Reuniões de cúpula, com as exceções clássicas, são feitas para apresentar correções de rota na relação entre grandes potências. Raramente se espera algo definidor de novas eras. Até pelo formato virtual, uma cortesia da pandemia que agora serve de desculpa para manter a assepsia de um relacionamento mergulhado em tensões, o
encontro entre Xi Jinping e Joe Biden entregou o prometido: nada em especial.
Por outro lado, o encontro marcou uma discreta inflexão no contencioso geopolítico central deste século, muito por obra das peculiaridades da condição de Xi. O líder da ditadura comunista fez movimentos de abertura em direção ao rival na Casa Branca. No dia 11 de novembro, fez ser lida por seu embaixador, em um evento em Washington, uma carta aberta em que explicitava a disposição de mudar o rumo de colisão entre os dois países.
No dia seguinte, China e EUA surpreenderam os presentes em reunião do clima da ONU na Escócia com uma declaração conjunta de cooperação - o ar e as águas do planeta, afinal, são bens comuns, e as duas maiores economias do mundo são as maiores poluidoras também.
O encontro virtual de segunda-feira (15), ou desta terça no horário de Pequim, coroou essa tríade de boa vontade. Não sem antes Xi deixar clara sua posição, sinalizando como um enxadrista ao "velho amigo" Biden os limites de seu sorriso.
Biden e Xi concordaram em começar a considerar discussões "estratégicas" de controle de armas entre as duas potências nucleares, disse um alto funcionário da Casa Branca. De acordo com o Conselheiro de Segurança Nacional norte-americano, Jake Sullivan, "o presidente Biden levantou ao presidente Xi a necessidade de uma série de negociações sobre estabilidade estratégica", um termo diplomático para questões relacionadas a armas.
Além disso,
Pequim passou outubro ameaçando militarmente a ilha de Taiwan - que se vê protegida pelos EUA - com as maiores incursões contra as defesas aéreas de Taipei na história de disputa que remonta à vitória comunista no continente em 1949. Porém, essas incursões são vistas por muitos analista como um blefe, já que a China teria muito mais a perder do que a ganhar numa difícil operação para conquistar Taiwan.
Se foi isso, Biden mordeu a isca. A presidente da ilha confirmou que há anos tropas dos EUA treinam secretamente em seu território, uma forma de tentar dissuadir Xi de avanços mais ousados. O efeito, contudo, foi o de legitimar o discurso chinês de interferência estrangeira.
Isso porque, bem ou mal, os EUA reconhecem diplomaticamente a China desde 1979, e isso inclui aceitar a ideia de que a ilha é parte do império hoje sob Xi. Ele foi claro ao comentar o apoio norte-americano aos pró-independência e o risco de uma declaração do tipo ser emitida. "Tais rumos são extremamente perigosos. É como brincar com fogo, e quem brinca com fogo acaba queimado", disse.
Apesar das inúmeras diferenças, "China e Estados Unidos devem melhorar sua comunicação e cooperação", defendeu, ainda, o presidente chinês.
Biden já havia enfatizado a importância de "salvaguardas" entre Pequim e Washington para evitar um "conflito", "intencional" ou não. Do lado chinês, Xi Jinping disse esperar que os Estados Unidos não embarquem em uma "nova guerra fria".