Para os magistrados, o problema não era a questão da interrupção da vida em si, mas a definição pouco clara sobre os critérios para permitir a eutanásia. Logo após a decisão da corte, em março, os partidos que viabilizaram a aprovação inicial da lei se juntaram para contornar as questões indicadas pela corte.
"O expurgo das inconstitucionalidades decorreu de uma análise cuidadosa e exaustiva do acórdão (do TC), do caminho apontado pelo mesmo em termos de direito comparado. Assim foi possível densificar os conceitos e ir ao encontro dos obstáculos de natureza jurídico-constitucional apontados", afirmou a deputada socialista e jurista Isabel Moreira, uma das principais responsáveis pela redação do texto.
Os parlamentares optaram por uma solução que segue o modelo da
lei da eutanásia aprovada na Espanha, acrescentando, já no começo do texto, uma lista de definições que clarifica conceitos-chave, como "lesão definitiva de gravidade extrema" e "doença grave ou incurável".
As regras e as balizas para a eutanásia são essencialmente as apresentadas na legislação anterior. Ou seja, embora a morte medicamente assistida tenha sido descriminalizada, há regras bastante restritivas para a utilização do mecanismo. Somente pessoas com mais de 18 anos, que precisam ser portugueses ou estrangeiros com residência legal em Portugal, podem recorrer à eutanásia. Da mesma forma, apenas pacientes em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva grave ou doença incurável e fatal podem recorrer ao procedimento, que continua não elegível para quem tem doenças mentais.
Costurado ao longo dos últimos meses, o novo texto teve sua apresentação acelerada após a confirmação da reprovação do Orçamento português para 2022 e a decorrente dissolução da Assembleia da República. A futura composição política do Parlamento após o pleito ainda é incerta.
Em 2018, em uma legislatura com menos deputados de esquerda, um projeto de lei sobre eutanásia fora rejeitado com apenas cinco votos de diferença. Agora, a apresentação e a votação, feita de maneira acelerada, foi criticada por alguns deputados, sobretudo de legendas de direita, que, durante debate na quinta (4), dispararam acusações contra parlamentares de esquerda, favoráveis à aprovação da proposta.
Adão Silva, representante do maior partido da oposição, o PSD (centro-direita), afirmou que o projeto foi apresentado "na 25ª hora, em um momento em que está à vista o fim da atual legislatura". Segundo o deputado, não havia condições de rigor e serenidade para a aprovação da lei. A proposta segue agora para o Palácio de Belém. Para entrar em vigor, precisa ser sancionada pelo presidente da República.
A declaração de inconstitucionalidade da lei anterior aconteceu justamente após o texto chegar às mãos do chefe de Estado. O fato de Marcelo Rebelo de Sousa ser católico praticante levantou dúvidas, desde o começo da discussão, sobre sua disposição para sancionar uma lei que autoriza a interrupção da vida.
Ex-professor de direito constitucional, ele optou pela via jurídica. Em vez do veto político, pediu uma análise da lei ao Tribunal Constitucional. Embora tenha pedido que a corte se pronunciasse apenas sobre o caráter "excessivamente indeterminado" das regras que garantiriam o acesso à eutanásia, o tribunal foi bem além desses pontos em suas considerações.
Mesmo sem terem sido questionados diretamente, os magistrados optaram por abordar a questão fundamental da lei: o direito de pedir a interrupção da própria vida. "O direito à vida não pode se transfigurar num dever de viver em qualquer circunstância", decidiram os juízes, no que foi interpretado como uma abertura a um novo texto sobre a eutanásia.