"É preciso não apenas apelar para a Federação Russa, mas também analisar profundamente todo o complexo de razões que causaram a atual crise alimentar e, em primeiro lugar, são as sanções que foram impostas contra a Rússia pelos EUA e pela UE que interferem no livre comércio normal, abrangendo produtos alimentícios, incluindo trigo, fertilizantes e outros", afirmou o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Andrei Rudenko, citado pela agência Interfax.
O Ministério das Relações Exteriores russo disse que só considerará abrir o acesso aos portos ucranianos do Mar Negro se a remoção das sanções contra a Rússia for considerada. "O Kremlin não impôs restrições. Não precisamos rever nada aqui, as restrições impostas pelos Estados Unidos, países europeus e outros devem ser levantadas. São essas restrições que não nos permitem avançar", afirmou o porta-voz do governo russo, Dmitri Peskov na terça-feira (17).
E completou: "De fato, a situação é preocupante. Tudo isso não é culpa nossa, nossos fornecedores estão interessados em manter seus contatos comerciais internacionais, mas, infelizmente, essas sanções foram introduzidas, e estão crescendo em todo o mundo", disse, citado pela Interfax.
O ministro das relações exteriores da Ucrânia, Dmitro Kuleba respondeu às declarações russas. "A Rússia tem total responsabilidade não apenas por matar, torturar e estuprar ucranianos, mas também por pessoas famintas em todo o mundo, inclusive na África", escreveu no Twitter.
As declarações ocorrem em meio a pedidos da ONU para que a Rússia libere os portos do Mar Negro a fim de evitar o colapso na alimentação global. "A guerra na Ucrânia, além de todas as outras crises globais, ameaça dezenas de milhões de pessoas com insegurança alimentar, desnutrição, fome em massa e fome", disse o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, no Twitter.
A Ucrânia é um grande exportador de trigo, alimentando bilhões de pessoas com pão, massas e alimentos embalados. Mas os navios de guerra russos impossibilitaram as exportações pelos portos do Mar Negro, como Odessa, no sul da Ucrânia.
Desde a invasão, a Ucrânia foi forçada a exportar seus grãos por trem ou por meio de seus pequenos portos no rio Danúbio. A interrupção é um fator importante no aumento deste ano nos preços globais do trigo. Em 2020, a Ucrânia foi o quarto e quinto maior exportador mundial de milho e trigo, respectivamente, em valor, de acordo com o Observatory of Economic Complexity, um site de dados. A Rússia foi o maior exportador mundial de trigo e fertilizantes em 2020, mostrou o mesmo banco de dados.
O presidente ucraniano Volodmir Zelensky já havia feito um apelo para que a Rússia liberasse o porto de Odessa para permitir o embarque de trigo. Segundo ele, o porto está sem movimento mercante pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial. Após o alerta de Zelensky, a Rússia conseguiu expandir ainda mais seu domínio pelo sul, ao conquistar também a cidade portuária de Mariupol, com acesso ao mar de Azov.
"A falha em abrir os portos será uma declaração de guerra à segurança alimentar global, resultando em fome, desestabilização de nações e migração em massa por necessidade", disse Beasley. "Se você tem algum coração, por favor, abra esses portos", Beasley implorou diretamente a Putin. Segundo ele, o programa da ONU alimenta cerca de 125 milhões de pessoas e compra 50% de seus grãos da Ucrânia.
Andrei Rudenko, disse que o presidente Vladimir Putin discutiu a questão das exportações de grãos da Ucrânia com Guterres em Moscou no mês passado. "Esperamos que sejam encontradas soluções benéficas para todos", disse ele, segundo a agência de notícias Interfax.
Ucrânia diz que Rússia roubou 400 mil toneladas de grãos
O impacto do conflito no abastecimento de alimentos também foi sentido internamente, já que o controle russo sobre partes do sul e leste da Ucrânia bloqueou o acesso a terras agrícolas e estoques de grãos. Na quarta-feira, um relatório parlamentar ucraniano disse que a Rússia havia roubado 400.000 toneladas de grãos no território que Moscou controla nas regiões de Kherson, Zaporizhzhia, Donetsk e Luhansk e disse que isso poderia levar à fome na região.
"Além disso, as tropas russas destroem elevadores, armazéns, máquinas agrícolas e infraestrutura com seus ataques de mísseis e bombas, interrompendo assim a campanha de semeadura", disse o relatório, escrito por um comitê de desenvolvimento econômico.
Kremlin se prepara para desabastecimento desde 2021
O Kremlin também afirmou nesta quinta que a Rússia vem se preparando desde o final de 2021 para a crise de alimentos que afeta o mundo. "A principal causa da fome no mundo neste ano são as medidas econômicas impensadas dos Estados Unidos e da UE", disse um conselheiro do Kremlin, Maxim Oreshkin, durante um fórum de jovens em Moscou.
Oreshkin destacou, segundo as agências de notícias russas, que o presidente Putin preparou o país para as consequências de uma crise alimentar mundial a partir do final de 2021, ou seja, antes da ofensiva contra a Ucrânia que começou em fevereiro de 2022 e quando o temor de um conflito já provocava o aumento dos preços dos alimentos.
Putin "entendeu que as questões (alimentares) poderiam afetar a Rússia. Por este motivo, começamos desde o fim do ano a preparar a Rússia de maneira ativa para a fome no mundo", acrescentou. Na época, a Rússia já enfrentava a inflação dos preços dos alimentos e adotou restrições ou tarifas sobre as exportações de cereais, óleos e fertilizantes.