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Entrevista especial

- Publicada em 14 de Outubro de 2018 às 23:45

Onda da direita falou alto nas eleições, avalia Paulo Peres

"Do ponto de vista da disputa nacional, MDB e PSDB foram os perdedores"

"Do ponto de vista da disputa nacional, MDB e PSDB foram os perdedores"


/LUIZA PRADO/JC
A principal marca do primeiro turno das eleições no País foi o avanço da direita, tanto nos Legislativos quanto nos Executivos. A avaliação é do cientista político Paulo Sérgio Peres. "Há uma onda mais à direita no Brasil, que se expressa, hoje, em termos partidários, e que falou alto nas eleições", analisa. O crescimento do PSL - partido de Jair Bolsonaro -, que pulou de um para 52 deputados federais na Câmara e conquistou vagas no Senado, Assembleias estaduais e participação em dois segundos turnos - em Roraima e em Santa Catarina -, retrata o avanço conservador, cujo emblema é a votação do presidenciável do PSL no primeiro turno.
A principal marca do primeiro turno das eleições no País foi o avanço da direita, tanto nos Legislativos quanto nos Executivos. A avaliação é do cientista político Paulo Sérgio Peres. "Há uma onda mais à direita no Brasil, que se expressa, hoje, em termos partidários, e que falou alto nas eleições", analisa. O crescimento do PSL - partido de Jair Bolsonaro -, que pulou de um para 52 deputados federais na Câmara e conquistou vagas no Senado, Assembleias estaduais e participação em dois segundos turnos - em Roraima e em Santa Catarina -, retrata o avanço conservador, cujo emblema é a votação do presidenciável do PSL no primeiro turno.
Nesse cenário, também chama a atenção o crescimento do número de partidos com deputados eleitos no Congresso Nacional - um recorde de 30 siglas - e a alta presença de bancadas de tamanho médio, que podem dificultar o trabalho do próximo presidente, seja Bolsonaro, seja Fernando Haddad (PT), que terão de lidar com o fisiologismo de partidos sem ideologia clara, aponta Peres.
O cientista político observa, ainda, que, apesar de ter reduzido o número de deputados federais e não ter conseguido eleger diversas lideranças históricas da legenda, o PT manteve a hegemonia da centro-esquerda.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Peres ainda comenta o fim da polarização PT-PSDB no Brasil e da disputa PT-MDB no Rio Grande do Sul, marca das eleições nas últimas décadas.
Jornal do Comércio - Com a próxima formação do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas já definidas, o que é possível interpretar sobre o cenário político no País?
Paulo Sérgio Peres - A eleição do primeiro turno aponta para algumas tendências. Ainda é cedo para fazer uma avaliação mais aprofundada, temos, inclusive, que esperar o segundo turno. Mas já é possível dizer que há uma onda mais à direita no Brasil, que se expressa, hoje, em termos partidários, e que falou alto nas eleições. Isso é expressivo pela porcentagem de votos que o próprio Bolsonaro conquistou para ir ao segundo turno. Ele está em uma posição muito favorável, tem que crescer muito pouco para ganhar as eleições. Isso se refletiu no partido que abraçou a candidatura do Bolsonaro, o PSL, que passou de um partido pequeno na Câmara dos Deputados para 52 parlamentares - a segunda maior bancada partidária, perdendo apenas para o PT. O primeiro dado para chamar a atenção é isso: há um crescimento realmente substantivo de partidos de direita e até com discursos que eu poderia dizer de extrema-direita no Brasil. E é uma onda, porque ela perpassa vários cargos do Legislativo e do Executivo. E, por outro lado, o PT continua sendo o principal representante do polo de centro-esquerda e esquerda no Brasil, sendo um dos principais partidos, se não o principal, em termos de estrutura, de representatividade no Brasil, a despeito de ter perdido espaço. O PT ainda tem grande força, tanto é que ele consegue, apesar de anos na berlinda, digamos assim, em que vem sendo alvo de investigações jurídicas com lideranças presas, ir para o segundo turno e fazer uma bancada na Câmara dos Deputados que é expressiva. É o primeiro partido em termos de bancadas, mesmo com algumas de suas lideranças não conseguindo se eleger para o Senado ou para a Câmara. Temos esses dois fatos que se destacam logo de cara: o crescimento e o fortalecimento da direita e um pouco da extrema-direita do Brasil, e o PT se mantendo ainda como a principal força de centro-esquerda.
JC - O PSL cresceu muito nesta eleição, mas Bolsonaro e a maior parte dessa bancada está no partido apenas desde março deste ano. Como é uma sigla que cresceu muito rápido e em pouco tempo, há risco de uma crise de identidade dentro do PSL?
