Mais do que isso: acredita que a Previdência do País não precisa de reforma, mas de uma gestão que cobre as dívidas dos grandes sonegadores.
Em 2017, quando o ex-presidente Michel Temer (MDB) tentou aprovar uma reforma que aumentava o tempo de contribuição e a idade mínima para a aposentadoria, Paim presidiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou as contas do sistema previdenciário. A conclusão, que consta no relatório, é que a Previdência é superavitária.
Paim acredita que a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes - de instaurar o regime de capitalização na Previdência nacional -, "tem tudo para dar errado". "No Chile, vigora esse regime. Estão descontando 10% diretamente do salário do trabalhador, o Estado não paga mais nada, o empresário não paga mais nada. E os 10% do próprio servidor não garantem uma aposentadoria decente para as pessoas. Mais da metade dos aposentados chilenos recebe menos de um salário-mínimo", observa.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Paim também avalia a segunda etapa da reforma trabalhista cogitada por Bolsonaro. Defende, ainda, um movimento nacional para renegociar a dívida dos estados com a União, assim como a compensação dos créditos da Lei Kandir. Quanto à gestão de Eduardo Leite (PSDB), elogia a postura de diálogo do governador.
Jornal do Comércio - Entre as reformas que o governo federal pretende levar à votação está a da Previdência. Pelas declarações da equipe econômica, vai ser encaminhada a reforma apresentada pelo ex-presidente Michel Temer, com algumas alterações. Qual a sua avaliação sobre essa reforma?
Paulo Paim - Fui um dos principais combatentes da reforma da Previdência do Temer. É desastrosa. Não leva a nada. Não ataca os principais problemas, que é a sonegação, a fraude, o desvio do dinheiro da Previdência para outros fins. E, mais uma vez, ataca os mais pobres, ao elevar a idade e o tempo de contribuição. Na CPI que tratou desse tema, que eu presidi, demonstramos que ir a público cobrar os que sonegam e se apropriam indebitamente dos recursos da Previdência é muito mais proveitoso para o País e para a economia. Os grandes devedores, não só da Previdência, mas também de outras áreas, devem mais de R$ 1 trilhão para o governo. Isso não é executado. Então, quando o governo cobrar esses devedores, vai poder discutir aumento de idade e tempo de contribuição.
JC - O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem declarado que pretende implementar o regime de capitalização na Previdência brasileira. É viável?
Paim - O mundo sabe que esse sistema não deu certo. O melhor exemplo é o Chile. Lá, estão descontando 10% diretamente do salário do trabalhador, o Estado não paga mais nada, o empresário não paga mais nada. E os 10% do próprio servidor não garantem uma aposentadoria decente para as pessoas. Mais da metade dos aposentados chilenos recebe menos de um salário-mínimo. Como é que você vai viver com isso? Por isso, inclusive, eles estão precisando achar uma outra alternativa. Nesse sistema chileno, é como se fosse uma poupança sua. Se adotarmos esse modelo, vamos abrir mão da contribuição do empregador, contribuição de 20% na maioria dos casos. A minha preocupação é quem vai pagar esse valor. O regime de capitalização tem tudo para dar errado.
JC - Considerando os parlamentares eleitos em 2018, o novo perfil do Congresso Nacional está mais suscetível à aprovação da reforma da Previdência?
Paim - Infelizmente, sim. Claro que faremos o contraponto, de forma equilibrada e tranquila. Mas dá a impressão que esse pessoal que está chegando no Congresso quer a reforma. É vendido a eles que, após a reforma, vai ter mais emprego, a inflação vai diminuir, a taxa de juros vai baixar, o mercado vai melhorar. A impressão é que a Previdência é a origem de todos os males do Brasil, ao mesmo tempo que a reforma é a salvadora da pátria. Eu estou no Congresso há 32 anos. Com essa eleição, vai para 40 anos. Desde que cheguei lá, não fizeram essa reforma arbitrária, para não discutir o fato de a Previdência ser superavitária. A Previdência ajuda muito na saúde, na assistência social e na própria arrecadação do Estado. Com a reforma, vai piorar não só a Previdência, mas também a saúde e a crise social.
JC - Ficou claro que não concorda com a reforma proposta pelo governo federal. Mas o senhor faria alguma mudança no modelo atual da Previdência?
