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Opinião

- Publicada em 10 de Março de 2020 às 14:28

A participação do setor saúde na economia

No final de 2019, foram divulgados os dados referentes à Conta-Satélite de Saúde para o Brasil referente ao período 2010-2017. Estas contas referem-se a uma extensão do Sistemas de Contas Nacionais calculadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que tem a finalidade de expandirem a capacidade de análise sobre determinados setores da economia, como é o caso da saúde.
No final de 2019, foram divulgados os dados referentes à Conta-Satélite de Saúde para o Brasil referente ao período 2010-2017. Estas contas referem-se a uma extensão do Sistemas de Contas Nacionais calculadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que tem a finalidade de expandirem a capacidade de análise sobre determinados setores da economia, como é o caso da saúde.
O estudo da economia da saúde é importante interessante por três razões: (i) pelas dimensões da contribuição do setor saúde para o total da economia; (ii) pelas preocupações com as políticas nacionais; (iii) pelo número de problemas da saúde dotados de um elemento econômico substancial.
O setor saúde do ponto de vista econômico é um setor bastante peculiar. A demanda por saúde é irregular, não sabemos antecipadamente quando iremos ficar doente. As transações neste setor são caracterizadas por problemas de assimetria de informação (seleção adversa, risco moral, relação agente-principal), ou seja, um dos agentes econômicos envolvidos numa transação tem mais informações do que o outro. Há também uma ampla incerteza inerente ao setor; por exemplo, os consumidores normalmente desconhecem os resultados esperados dos vários tratamentos indicados ou sugeridos, a menos que explicados pelo médico ou outro profissional de saúde e, em muitos casos, nem mesmo os médicos podem prever os resultados com absoluta certeza. Os consumidores não têm certeza sobre o seu estado de saúde e sua necessidade de assistência em qualquer período futuro. Isto significa que a demanda por assistência à saúde é irregular por natureza. O fato de existirem tantos elementos de incerteza justificam um papel importante para os instrumentos de seguro, sejam estes privados ou sociais. Assim não é de se estranhar que o seguro no setor saúde emergiu com uma importante fonte pagadora.
A saúde não é um bem transferível de um indivíduo para o outro. Existem significativas externalidades na produção e consumo de saúde, ou seja, o consumo de um indivíduo pode afetar o bem-estar de outro. Seja, por exemplo caso das doenças transmissíveis, de um fumante passivo e o caso das vacinas, que afetam não somente quem está vacinado mas reduz a transmissão de doença para outros indivíduos. Além disso, os diversos serviços e produtos de saúde se caracterizam como bens credenciais, sendo necessário, em geral, a certificação de um profissional especializado para indicar o produto ou serviço a ser consumido, em cada caso específico, assim como atestar sua qualidade. Assim, na ausência de uma certificação pública reconhecida pelos consumidores como confiável, a reputação do provedor do bem ou serviço passa a ser relevante de determinação tanto das decisões de consumo por parte dos pacientes quanto da prescrição médica dos profissionais de saúde.
Outro aspecto importante é que o consumo de produtos e serviços de saúde se caracteriza pela dissociação entre consumidor final e o agente responsável pela indicação terapêutica. Essa dissociação resulta no que é chamando em economia de problemas de agência.
Alguns produtos e equipamentos do setor saúde se caracterizam por elevados gastos com pesquisa e desenvolvimento de novos processos e, sobretudo, de novos produtos, especialmente medicamentos e equipamentos médicos de alta complexidade. A especificidade dos novos produtos no caso do setor de medicamentos, permite uma maior eficácia na implementação da lei de patentes que na maioria dos demais setores econômicos.
O consumo de diversos produtos de saúde por alguns indivíduos gera externalidades difusas sobre o resto da sociedade. Diz-se que um bem gera externalidades difusas quando o consumo médio da sociedade tem um impacto direto no bem-estar de cada indivíduo. Assim, por exemplo, a taxa média de vacinação na sociedade contra determinadas doenças afeta a probabilidade de um agente não vacinado contrair a doença.
O consumo de saúde é composto por basicamente três estruturas diferentes: (i) medicamentos, honorários de médicos, dentistas, enfermagem e auxiliares dos serviços médicos e, finalmente, (ii) gastos com hospitalização e (iii) tratamento.
Duas causas podem existir quando pensamos no aumento do consumo em saúde. A primeira delas é o aumento na qualidade dos diagnósticos, onde o uso cada vez mais frequente de exames radiológicos e de análises laboratoriais é responsável pelo aumento dos gastos em saúde. Esses exames tornam cada vez mais altos os preços dos diagnósticos e, consequentemente, o preço de uma diária hospitalar. A segunda causa é a difusão do progresso tecnológico que é o principal elemento do incremento das despesas em saúde, que aumentam à medida que as novas técnicas são incorporadas.
O acesso a determinados serviços médicos em geral, e medicamentos em particular, é considerado em diversos países como um direito de cidadania, resultando na classificação desses bens e serviços como meritórios, isto é, bens e serviços a que todos o cidadão deve ter acesso, sendo responsabilidade da política pública a garantia de acesso universal.
Os gastos em saúde em alguns casos, entretanto, sobretudo medicamentos, são relativamente inelásticos à renda, sendo em grande medida condicionados pelo estado de saúde do paciente. Essa regressividade dos gastos com medicamentos, aliada a natureza meritória, levou diversos países a adotarem políticas públicas visando garantir o acesso a diversos produtos e serviços de saúde, ao menos a população de baixa renda
