Depois de um enfrentamento de duas semanas com a ala direitista do Congresso, o ex-guerrilheiro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) Jesús Santrich pôde assumir, na manhã de ontem, seu mandato como deputado. A vaga no Parlamento é parte de um dos termos estipulados pelo acordo de paz entre a então guerrilha e o Estado colombiano.
Enquanto a guerrilha prometeu se desarmar e deixar de praticar atos de violência, o Estado garantiu benefícios a seus ex-integrantes, entre eles, o de poderem escolher dez integrantes para o Congresso: cinco para o Senado e cinco para a Câmara de Deputados.
O escândalo Santrich está no centro do debate político e jurídico do país desde que, em 2017, veio à tona a denúncia da agência de drogas dos Estados Unidos de que ele teria ordenado o envio de dez toneladas de cocaína a Miami depois da assinatura do pacto. O caso foi parar na Justiça Especial para a Paz (JEP), tribunal criado a partir do pacto e que vem condenando com penas alternativas vários ex-guerrilheiros. A JEP pode atuar apenas em casos relacionados a delitos cometidos antes do estabelecimento do tratado de paz, e a dúvida era se Santrich teria cometido o crime depois de dezembro de 2016, data do acordo.
A JEP tem grande oposição do Centro Democrático, partido do ex-mandatário colombiano Álvaro Uribe e do atual presidente, Iván Duque. Este realizou uma manobra para retirar poderes do tribunal especial e reverter o entendimento, segundo o acordo de paz, de que alguns dos crimes, como narcotráfico, são anistiáveis. Mas Duque, enfrentando crise de popularidade e falta de apoio do Congresso, viu a tentativa ser derrubada pelo Parlamento.
O tribunal, por sua vez, considerou que não havia evidências suficientes para saber em que data Santrich teria enviado as drogas aos EUA, e pediu sua liberação da prisão, o que foi referendado pela Corte Suprema. Assim, o ex-guerrilheiro passará a integrar a bancada das Farc, agora chamada de partido Força Alternativa Revolucionária do Comum.
Como deputado, Santrich não pode mais ser julgado pela JEP nem pela Justiça comum devido ao foro privilegiado. O episódio envolvendo a liberação do ex-guerrilheiro da prisão foi a justificativa para o então procurador-geral do país, Néstor Humberto Martínez, que já vinha sendo pressionado por ser investigado na Lava Jato da Colômbia, deixar o cargo.
Dessa forma, Duque enfrenta agora duas frentes: primeiro, a do Judiciário, que pede mais harmonia na relação da JEP com a Justiça comum. Parte disso dependerá da escolha do nome para substituir Martínez. Na outra frente, o presidente precisa afinar sua relação com o Congresso, que viu a tentativa de travar a JEP como autoritarismo.