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Entrevista especial

- Publicada em 16 de Dezembro de 2018 às 22:17

Heinze tenta solução alternativa ao RRF para o Rio Grande do Sul

Futuro senador se comprometeu em pressionar o governo federal a realizar encontro de contas

Futuro senador se comprometeu em pressionar o governo federal a realizar encontro de contas


CLAITON DORNELLES/JC
Eleito senador pelo Rio Grande do Sul, Luis Carlos Heinze (PP) começou a colocar em prática uma promessa de campanha que, conforme prevê, pode substituir a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Ele havia se comprometido a articular um movimento com governadores e parlamentares de outros estados para pressionar o governo federal a realizar um encontro de contas entre o que a União deve aos entes federados em compensações da Lei Kandir e o que eles devem à federação.
Eleito senador pelo Rio Grande do Sul, Luis Carlos Heinze (PP) começou a colocar em prática uma promessa de campanha que, conforme prevê, pode substituir a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Ele havia se comprometido a articular um movimento com governadores e parlamentares de outros estados para pressionar o governo federal a realizar um encontro de contas entre o que a União deve aos entes federados em compensações da Lei Kandir e o que eles devem à federação.
O futuro senador já conversou com o governador eleito de Santa Catarina, Comandante Moisés (PSL), e vê alinhamento com o governador eleito do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), com quem planeja se reunir.
Heinze, que está no quinto mandato como deputado federal, foi colega do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), na Câmara dos Deputados. Ambos se tornaram amigos e, hoje, o senador eleito é um dos homens de confiança de Bolsonaro. Essa proximidade pode ser um fator favorável para o encaminhamento da solução alternativa ao RRF proposta pelo futuro senador.
Sobre o governo estadual, Heinze acredita que o governador eleito, Eduardo Leite (PSDB), terá que escolher prioridades para cumprir a promessa de campanha de colocar em dia o salário dos servidores ainda no primeiro ano de governo.
Ele avalia que, mesmo com o efeito cascata provocado pelo aumento do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), é possível manter a meta de pagar em dia o funcionalismo ainda em 2019.
Quanto ao projeto que prorroga por dois anos o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), posiciona-se contrário à medida proposta por Leite. Mas prevê que a bancada do PP (sete deputados) deva ter apenas um voto contra a proposta.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Heinze também critica os países e Organizações Não Governamentais (ONGs) que atuam pela preservação da Amazônia. Quer criar uma espécie de "imposto mundial", através do qual outros países pagariam ao Brasil para manter a floresta amazônica.
Jornal do Comércio - Uma das suas propostas de campanha foi a articulação de um movimento com governadores e parlamentares de outros estados pelos ressarcimentos da Lei Kandir. Como pretende encaminhar essa negociação?
Luis Carlos Heinze - No dia da eleição, depois de votar em São Borja, viajei ao Rio de Janeiro para acompanhar o resultado da votação com o Bolsonaro. Quando saí do Rio, segunda-feira, estava estampado no jornal O Globo que o governador eleito de lá (Wilson Witzel) defendia a mesma proposta (um movimento nacional para renegociar dívidas e cobrar ressarcimentos). Santa Catarina deve R$ 10 bilhões. Me encontrei com o governador eleito de Santa Catarina (Comandante Moisés) na antessala do Bolsonaro e disse para ele: "estou contigo". Então, não estou sozinho. Já comecei a conversar sobre esse assunto. Vou falar com os governadores do Rio, Minas Gerais (Romeu Zema, Novo), São Paulo (João Doria, PSDB), que são os maiores devedores, junto com o Rio Grande do Sul. Embora haja diferenças, todas as propostas apontam para a mesma direção - seja cobrar a Lei Kandir, seja negociar diferente com a União. Já disse também ao Eduardo Leite que estou junto nessa empreitada.
JC - Esse movimento não poderá desgastar sua relação com Bolsonaro?
Heinze - Se fosse só eu, talvez. Mas já não estou sozinho. Se a pressão (ao governo federal) fosse só nossa, do Eduardo Leite e da nossa bancada de senadores e deputados, seria complicado. Mas já temos o apoio do governador do Rio de Janeiro, que é o estado do Bolsonaro. Vou articular com os senadores e os deputados do Rio de Janeiro. Depois Minas Gerais, depois São Paulo.
JC - Esse movimento substituiria o RRF?
Heinze - Sim.
