Aproveitei o título do excelente livro do professor Carlos Antônio Gottschall para tentar entender o uso do chamado tratamento precoce da Covid-19. A Organização Mundial da Saúde (OMS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e agora várias sociedades médicas, dizem que não são eficazes no tratamento da Covid- 19. Então por que muitos médicos o indicam?
Será por ideologia, para seguir seus mitos ou suas seitas de caráter ideológico? Acredito que alguns a indicam cegamente por esse motivo. Porém, conheço vários que não tem esta ideologia e também prescrevem. Será por burrice como disse o médico sanitarista, criador da Anvisa, Gonçalo Vecina: "Tem muito médico burro, que ainda dá Cloroquina". Pode ser, mas também conheço muitos médicos ilustrados e inteligentes que aconselham o chamado "Kit Covid". Será por ganho financeiro direto dos laboratórios? Acredito que não, pois são medicamentos baratos. Na minha longa carreira de médico, convivendo, conversando e trocando angústias, tento encontrar uma resposta.
Ao entrar na Faculdade de Medicina, logo aprendi que esta profissão não é matemática, temos várias incertezas. Entendi que a medicina em sua história foi pura arte médica, com escassos recursos diagnósticos ou terapêuticos. Foi apenas durante a Renascença que a ciência médica se sobrepôs à prática do empirismo dominante até então. A arte aprimorada com o método científico parece ser o que de melhor o homem poderia desejar para a medicina moderna.
Os professores diziam que o tratamento para resfriados e gripes comuns era repouso e aspirina. Até o dia em que vi uma receita de um deles com antibióticos para o filho de um amigo meu. Perguntei - por que você prescreveu o antibiótico? - Se não prescrevo, perco o cliente, nenhuma mãe sai satisfeita do consultório com uma receita de apenas uma aspirina e vão procurar outros médicos, respondeu.
Que decepção. Além dos efeitos colaterais, quantas crianças sofreram, desnecessariamente, com um benzetacil nas nádegas ou tomaram remédios com gosto ruim por 7 a 10 dias.
Mesmo sabendo que as armas contra a Covid-19 são a higiene pessoal, uso de máscaras, distanciamento social e vacinas, a prática é diferente da teoria. Há médicos cientistas, porém, a maioria não o é. Existe uma relação médico-paciente, é no recôndito dessa relação onde o desconhecido, as incertezas e a fé, fazem com que os dois veem a necessidade de buscar uma esperança.
Quero deixar claro que sou a favor da ciência, portanto, favorável ao uso de terapêuticas que tenham comprovação científica. Mas, com o passar dos anos, fui entendendo que a frase: "Dans la médécine comme dans l'amour, ni jamais, ni toujours" (Na medicina como no amor, nem nunca, nem sempre), cada vez faz mais sentido para mim.
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