Após os recentes ataques em Paris e
Nice, o governo francês apresentou nesta quarta-feira (9) um projeto de lei para combater o "islamismo radical", que visa a aumentar o controle sobre os locais de culto e proibir algumas práticas "incompatíveis" com os valores da República francesa, apesar das críticas do mundo muçulmano.
No ataque em Nice, uma brasileira foi morta.
A sua adoção no Conselho de Ministros precede o trâmite no Parlamento e foi feita para coincidir com o 115º aniversário do Lei de 1905 que estabeleceu a liberdade de culto e a separação entre igreja e Estado. "Não é um texto contra religiões ou contra a religião muçulmana em particular. É uma lei de emancipação do fanatismo religioso", disse o primeiro-ministro, Jean Castex, em apresentação em coletiva de imprensa.
Maioria dividida
O Executivo terá de navegar em um contexto político delicado, depois de observar como sua maioria parlamentar se rebelou no início do mês contra a lei de Segurança Global, especialmente contra um artigo que enquadra a divulgação de imagens de policiais em ação, considerado "liberticida".
Além de uma maioria dividida, o governo também terá de lidar com a oposição em pé de guerra antes do debate do projeto de lei previsto na Assembleia Nacional, no início de 2021. Também terá de lidar com os
protestos no exterior, com violentas
manifestações antifrancesas em Bangladesh e no Paquistão, reações de líderes muçulmanos e críticas da imprensa a um texto acusado de lançar uma sentença a todos os muçulmanos.
Os ministros do Interior, Gérald Darmanin, da Educação, Jean-Michel Blanquer, e da Justiça, Éric Dupond-Moretti, por outro lado, afirmaram a importância que o Executivo outorgue o projeto, autorizado pelo presidente Emmanuel Macron em outubro.
Neutralidade religiosa
O texto, composto por cerca de 50 artigos - e que é apresentado como um dos últimos grandes projetos de lei do mandato de Macron -, busca responder a preocupação dos franceses diante da ameaça jihadista.
O projeto também penalizará a emissão de certificados de virgindade, apertará os controles contra casamentos forçados, que, embora já proibidos, afetam atualmente cerca de 200 mil mulheres, de acordo com estimativas de ONGs, e vão retirar a autorização de residência para polígamos.
Da mesma forma, inclui disposições para restringir a educação de crianças em casa, permitir um maior controle sobre o funcionamento e financiamento das associações e locais de culto e combater melhor as mensagens que incitam o ódio e a divulgação de informação pessoal na internet.
Cerco ao discurso de ódio na internet
O professor Paty foi ameaçado online antes de sua decapitação por um suposto islâmico em meados de outubro. Nas mensagens, publicadas por alguns pais, foram mencionados seu nome e o da escola onde trabalhava.
A morte de Paty se soma à longa lista de ataques extremistas na França, incluindo os massacres de 2015 na redação da revista satírica Charlie Hebdo e na sala de apresentações Bataclan, assim como um ataque a uma
igreja em Nice, em outubro, no sul do país.
Aqueles que colocam em risco a integridade física ou mental de alguém pela divulgação pública de seus dados pessoais, profissionais ou familiares, como aconteceu com Paty, receberão até três anos de prisão, ou cinco se a vítima ocupar um cargo ou uma missão de serviço público.
Da mesma forma, os delegados do governo recebem mais autoridade para suspender as decisões dos conselhos municipais quando considerarem que elas infringem as regras do secularismo, como o estabelecimento de horários diferentes para homens e mulheres nas piscinas. "Proteger os valores do Estado é proteger a liberdade. É preciso transformar a palavra em atos", sublinhou o chefe da justiça sobre um texto que tenta não estigmatizar nenhuma religião, mas em que as autoridades deixaram claro que tem como inimigo o islamismo radical.
De acordo com uma pesquisa do instituto demográfico Via Voice encomendado pelo partido do governo em novembro, 88% dos franceses dizem se preocupar com a ascensão do islamismo e 58% consideram-se "muito preocupados".
Entre os detratores da medida está o partido de extrema direita Frente Nacional, liderado por Marine Le Pen. "É um retrocesso do governo contra o islamismo abster-se de citar expressamente aquele mal que rói a sociedade francesa. Condena-se a não o combater de forma eficaz", disse ela em um comunicado. O vice-presidente da legenda, Jordan Bardella, definiu o projeto de lei como insuficiente.