JC - Mas o movimento pela renegociação é um processo que leva algum tempo. Enquanto não dá resultado, o Estado assinaria o RRF em busca de fôlego?
Heinze - Se não tiver outro jeito... Ainda não conversei com o Eduardo objetivamente, mas vamos conversar. De qualquer forma, estou junto com ele.
JC - Falando no governo de Eduardo Leite, o que espera dele nos próximos anos?
Heinze - Que vai ser melhor que o governo (José Ivo) Sartori (MDB), isso vai ser. Principalmente, por conta do salário dos servidores públicos. O doutor Jair Soares (ex-governador entre 1983 e 1987, pelo PDS, atual PP) insiste muito que é para tentar honrar o compromisso de colocar em dia a folha. Tem que montar uma equipe logo para planejar isso. O Eduardo está muito atrasado na formação do governo. Agora tem prazo. Até o final do mês, tem que estar com a equipe montada.
JC - A ex-governadora Yeda Crusius (PSDB) acredita que, com o aumento do STF, o efeito cascata tornará muito difícil colocar em dia os salários no primeiro ano de gestão. Isso afeta o prazo?
Heinze - A meta é essa aí (colocar a folha em dia no primeiro ano). Ele deve tentar pagar dentro desse prazo. Porque, como meta, ótimo. De qualquer forma, o que ele deve fazer é eleger prioridades. Quem tem a chave do cofre é ele, o governador. Ele pode priorizar o salário. Por exemplo, hoje alguns setores da saúde têm atraso, outros não têm; o governador pode optar por atrasar (os que estão em dia), para pagar os servidores. Claro que no primeiro mês do governo, tem os atrasos de dezembro, o 13º etc. É ruim, mas pode manter uma meta que possa cumprir.
JC - A questão é priorizar os gastos...
Heinze - Claro. Ele pode, por exemplo, mexer no duodécimo do Judiciário, Legislativo. E não me refiro nem a atrasar o repasse, mas simplesmente repassar um percentual da arrecadação real do Estado. Hoje, se o Judiciário fizesse um orçamento de R$ 12 milhões ao ano, o Executivo repassaria R$ 1 milhão por mês, mesmo que a arrecadação tivesse sido menor que o previsto quando a peça orçamentária foi feita. Defendo que o Executivo repasse um percentual sobre o valor real da arrecadação, não o projetado.
JC - Quanto ao projeto que prorroga por dois anos o aumento do ICMS, qual a sua avaliação?
Heinze - Eu procuraria outra forma. Mas não sou eu o governador. Em princípio, não sou favorável. Mas os deputados estaduais da nossa bancada vão apoiar a medida, talvez com exceção do (deputado estadual Sérgio) Turra.
JC - O governador eleito se reuniu com todas as bancadas da Assembleia para tratar da prorrogação do ICMS. Como avalia o estilo político dele?
Heinze - É diferente do Sartori. Ele está buscando o apoio. Foi conversar com o PT, com o PCdoB, foi conversar com todo mundo. Eu faria a mesma coisa.
JC - Um dos primeiros desafios do governo Bolsonaro será a reforma da Previdência. Na sua avaliação, em que ponto o projeto deve se concentrar?
Heinze - Eu não mexeria nos baixos salários. Um, dois, três salários. Isso é a base da pirâmide, representa a maior quantidade de aposentados do setor urbano e rural. Tem que pegar mais os altos salários. Tem que focar a reforma em quem ganha cinco, 10, 20, 50 salários, ou até mais do que isso, seja no Legislativo, no Executivo ou no Judiciário. Abarcando esses salários, atinge um número menor de trabalhadores, mas o valor é maior. Se trabalha com a base da pirâmide, mexe com muita gente. Fica até mais difícil de aprovar essa reforma.
JC - Diminuiria a resistência...
Heinze - Sim. Afinal, funcionários públicos que ganham 50 salários, os deputados, senadores, juízes... representam categorias que se articulam com facilidade. Aí eles pegam quem ganha um salário, dois salários, de massa de manobra, envolvendo milhões de pessoas nas manifestações. Mas, se não mexer na base da pirâmide, o trabalhador que pega o ônibus cedinho não vai fazer protesto, porque não mexemos no salário dele. Assim, quem vai bater panela no Congresso acaba sendo uma minoria, não o povo.
JC - Ao mexer nas regras de aposentadoria dos altos salários, o que mudaria?
Heinze - Hoje muita gente ganha acima do teto, que é o valor que recebe um ministro do Supremo Tribunal Federal (com o aumento aprovado em novembro, ultrapassa os R$ 39 mil a partir do ano que vem). Primeiro, precisa cortar os salários acima do teto. Ninguém pode ganhar mais do que isso. Temos que uniformizar o teto. Só cortando o excedente acima do teto, gera uma economia de R$ 6 bilhões a R$ 7 bilhões. Depois de fixar o teto, aí começa a mexer nas regras (da aposentadoria).
JC - E o senhor pretende apresentar essa ideia ao presidente Bolsonaro?
Heinze - Sim, vou apresentar essa ideia ao grupo que estiver trabalhando nisso.