Os recentes dados das Contas Saúde mostram, de um modo geral, apresentaram um aumento na participação do setor saúde na economia brasileira no período 2010-2017. As despesas com consumo final de bens e serviços como percentual do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, todos os bens e serviços finais produzidos durante o período de um ano no País) cresceu de 8% em 2010 para 9,2% em 2017. Isso, segundo o IBGE, representou um total de R$ 608,3 bilhões. A maior parcela, R$ 354,6 bilhões, equivalente a 5,4% do PIB, foi com despesas com as famílias e instituições sem fins lucrativos a serviço das famílias (como hospitais filantrópicos e santas casas, por exemplo). As despesas de consumo do governo atingiram R$ 253,7 bilhões, ou o equivalente a 3,9% do PIB. Em termos per capita, a despesa com o consumo de bens e serviços de saúde ficou em R$ 1.714,6 para famílias e instituições sem fins lucrativos a serviço das famílias. Para o governo elas se situaram em R$ 1.226,8. Deste modo a despesa per capita foi de R$ 2.940. Comparando estes gastos com outros países, tais como os da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), o Brasil tem nível semelhante ao Chile, Reino Unido e Grécia, mas na despesa do governo também relacionada ao PIB, situou-se um pouco abaixo da média.
A despesa do governo com consumo final com percentual do PIB passou de 3,6% para 3,9% e as despesas com as famílias passou de 4,4% para 5,4%. Em termos de valor adicionado, este percentual passou 6,1% para 7,6%. Este aumento também se refletiu no nível de emprego - a participação das atividades de saúde no total de ocupações passou de 5,3% em 2010 para 7,1% em 2017. No que se refere a participação das atividades de saúde no total das remunerações o aumento foi de 8,3% para 9,6%. Um reflexo desta crescente participação dos postos de trabalho no setor saúde refletem-se nas remunerações. As remunerações no setor saúde ficaram a cima da média da economia. Segundo os dados da Contas Satélite, o rendimento médio anual das atividades de saúde foi de R$ 43,8 mil reais em 2017, enquanto que o de outras atividades não saúde foi de R$ 33,3 mil. Dente destas atividades relacionadas a saúde, destaca-se o rendimento dos trabalhadores ligados a fabricação de produtos farmacêuticos, onde a remuneração atinge R$ 117,5 mil.
Assim, é possível constatar-se que o setor saúde está se tornando cada vez mais relevante como um significativo setor de atividade econômica tanto em termos de sua participação no PIB como fator gerador de renda e emprego. A tendência é que ela, aumente ainda mais.
Mas quais seriam as explicações para este significativo aumento do setor saúde na economia brasileira no período recente? A resposta demandaria estudos e pesquisas mais aprofundados, mas aqui podemos sugerir algumas hipóteses para pesquisas futuras. Em primeiro lugar não parece haver uma explicação única, mas sim um conjunto de fatores que podem estar contribuindo para explicar este aumento da participação do setor saúde na economia brasileira. Entre as possíveis explicações estariam: (i) o crescente grau de judicialização da saúde; (ii) o processo de envelhecimento populacional, que demanda maiores cuidados médicos, farmacêuticos, odontológicos, de fisioterapia, internações mais prolongadas e cuidados de enfermagem; (iii) aumento da complexidade médica e farmacêutica que demanda mais exames clínicos e laboratoriais; (iv) a cronificação de doenças não transmissíveis como diabetes, cardiopatias, reumatismo, etc.; (v) um aumento na universalização do atendimento do SUS e da consolidação de diversos programas de governos como o Aqui tem Farmácia Popular, o Programa de Estratégia Saúde da Família; (vi) acelerado processo de difusão tecnológica que, ao mesmo tempo, traz inovações e melhorias para a saúde implica em maiores custos (daí a importância as análises de custo efetividade, custo benefício e custo utilidade); (vii) os indivíduos e famílias estão demandando serviços de saúde de maior qualidade e mais especializados; (viii) devido a significativa presença do seguro-saúde, podem estar sendo geradas distorções no consumo, levando a um consumo maior do que seria previsto, devido principalmente a problemas de risco moral (moral hazard) , pois dado o reduzido preço pago pelos consumidores e o resultante aumento na quantidade de serviços demandados, o uso pode aumentar para um nível ao qual os custos marginais de prover os bem e serviços de saúde se situam acima dos benefícios marginais obtidos pelos consumidores e pacientes, gerando além de uma sobre utilização dos fatores de produção, uma má alocação dos recursos, fazendo com que os valor atribuído pelos consumidores sobre os serviços seja menor do que os custos de produção de outra unidade de serviço.
Portanto, o estudo da Economia da Saúde, ganha cada vez mais importância e relevância enquanto área especializada da economia. A importância deste setor para o melhor entendimento da economia e da alocação de recursos torna-se relevante, bem como a formação de recursos humanos – especialmente economistas da saúde, mas também outros profissionais tais como, médicos, farmacêuticos, odontólogos, epidemiologistas e estatísticos, entre outros que possuam noções de economia. Além disso, é importante também a maior troca de informações e iterações com profissionais da área médica. Neste sentido, a participação da Universidade se tornará cada vez mais importante, pois esta é uma área onde a interdependência do conhecimento é fundamental a fim de formar recursos humanos aptos a desempenharem diversas funções no setor privado, público e de pesquisa e desenvolvimento.
Prof. de Economia da Saúde (PPGE-UFRGS e pesquisador do IATS/UFRGS)
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