O governo brasileiro precisa atuar de forma a manter as boas relações com os Estados Unidos e com a China, sem escolher um lado na disputa, avalia o americano Thomas Shannon, que foi embaixador no Brasil entre 2010 e 2013. "Obviamente, as duas relações comerciais são importantes. A proeza para a diplomacia brasileira será manter essas duas relações e conseguir obter o máximo de coisas boas para o Brasil, sem gerar revolta ou danos ao relacionamento com nenhum dos lados", disse Shannon, em um debate virtual organizado pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).
Shannon, que se aposentou da carreira de diplomata em 2018 e hoje atua como consultor, disse ainda que o Brasil pode ajudar Estados Unidos e China a se entenderem melhor. "A relação entre EUA e China depende muito de como os outros parceiros se relacionam com os dois países, e nisso o Brasil tem um papel muito importante, em ajudar os EUA a entender a importância da China em uma América do Sul globalizada, e ajudar a China a entender a importância da democracia, do respeito aos direitos humanos e às regras e acordos internacionais", afirmou.
O ex-embaixador destacou que a percepção negativa sobre o país asiático cresceu rapidamente nos últimos anos nos Estados Unidos, e atualmente atinge cerca de 60% da população do país. "Essa visão ruim da China limita o que Joe Biden poderá fazer, caso vença". Ele analisou, também, que
a potência asiática se tornou uma questão importante na campanha do presidente Trump. “Ele deixou muito claro em seu discurso na ONU que os EUA a veem como uma potência que precisa ser ao menos constrangida.”
"E outros nomes do Partido Republicano, que podem ser candidatos à presidência em 2024, como Mike Pompeo, Nikki Haley, Ted Cruz, Tom Cotton, Marco Rubio, também têm fortes plataformas anti-China". Shannon lembrou que Trump iniciou o mandato, em 2017, tentando uma aproximação pessoal com o dirigente chinês Xi Jinping, em um movimento que envolveu as conversas de paz com a Coreia do Norte. Mas não houve avanço, as relações diplomáticas se esgarçaram e as disputas comerciais se tornaram o ponto central.
"Há uma divisão no governo Trump: um grupo vê o comportamento da China como predador e perigoso, mas como algo que pode ser mudado com o tempo. Eles reconhecem a importância econômica das relações entre os dois países e não querem gerar danos à economia chinesa", apontou o ex-embaixador. "Já outros acreditam que se trata de um país implacável e que a única salvação para os EUA é se afastar e arruinar a China, econômica e tecnologicamente, de modo que ela não possa se recuperar rapidamente", prosseguiu.
Apesar da tensão atual, o ex-diplomata avalia que a relação entre as potências não está fadada ao conflito. "Minha visão pessoal é que a ideia de separar (as relações econômicas) é loucura. Somos tão conectados que não pode haver um afastamento. O sucesso econômico dos dois países está interligado". Shannon começou a carreira como diplomata dos EUA nos anos 1980. De 1989 a 1992, serviu pela primeira vez no Brasil. Depois, de 2010 a 2013, foi embaixador dos EUA em Brasília, nomeado por Barack Obama.
A relação entre os dois países teve um crise diplomática naquele período: a revelação de que o governo dos Estados Unidos espionou conversas da então presidente Dilma Rousseff (2011-2016). Em resposta, Dilma adiou uma visita que faria a Washington. Shannon deixou o cargo de embaixador pouco depois da revelação do escândalo. Durante seu mandato, a cooperação com autoridades dos Estados Unidos ajudou a operação Lava Jato a avançar em investigações sobre corrupção envolvendo empresas brasileiras.
Após deixar o cargo no Brasil, Shannon se tornou conselheiro do Departamento de Estado. Ao se aposentar, no começo de 2018, era o número três na hierarquia da instituição, responsável pela diplomacia dos EUA. Atualmente, trabalha como consultor de relações internacionais em um escritório de advocacia.