JC - Com o anúncio de Bolsonaro de que vai transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, o comércio do Brasil com os países árabes pode ser prejudicado. Rio Grande do Sul e Santa Catarina podem ter perdas expressivas, porque exportam principalmente frango para esses países?
Heinz - Tem que fazer uma avaliação. Ganha mais com Israel? Se perder os árabes, qual é o prejuízo? Não sei quantificar isso...
JC - Em 2017, o superávit do Brasil com os países árabes passou de R$ 7 bilhões...
Heinze - Isso terá que ser avaliado. Não podemos perder esse mercado. Estamos vendendo gado para lá também.
JC - Mas, pelo que o senhor falou, defende que a decisão seja colocada na ponta da caneta...
Heinze - Claro. Não pode ser assim (sem um levantamento dos prós e contras comerciais).
JC - Outro anúncio do presidente Bolsonaro que pode afetar o comércio exterior é o de que retiraria o Brasil do Acordo de Paris, no qual vários países se comprometem a agir contra as mudanças climáticas. O presidente da França, Emmanuel Macron, defendeu que a Europa não fizesse parcerias comerciais com países que não respeitassem o acordo. Qual o risco para as exportações brasileiras?
Heinze - Essa questão do Acordo de Paris... Quem são eles para dizer o que temos que fazer dentro do Brasil? Noruega, Inglaterra, Holanda, França e as ONGs desses países têm interesse em manter a Amazônia sob judice. Esse Macron mesmo (presidente da França). Vai cuidar do país deles. O cerrado e a floresta amazônica brasileira têm, vamos supor, uma área de cerca de 400 milhões de hectares. Aí um país como a Noruega nos dá uma ajuda de U$ 5 milhões, U$ 10 milhões para deixarmos essa área intacta. Mas essa área vale muito, muito mais. Ainda por cima, mandam umas ONGs nos cuidar lá dentro. Isso está errado. Aquilo (Amazônia) é patrimônio do Brasil. Vou bater contra isso, seja contra o Macron, contra quem quer que seja.
JC - O senhor defende a abertura de mais atividades econômicas na Amazônia?
Heinze - Não, não, não. Não vou fazer tudo aquilo virar lavoura. Não é isso. O que digo é que, se o mundo quer manter aquilo (Amazônia), tem que pagar ao Brasil. Mas pagar o que vale. Ouvi uma estimativa uma vez, em uma palestra, de que valeria entre US$ 34 bilhões e US$ 35 bilhões. É como se tivéssemos 400 apartamentos e não pudéssemos alugá-los, nem usá-los. Temos 400 milhões de hectares que não podemos utilizar, porque, como dizem, é patrimônio da humanidade. Se é patrimônio da humanidade, a Inglaterra tem que pagar, a Europa tem que pagar, os EUA tem que pagar, todo mundo tem que pagar (para preservar a Amazônia). Tudo bem, não vamos devastar, aquilo vai ficar intacto para o mundo. Então que o mundo nos pague. Mas pague o quanto vale.
JC - E como se cobraria desses países? Propõe uma espécie de imposto internacional para preservar a Amazônia?
Heinze - Pronto. Vamos cobrar um imposto mundial para manter aquilo lá. Não quero devastar. Sei do prejuízo que isso geraria para nós. Mas aquilo tem um preço e o mundo tem que nos pagar. Não dá para deixar intacto e ninguém pagar nada.
JC - Como se faria para implantar esse "imposto mundial"?
Heinze - Não sei. Mas vamos achar um jeito. Já tem estudos em cima de quanto vale aquela região. Aquilo é do Brasil e, como brasileiros, temos que usar. Não vou devastar, mas tem minérios, por exemplo, que não podemos retirar. Podíamos pegar um pedaço, mil hectares, dois mil hectares, para fazer uma mina não sei do quê. O que é dois mil hectares? Mas não posso fazer. Tem hidrelétrica, não posso usar. Rodovia, não posso construir. Tudo não posso fazer. Não posso por quê? Aquilo é nosso. E, como nosso, vamos ter que usar.

Perfil

Descendente de alemães, Luis Carlos Heinze nasceu em 14 de setembro de 1950 em Candelária. Migrou para Alegrete na adolescência, onde completou o ginásio agrícola, atuando como técnico-agrícola. No município, também participava do grêmio estudantil, onde iniciou sua atividade política, ainda que sem filiação a partido. Em 1973, graduou-se em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal de Santa Maria. Em 1974 e 1975, foi professor em São Borja. Na cidade da Fronteira, constituiu sua família e tornou-se produtor rural. Foi fundador e o primeiro presidente da Associação dos Arrozeiros de São Borja, entre 1988 e 1990. Em 1989, foi secretário municipal de Agricultura. Em 1992, filiou-se ao PDS (hoje PP), partido pelo qual se elegeu prefeito da cidade naquele ano. Depois disso, elegeu-se cinco vezes deputado federal: em 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014, quando foi o mais votado do Rio Grande do Sul. Na Câmara dos Deputados, atuou junto à bancada ruralista. Elegeu-se senador neste ano, sendo o mais votado, com 2.316.177 votos.