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Violência

- Publicada em 29 de Julho de 2019 às 03:00

Ataques com armas brancas explodem na Grã-Bretanha

No dia 21 de julho, um homem na faixa dos 30 anos foi esfaqueado à luz do dia na principal rua de Camden Town, o bairro do norte de Londres que se tornou ponto turístico por ser o QG da cantora Amy Winehouse (1983-2011).
No dia 21 de julho, um homem na faixa dos 30 anos foi esfaqueado à luz do dia na principal rua de Camden Town, o bairro do norte de Londres que se tornou ponto turístico por ser o QG da cantora Amy Winehouse (1983-2011).
No fim da noite do dia 25 de julho, dois jovens também sofreram ataques a faca no noroeste da capital, e um deles não resistiu. Na tarde daquele dia, dois homens tinham usado facões para tentar roubar o carro em que estavam os jogadores Kolasinac e Özil, do Arsenal. Não houve feridos.
Os incidentes, somados às quatro mortes causadas por objetos cortantes registradas em um intervalo de quatro dias de junho, pintam um quadro inquietante - e que abrange toda a Inglaterra e o País de Gales: os delitos que envolvem o uso de arma branca, principalmente faca, crescem acentuadamente desde 2015.
No período de 12 meses encerrado em março daquele ano, o total de ocorrências dessa natureza na região ficou abaixo da marca dos 25 mil. No intervalo correspondente de 2018 e 2019, o índice chegou a 43.516, segundo dados do Escritório para Estatísticas Nacionais.
A alta em relação a 2017/2018 foi de 8%. A conta inclui notificações de ataques a faca que deixam ferimentos, aqueles em que havia intenção de machucar, roubos/assaltos (que representam a maior parte dos casos, 42%), estupros e tentativas de abuso sexual. Já o número de homicídios (que também entram no cômputo geral) recuou 9% em 2018/2019.
Londres concentra um terço de todos os casos, com 169 crimes para cada 100 mil habitantes - pouco mais de 8 milhões de pessoas vivem na capital. Os jornais britânicos que associam o encolhimento da população da cidade (diferença de 103 mil entre partidas e chegadas em 2018) à violência exageram: a motivação mais frequente para deixá-la é o valor impraticável dos aluguéis.
O tema é tão latente que foi abordado pelo novo premiê, Boris Johnson, em seu primeiro discurso na função, na quarta-feira passada. O líder conservador prometeu iniciar o recrutamento de 20 mil policiais "nas próximas semanas".
Cortes de quase 20% no financiamento das forças de segurança desde 2010, nos governos dos correligionários David Cameron (até 2016) e Theresa May (2016-2019), são apontados por alguns especialistas como o gatilho da situação atual.
Um levantamento divulgado em junho pelo jornal The Guardian mostrou que o número de investigadores criminais na Inglaterra e no País de Gales havia caído 28%, na comparação entre 2010-2011 e 2017-2018. Ato contínuo, a taxa de resolução de homicídios recuou mais de 10% no mesmo intervalo.
A austeridade repercutiu também nos batalhões de polícia comunitária, que têm entre seus propósitos criar elos de confiança com os moradores. Os efetivos diminuíram em média um terço e, em várias localidades, dois terços.
 

Pobreza e agressões domésticas impulsionam cenário

Secretária do Interior, Priti Patel, é a responsável pela segurança

Secretária do Interior, Priti Patel, é a responsável pela segurança


TOBY MELVILLE/AFP
Além do orçamento policial mais enxuto, a professora Daniela Nadj, da Escola de Direito Público da Universidade Queen Mary (Londres), diz que pobreza e rotinas de agressões domésticas contribuem para agravar o cenário. "Em um meio em que muitas vezes o pai está ausente e no qual faltam modelos, ter uma faca pode representar algo 'cool', a prova de fogo antes de ser aceito em um grupo", diz.
Para ela, trata-se também de um problema educacional. As escolas britânicas recorrem com frequência à expulsão de alunos, avalia a professora, segundo a qual 50% dos presos no Reino Unido foram em algum momento afastados de uma instituição de ensino.
Os centros da juventude em que estudantes praticavam esportes após o colégio ou recebiam ajuda no dever de casa também entraram na tesoura dos governos conservadores. "Muitos ficaram sem ter aonde ir, daí a atração exercida pela droga e pela possibilidade de pertencimento a uma gangue. Toda a adrenalina e as frustrações que eles canalizavam para atividades físicas nesses locais ficaram retidas."
O resultado disso é que subiu sensivelmente nos últimos anos o número de crianças e adolescentes admitidos em hospitais britânicos com ferimentos a faca. Segundo o Serviço Nacional de Saúde, em 2018, foram 1.012 atendimentos a pacientes entre 10 a 19 anos - um aumento de 54% em relação a 2012.
Nadj se mostra pouco confiante na capacidade da gestão Johnson de atacar as causas desse fenômeno. Ela diz esperar da nova ministra do Interior (responsável pela segurança pública), Priti Patel, um acirramento do perfil "lei e ordem" adotado por seu antecessor no, Sajid Javid.
"Mais policiais, mais repressão e mais prisões, sem dar atenção ao social, não vão deter ninguém", diz. "A questão é como cultivar a confiança das pessoas na polícia, especialmente de jovens negros, muito mais propensos a ter de passar por revistas arbitrárias."