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Opinião

- Publicada em 01 de Dezembro de 2020 às 16:06

A má-fé social ou a banalização da hipocrisia

Este crime que ocorreu na madrugada em Criciúma (SC) é um sinal gravíssimo dos tempos atuais e obriga severa reflexão sobre tudo e todos.
Este crime que ocorreu na madrugada em Criciúma (SC) é um sinal gravíssimo dos tempos atuais e obriga severa reflexão sobre tudo e todos.
Significativo afirmar que este tipo de crime, onde uma cidade com mais de 217 mil habitantes (cfe. estimativa IBGE/2020) foi cercada, isolada, parte dos cidadãos ficaram reféns semidespidos em rua para os marginais furtarem “com segurança”, mediante explosivos, armas capazes de derrubar helicópteros, etc. é reflexo de uma sociedade que, por outro viés, é aquela mesma que abunda os vídeos nas redes sociais indo às ruas se fartar e pegar o dinheiro deixado para trás pelos meliantes. Estas mesmas pessoas que estavam ali embolsando o dinheiro roubado, portando-se tal-e-qual os marginais, são as mesmas que muitas vezes pedem e clamam ao Estado a pena de morte, o encarceramento e a exclusão social do bandido. Não que estejamos aqui passando a mão na marginália, afinal, consabido é que dificilmente os que cometem tal ato de ousadia e ilicitude sejam “necessitados” ou mesmo “vítimas sociais”. São bandidos e ponto, pessoas que de forma livre e consciente optaram pela estrada do mal.
A questão é aumentar o espectro e observar além. Que sociedade é esta? Quem somos? O que somos? Qual a diferença entre o marginal encapuzado portando um rifle .50, o refém desnudo na rua e o cidadão que tentou ficar com o restolho do crime?
Estamos em pleno século XXI, onde temos energia elétrica, água encanada, telefonia móvel, e toda uma parafernália tecnológica que nos permite viver mais, melhor e, inclusive, ir até o espaço. Mas, preste bem atenção, veja bem o que acompanha esse “avanço”: monitoramento do indivíduo por vídeo câmeras, sistema de proteção e alarme 24 hs., carros blindados, cercas elétricas, muros intransponíveis, e, para quem pode, seguranças pessoais quase que 24 hs. por dia. Isto é realmente um “avanço”?!
E todo este “avanço” impediu a barbárie em Criciúma? Não, não impediu. Se diz que a cada sistema de proteção que se inventa (cerca, cofre, alarme etc.) significa uma solução, mas na realidade só está a criar mais um novo problema. Se antes eu tinha que decifrar o segredo do cofre, agora tenho que decifrar e desligar o alarme, explodir o banco e sitiar a cidade, afinal, precisa-se chegar ao dinheiro.
Diz-se que o partido que mais elegeu políticos nessas eleições foi, na realidade, o PCC e não as siglas tradicionais. Mas, se é verdade, isso só acontece e só ocorre em razão da miserabilidade humana da sociedade brasileira. Hoje, a nossa sociedade está estratificada na má-fé: todas as relações sociais partem do pressuposto que nada é honesto e sincero, ao contrário; e nesta areia, nada prospera e tudo afunda.
O ex-juiz italiano da operação Mãos Limpas, Gherardo Colombo, largou a toga e fundou uma associação que se dedica a educar os jovens nas escolas sobre a legalidade, pois, conforme entrevista a repórter do jornal Valor (edição de 27 de novembro), sua função como juiz que aplicava a punição a criminosos não era tão útil quando a educação aos jovens para que respeitem as regras sociais. Já o filósofo judeu Tony Judt escreveu em 2010 um tratado sobre as insatisfações do presente que levam a crença ou aceitação no inacreditável, pois, em sua obra “O mal ronda a Terra”, ele é categórico ao dizer que devemos rejeitar o individualismo niilista (inclusive da extrema direita) e o socialismo (ou comunismo) deturpado do passado, e arremata que devemos mais uma vez colocar o respeito à igualdade de direitos acima de outros valores, sejam os pessoais, sejam os de eficiência, assim como devemos olhar mais para o passado, pois o passado sempre será mais claro e mais iluminado, já que o futuro sempre será algo vago e tênue.
Dito isso, não há meio termo, social ou individualmente considerados, ou educamos nossa gente, olhando para o passado, e corrigimos nosso futuro, ou nem este teremos, ou, quem sabe, entrega-se a administração da nação ao crime, pois, deixando a hipocrisia de lado, se já vivemos na jacobice e malvadeza, vamos assumir a má-fé como instituição de Estado, e assim sermos marginalmente honestos definitivamente.
Ou então, caso você não seja isto ou isto não lhe agrade, como diz o pensador uruguaio Eduardo Galeano: “Somos o que fazemos, mas somos, principalmente o que fazemos para mudar o que somos”. Mude a ti mesmo, seja honesto contigo, de dentro para fora e não de fora para dentro. Se quer um país honesto, uma sociedade honesta, seja você honesto.
Advogado e escritor, São Borja/RS
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