Peres - Na verdade, o PSL era um partido pequeno, e ter abraçado a candidatura do Bolsonaro fez o partido crescer. O PSL, hoje, por exemplo, está à frente do MDB e do PSDB na Câmara dos Deputados - o que seria impensável semanas atrás. Então será uma força importante. Agora, parece-me que o PSL não é um partido que tenha consistência ideológica tão firme. Ele defende alguns valores mais conservadores e, provavelmente, vai defender de maneira mais enfática em função do próprio Jair Bolsonaro, que defende esses valores desde sempre. Não podemos dizer que o Bolsonaro é um candidato de marketing momentâneo. Ele era um produto que já estava nas prateleiras, e, diante da situação, foi necessário usá-lo. Vários queriam adotar o Bolsonaro como uma solução.
JC - Quais são os problemas que o futuro presidente vai enfrentar sob o ponto de vista de governabilidade?
Peres - A dificuldade que vejo - que não será só do Bolsonaro, mas também do Fernando Haddad - é de que fisiologismo, patrimonialismo e distribuição de cargos ainda vai ser a tônica dos próximos programas. Será impossível governar sem fazer essas proposições. O parlamento brasileiro já era muito fragmentado, e aumentou essa fragmentação. Agora, com uma dificuldade maior: mais partidos de tamanho médio. Eles têm muita força para vetar políticas do governo, não são mais partidinhos pequenos. Então é importante atrair esses partidos para a base para evitar justamente isso. Quem ganhar vai ter que fazer uma coalizão majoritária que não vai seguir um padrão muito diferente do que foi até agora. Vai ter que distribuir cargos, porque essa é a lógica da formação de coalizão. Isso significa, portanto, que, se for o Haddad, ele terá uma dificuldade grande de formação de maioria, na medida em que a esquerda é minoritária nesse novo parlamento. Ela terá que avançar para o centro e talvez um pouco para a direita. Significa que muito do que ele defende do seu programa vai ter que negociar e talvez não consiga implementar. Bolsonaro talvez tenha menor dificuldade, porque ele já tem uma agenda que contempla o centrão, que são partidos que vão do centro até a direita, mas terá uma dificuldade de governar por outro motivo. Se ele insistir em reduzir o número de ministérios, privatizar várias empresas estatais, significa que o montante de cargos que ele tem à sua disposição para distribuir para os aliados e garantir o apoio desses no Congresso vai diminuir, em uma situação em que o Congresso está fragmentado e é preciso ter vários partidos na sua base, o que, provavelmente, vai gerar descontentamento. Não será uma questão ideológica, mas uma questão fisiológica mesmo. Se o Bolsonaro tiver dificuldades em função disso, como é que vai conseguir lidar com o Congresso? Ele vai partir para uma estratégia de confronto, de conflito com o Congresso? Será que sua popularidade - que é grande hoje - e a quantidade de votos que ele vai ter serão suficientes para o Congresso se curvar a ele? O (ex-presidente Fernando) Collor (PTC) achou isso. Óbvio, o Collor tinha menos apoio no Congresso. Mas o fato é que qualquer presidente que parte de uma situação de conflito com o Congresso, no caso do Brasil, o resultado não é bom. Seja com o Collor, que tinha maioria, seja com a (ex-presidente) Dilma (Rousseff, PT), que tinha uma imensa maioria, resultou no impeachment. No caso do Haddad, vai ser claramente a questão de fazer alianças em função do programa político que ele defende.
JC - Assim como Bolsonaro, Fernando Haddad ficou com um percentual de votos maior do que o que as pesquisas mostravam. Ainda assim, a distância entre os dois no primeiro turno foi de aproximadamente 18 milhões de votos. Haddad tem potencial de virar esse cenário?
Peres - As pesquisas do sábado (06/10) erraram muito em diversos casos, erros grotescos. Por exemplo, nas disputas ao Senado. As pesquisas tem que ser revistas. No final, Haddad acabou apresentando uma votação próxima aos 30%. Maior, então, do que apontavam as pesquisas. Na minha avaliação, não foi uma grande surpresa, porque, se olharmos a votação histórica do PT e da esquerda no Brasil, tem um número de 30%. O que ele conseguiu fazer foi capturar realmente a transferência de votos que o (ex-presidente Luiz Inácio) Lula (da Silva, PT) fazia, da esquerda, mas não necessariamente ainda do voto lulista. Tem muitos eleitores que votavam no Lula e que, na ausência dele, escolheram votar no Bolsonaro. Qual é o montante desses eleitores? Acho dá para saber agora, e dá para adiantar que Fernando Haddad terá uma tarefa muito difícil pela frente. Bolsonaro precisa buscar mais 4%, 5% dos votos e já é eleito, e o Haddad tem muito ainda para buscar. Uma hipótese possível é de que Bolsonaro tenha crescido tanto nos últimos momentos porque muitos eleitores do Geraldo Alckmin (PSDB), da Marina Silva (Rede), do Alvaro Dias (Podemos), talvez alguns do (João) Amoêdo (Novo) e até mesmo do Ciro (Gomes, PDT), mas, principalmente, dos