Paim - Sinceramente, não precisa de reforma nenhuma. Por dois motivos. Primeiro, se a Receita Federal fosse tão dura com os grandes sonegadores quanto é para qualquer cidadão que não paga suas contribuições, arrecadaria, de imediato, dinheiro suficiente para sustentar a Previdência pelos próximos anos. O que precisa é uma mudança da gestão, cobrar os grandes devedores, parar de dar perdão de dívida para os sonegadores. O pequeno contribuinte - como os pequenos comerciantes, por exemplo - sempre acaba negociando e pagando o que deve à Previdência. O grande renegocia por mais dois anos, depois não paga de novo e renegocia de novo. O que precisaríamos é de uma reforma de gestão. Aliás, sobre esse tema, existe uma proposta de emenda à Constituição no Senado que diz que o dinheiro da seguridade social não pode ser destinado, em hipótese nenhuma, para outro fim.
JC - E o segundo motivo?
Paim - Não precisa reforma porque aquela que fizemos em 2015, que já teve mudanças duras, é uma reforma permanente (as mudanças criam uma fórmula somando o tempo de contribuição mais a idade para se aposentar: para os homens, o tempo de contribuição mais a idade tem que somar, pelo menos, 95 anos; para as mulheres, 85). Não precisa fazer reforma hoje, nem amanhã, nem depois de amanhã, nem daqui a 5, 10 anos. Afinal, a cada dois anos, a fórmula 85-95 aumenta um ano. Em 2019, passa de 85-95 para 86-96. Daqui dois anos, já passa a ser 87-97. Com isso, vai aumentando o tempo de contribuição e a idade para se aposentar. Mas de forma equilibrada, de acordo com o nosso envelhecimento. No início das discussões dessa reforma, fui contra, mas acabei concordando com a fórmula encontrada depois de muita discussão. Então, a questão da Previdência é de gestão, cobrar os devedores e respeitar a fórmula 86-96.
JC - O presidente Jair Bolsonaro já anunciou que pretende fazer uma segunda fase da reforma trabalhista, porque, nas palavras dele, "a lei trabalhista tem que se aproximar da informalidade". Como vê essa possibilidade?
Paim - É um equívoco histórico, é não ter princípio humanitário nenhum, é desumanizar a política, levando prejuízo para o povo brasileiro. Já falaram que não tem mais demarcação de terra indígena, não tem demarcação de terra quilombola, não se pode mais falar em reforma agrária e ainda estão dizendo que vão fazer outra reforma trabalhista. Aí é praticamente revogar a Lei Áurea. Segundo o IBGE, o número de desempregados que já desistiram de procurar emprego, que estão no mercado informal, chega a 30 milhões de brasileiros. Não temos que nos aproximar do mercado informal. Temos que formalizar os informais para que eles paguem a Previdência, para que tenham direitos e deveres como todo cidadão. Sinceramente, espero que essa reforma não aconteça. Estarei no Senado, graças ao povo gaúcho, me opondo a essa medida.
JC - O governo gaúcho pretende aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) no primeiro semestre deste ano. Como o senhor enxerga essa possibilidade e as negociações com o governo federal, que, em algum momento, vão ter que passar pelo Senado?
Paim - Para o ingresso no RRF, o Rio Grande do Sul não pode negociar sozinho. É preciso fazer uma grande articulação nacional com outros estados endividados, para recalcular as dívidas, mostrar como elas foram feitas e mostrar que são impagáveis. Nesse aspecto, apresentei um projeto em 2015, propondo que a dívida seja recalculada baseada no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Além disso, nessa proposta, recapitulamos como foi feita a dívida do Rio Grande do Sul, lá atrás, quando os índices de inflação eram altíssimos. Já pagamos R$ 50 bilhões e ainda devemos R$ 60 bilhões. Então, a dívida, como está posta, é impagável. Se refizéssemos os cálculos, a União teria até que nos devolver dinheiro. É claro que ela não vai nos devolver. Não pode ficar sonhando somente. Mas é importante entrar nesse debate, de como a dívida foi calculada, rediscutir a forma como foi feita, porque ela se tornou impagável, quanto mais pagamos, mais devemos.
JC - E os ressarcimentos da Lei Kandir?
