O cessar-fogo na guerra civil da Síria, pactuado entre
Rússia e Turquia em março, surtiu efeito e reduziu a intensidade das hostilidades e dos ataques, mas crimes de guerra seguem sendo cometidos por todos os lados do conflito, segundo um relatório da Comissão Independente de Inquérito para a Síria, do Conselho de Direitos Humanos da ONU, publicado nesta terça-feira (15).
Segundo o documento, além do cessar-fogo, a pandemia da Covid-19 também contribuiu para a redução das hostilidades, com restrições de circulação e fechamento de fronteiras internas. Apesar disso, surtos de violência e constantes violações de direitos humanos continuam ocorrendo por todo o país.
A Síria vive uma guerra civil desde 2011, na qual grupos rebeldes e o grupo terrorista Estado Islâmico (EI) combatem o governo de Bashar al-Assad, mas também lutam entre si. Diversas potências estrangeiras se envolveram no conflito. A ditadura quase foi derrotada, mas em 2015 Moscou interveio e instalou um destacamento aéreo no país, revertendo a sorte do aliado com o apoio terrestre de forças iranianas e do grupo libanês Hezbollah.
Já a Turquia apoia os rebeldes do Exército Nacional Sírio, o antigo Exército Livre da Síria, contrários a Assad e que se concentram atualmente na província de Idlib. É nessa província que o cessar-fogo acordado com a Rússia tem validade. Números mostram que, de fato, após o acordo, o número de mortos despencou.
O Observatório Sírio de Direitos Humanos, uma ONG britânica que monitora o conflito com base em uma rede de fontes locais, estima que em nove anos de guerra, completados em março deste ano, cerca de 586 mil pessoas morreram, das quais mais de 384 mil foram documentadas pela organização. Entre as quase 600 mil mortes, mais de 200 mil foram de civis.
No entanto, após fevereiro registrar um recorde de mortos em 23 meses, com 1.771, o número vem caindo seguidamente. Em março foram 508 mortes, e nos meses subsequentes o número ficou sempre próximo de 300, até bater 238 em agosto, o menor já registrado desde o início do conflito.
No entanto, violações de direitos humanos e crimes de guerra não são cometidos apenas pelos radicais do EI. Segundo os investigadores, nenhum dos lados do conflito tem "mãos limpas". "Todos os atores controlando territórios continuam sujeitando civis a abusos", dizem em nota.
Em áreas controladas pelo governo, a comissão registrou "52 ataques emblemáticos marcados por crimes de guerra" realizados "por todas as partes", com dezenas de mortes de civis, em especial antes do cessar-fogo. A comissão afirma que, como resultado das ações, quase 1 milhão de pessoas tiveram que fugir, e a maioria continua vivendo em campos de refugiados com condições precárias.
"Cerca de 220 mil retornaram para viver em meio a escombros em áreas que permanecem sob controle do grupo terrorista Hayat Tahrir el Salam", diz o documento, em referência ao grupo radical islâmico ligado à Al-Qaeda e que atua na Síria. O documento também relata uma série de desaparecimentos. Em alguns casos, o sumiço já dura oito anos, "demonstrando a longevidade dessa prática".
O documento é referente ao período de 11 de janeiro a 1º de julho deste ano e foi produzido a partir de 538 entrevistas conduzidas pessoalmente, na Síria e em Genebra, na Suíça. Segundo a comissão, as informações relatadas foram confirmadas a partir de documentos oficiais, registros, fotografias, vídeos e imagens de satélites coletadas de diversas fontes.