três primeiros, fizeram já o voto estratégico, o voto útil no primeiro turno, imaginando que, se eles mudassem já, eles poderiam fazer o Bolsonaro vencer no primeiro turno, evitando um segundo turno com o Haddad. Bolsonaro investiu nesse discurso nos últimos dias, de "nós podemos vencer no primeiro turno". Se isso for verdade, dá para explicar até por que a Marina teve tão poucos votos - em torno de 1%, uma decepção completa em relação ao desempenho anterior. Alckmin, perto de 5%. Era o candidato do PSDB, que, antes, polarizava a disputa nacional. Talvez a votação dele tenha sido baixa porque esses votos que já iam para o Bolsonaro já foram no primeiro turno. Se essa hipótese for verdadeira, podemos pensar que o que sobrou de voto do Alckmin e da Marina pode ser mais favorável de ser transferido e de migrar para o Haddad. Ainda assim, não é suficiente. Haddad precisa conquistar esses votos e os que foram para o Ciro Gomes, e precisa convencer o eleitorado a comparecer no segundo turno, porque a taxa de votos nulos e brancos não foi alta, mas a de não comparecimento foi. É uma taxa que a alguns anos já não se observava.
JC - Na sua concepção, qual foi o maior perdedor desta eleição?
Peres - Do ponto de vista da disputa nacional, tanto o MDB quanto o PSDB foram perdedores, mas mais o PSDB. O MDB foi porque teve uma votação muito pequena, mas não tinha muitas perspectivas, apesar de ter investido na campanha do (Henrique) Meirelles. O PSDB perdeu mais porque, desde a primeira eleição do Fernando Henrique Cardoso, o PSDB era um dos dois polos. Na campanha nacional, se polarizava PSDB e PT, e o PSDB era o grande protagonista. Alckmin teve um desempenho de partido pequeno e perdeu espaço político para Bolsonaro. Se olharmos de um ponto de vista das eleições para a Câmara, o PSDB e o MDB também perderam, principalmente o PSDB, que está se tornando um partido médio com uma bancada bastante reduzida.
JC - O PT ficou de fora, pela primeira vez, do segundo turno na disputa ao Piratini, e os candidatos ao governo que passaram para esta etapa são do PSDB (Eduardo Leite) e do MDB (José Ivo Sartori), assim como no segundo turno das eleições municipais de Porto Alegre em 2016. O senhor acha que, com quase um terço dos votos para governador terem ido para partidos de centro-esquerda no primeiro turno, pode haver um desinteresse desse eleitorado na disputa?
Peres - Temos o PT de fora, e, portanto, uma polarização política se perde não só porque o PT sai da disputa, mas também porque os dois que permanecem não têm, necessariamente, uma polarização, mas sim o mesmo campo programático. Não existe tanta diferença ideológica (entre Sartori e Leite). E aí, como eleitores mais à esquerda ou talvez à direita vão se sentir estimulados a votar se (os candidatos) estão muito próximos? Isso pode estimular uma baixa participação. Só que esta eleição para governador acontece casada com uma eleição para presidente. Se tivéssemos tido a eleição para presidente (definida) já no primeiro turno, talvez isso pudesse estimular uma abstenção elevada para o segundo turno. Mas, como é votação casada e nacionalmente, diferente daqui, é uma eleição muito polarizada, o eleitor vai às urnas de todo modo. O que pode acontecer é um número grande de votos nulos e em branco. Mas a campanha nacional tem tudo para estimular a participação, mesmo de eleitores que não compareceram antes, e foram muitos. Talvez eles se sintam estimulados para votar desta vez porque a campanha nacional vai estar polarizada. Se isso vai se refletir na campanha (estadual), não sei. A hipótese que tenho é que, se tiver reflexo, aumenta o voto branco e nulo. Sem dúvida, o eleitor mais de esquerda não vai ter estímulo para votar no segundo turno do Estado, porque seria endossar duas candidaturas que defendem programas que são radicalmente contra.

Perfil

Paulo Sérgio Peres nasceu em São Paulo em 1968. Graduou-se em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em 1997. É docente dos cursos de Ciências Sociais e Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), e do programa de pós-graduação em Ciência Política da Ufrgs, atuando como professor adjunto. É diretor da Regional Sul da Associação Brasileira de Ciência Política. Tem mestrado (2000) e doutorado (2005) em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), onde defendeu uma tese sobre o sistema partidário brasileiro, analisando o período entre 1982 e 2004. Peres também atua em temas como instituições políticas brasileiras, teoria democrática e história, epistemologia e metodologia da Ciência Política, e possui artigos publicados em congressos e livros especializados nessas áreas. Antes de lecionar na Ufrgs, foi professor substituto na UFSCar e professor adjunto de Ciência Política na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).