Paim - Junto com a discussão da dívida do Estado com a União, temos que discutir a Lei Kandir também. Segundo cálculos preliminares, a União nos deveria em torno de R$ 50 bilhões. Da mesma forma que defendo que rediscutamos o formato da dívida, defendo que coloquemos na mesa a Lei Kandir. Podemos chegar a um acordo possível para sustentar a economia do Rio Grande do Sul. Inclusive, o governador Eduardo Leite vai tentar construir uma saída negociável. De qualquer forma, tudo isso deve ser colocado na mesa.
JC - É possível gerir o Rio Grande do Sul sem o RRF?
Paim - Não. Por isso, proponho essas alternativas de colocar na mesa a Lei Kandir, rediscutir a fórmula da dívida e, a partir daí, construir uma alternativa.
JC - Nas últimos semanas, ficou claro que o governo Temer queria o Banrisul como contrapartida à entrada no RRF. O ministro da Economia, Paulo Guedes, defende privatizações com mais força que a gestão anterior. É possível entrar no RRF sem ter que privatizar o banco?
Paim - Creio que sim. Tanto o ministro Paulo Guedes quanto o presidente Jair Bolsonaro vão ter que dialogar com os estados. Não é porque ele se elegeu que é o dono da verdade absoluta. Eu não sou o dono da verdade. Por isso, falo em dialogar e construir saídas, democraticamente. A verdade tem que ser construída no campo das ideias. E que se construa aquilo que é possível dentro da realidade do Estado e da União.
JC - Quanto ao governo do Rio Grande do Sul, o que espera da gestão Eduardo Leite?
Paim - Conheci o Eduardo Leite quando ele era prefeito de Pelotas. Ele é um homem de diálogo e está tendo uma grande oportunidade de unificar o Rio Grande, ao conversar com todos os partidos na Assembleia. Nós (da esquerda, do PT) perdemos as eleições, e sempre digo que quem perdeu tem que entender que perdeu. O novo governo, com absoluta legitimidade, ganhou e, nessa condição, tem que dialogar com os adversários e construir aquilo que é bom para o Rio Grande do Sul. Achei exemplar a postura da bancada do PT, que decidiu votar na proposta do governador de prorrogar por dois anos as alíquotas majoradas de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
JC - O governador Eduardo Leite acredita que é possível privatizar a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), a Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e a Companhia de Gás do Rio Grande do Sul (Sulgás) como garantia ao ingresso no RRF. O que o senhor pensa da privatização dessas três estatais?
Paim - Assim como a bancada do PT na Assembleia, tenho demonstrado preocupações com essas três estatais. Não sou radicalmente contra privatizar tudo, mas também não sou daqueles que são favoráveis a todas as privatizações. Nem um extremo, nem outro. Cada caso é um caso, tem que ser estudado especificamente, para que não haja mais prejuízo para o Rio Grande do Sul. O caso mais explícito, em que nós e o governo concordamos, é que o Banrisul é intocável. Todas as outras, pega caso a caso, para se chegar a um entendimento para privatizar o que efetivamente for necessário.

Perfil

Paulo Renato Paim, 68 anos, é natural de Caxias do Sul. Formado em marcenaria e matrizaria pelo Senai, iniciou a vida política na adolescência, no movimento estudantil, sendo presidente do ginásio noturno para trabalhadores e do ginásio estadual Santa Catarina, na época da ditadura militar. Jovem, veio a Porto Alegre trabalhar como metalúrgico e, depois, foi para Canoas. Logo, tornou-se uma liderança do movimento sindical, sendo presidente da central estadual. Eleito secretário-geral da CUT nacional, em 1983, Paim foi um dos escolhidos para representar o movimento na Constituinte. E, por isso, filiou-se ao PT, aos 35 anos. Elegeu-se deputado federal em 1986, sendo um dos 10 mais votados. Dividiu apartamento com Lula e Olívio Dutra nos primeiros tempos de Brasília. Reelegeu-se em 1990, 1994 e 1998 na Câmara dos Deputados, e, em 2002, elegeu-se senador. Em 2010 e 2018, reelegeu-se para o Senado. Com isso, pode completar 40 anos de Congresso Nacional ao fim do novo mandato. Sua atuação no Legislativo se destacou pela defesa dos direitos dos aposentados e da valorização do salário-mínimo.