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Saúde

- Publicada em 23 de Outubro de 2021 às 09:10

Número de denúncias de exercício ilegal da Medicina na área estética já ultrapassa total de 2020 no RS

Trindade aconselha que as pessoas pesquisem a capacitação dos profissionais antes de realizar algum procedimento estético

Trindade aconselha que as pessoas pesquisem a capacitação dos profissionais antes de realizar algum procedimento estético


ANDRESSA PUFAL/JC
Ao menos 25 denúncias de exercício ilegal de Medicina envolvendo procedimentos estéticos invasivos realizados por não médicos chegaram até o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) nos últimos 10 meses. O número já supera o total de denúncias recebidas em todo o ano de 2020 (18). As queixas envolvem profissionais da saúde, como dentistas e biomédicos, e profissionais de outras áreas, como estética.
Ao menos 25 denúncias de exercício ilegal de Medicina envolvendo procedimentos estéticos invasivos realizados por não médicos chegaram até o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) nos últimos 10 meses. O número já supera o total de denúncias recebidas em todo o ano de 2020 (18). As queixas envolvem profissionais da saúde, como dentistas e biomédicos, e profissionais de outras áreas, como estética.
As denúncias mais frequentes, nos últimos anos, são relacionadas a aplicações de toxina botulínica, ácido hialurônico, procedimentos com laser, lipoaspiração e rinomodelação. “Para fazer esses procedimentos, o profissional tem que ser formado em Medicina e ter treinamento adequado. Preferencialmente, uma residência médica”, pontua o vice-presidente do Cremers, Eduardo Trindade.
Segundo a Constituição Federal (CF) de 1988, a União é a responsável por legislar sobre o exercício de profissões no Brasil. “A CF delimita que leis ordinárias determinem as competências privativas de cada profissão e o presidente da República sanciona essas leis para dizer o que cada um pode fazer”, explica a advogada especialista em Direito Médico Stephanie Montano.
De acordo com as legislações vigentes, os médicos são os únicos profissionais com competência para realizar esses procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos. O que acontece, porém, é que os conselhos profissionais de outras áreas costumam criar resoluções permitindo a indicação e a execução desses procedimentos.
É o caso dos conselhos federal de Farmácia (CFF), Odontologia (CFO) e Biomedicina (CFBM). Os três emitiram resoluções que permitem a realização de diversos procedimentos estéticos existentes hoje no mercado. Para os cirurgiões-dentistas existe, ainda, a possibilidade de fazer procedimentos como rinoplastia, blefaroplastia, otoplastia e outras cirurgias do tipo.
Stephanie explica que, tecnicamente, os conselhos não poderiam criar atribuições que não estejam previstas na lei. “A CF já diz que quem vai criar essas atribuições vai ser a União, através de uma lei sancionada pelo presidente. Então não teria como termos conselhos atribuindo competências que não estivessem previstas em lei”, complementa. Para ela, essas decisões deveriam ser feitas por um ente isento, e os conselhos não são imparciais ao aumentar ou diminuir suas competências de atuação.
As denúncias sobre exercício ilegal da Medicina recebidas pelo Cremers são encaminhadas para o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) e para a Polícia Civil, entidades com as quais o Conselho mantém parceria institucional, por meio de Termo de Colaboração. O MP-RS afirmou, em nota, que recebeu as denúncias e as encaminhou aos promotores de Justiça em cada cidade responsáveis por investigar supostas ilegalidades. A maioria das acusações, segundo Trindade, estão na Região Metropolitana de Porto Alegre. “Mas também temos denúncias em Santana do Livramento e Caxias do Sul, por exemplo”, afirma.
Nesses casos, o Conselho Federal de Medicina (CFM) tenta, através do Poder Judiciário, anular essas resoluções. “Porque, querendo ou não, esses outros profissionais têm que seguir a resolução do conselho. Então, mesmo entendida como ilegais, o CFM não pode declarar as resoluções como ilegais. Vai ter que procurar o Judiciário, e sabemos que é lento”, comenta a advogada. Sendo assim, esses profissionais, caso investigados, podem se apoiar nas resoluções do conselho, porque elas ainda são válidas.

Riscos à saúde podem incluir queimaduras, cegueira e deformação

Mesmo que esses procedimentos estéticos não necessitem de cortes e perfurações, eles continuam sendo considerados invasivos. Assim, existem riscos para a saúde. “Eles podem causar necrose, morte celular, lesão de nervos e vasos. Os procedimentos com laser podem causar queimaduras de até terceiro grau, cicatrizes irreversíveis, manchas na pele e até cegueira”, afirma o vice-presidente do Cremers.
Ele pontua, ainda, que a radiofrequência, utilizada no combate à flacidez do rosto ou do corpo, devem ter os níveis de energia ajustados. Caso não seja, também pode causar queimaduras, hematomas, deformação, alteração no ritmo cardíaco, choque anafilático e urticárias.
Entre as complicações decorrentes da aplicação de produtos injetáveis, como toxina botulínica e ácido hialurônico, comumente utilizados em procedimentos de rejuvenescimento, estão: assimetria facial, formação de nódulos, necrose e até cegueira após aplicação do implante na testa, no nariz ou ao redor dos olhos, além de choque anafilático e reativação de lesões de herpes.
“Começamos a ver nas emergências dos hospitais complicações bizarras. Já vi até a aplicação de produtos que não devem ser utilizados ou produtos de uso veterinário. Alguns profissionais optam por esses produtos porque dão resultados mais rápidos ou são mais baratos”, conta Trindade.
O Conselho Regional de Medicina (CRO/RS) defendeu, em nota, que os dentistas estão cientes desses riscos. “Uma vez que o cirurgião-dentista estuda minuciosamente a face humana, durante os cinco anos de formação universitária, o mesmo possui formação e conhecimento para atuar nos procedimentos estéticos faciais, nos termos das Resoluções expedidas pelo CFO.”
O Conselho Regional de Biomedicina da 5ª Região (CRBM-5), por sua vez, também entende que os profissionais biomédicos possuem capacitação técnica para desenvolver as técnicas em estética regulamentadas pelo CFBM. “Já que possuem formação técnica obtida mediante graduação de nível superior, em curso com duração média de cinco anos e mediante a realização de extensos estágios práticos, exigidos pelo CFBM para a obtenção da habilitação em Biomedicina Estética”, afirmou em nota.
“Entendemos que qualquer atividade, especialmente da área da saúde, que envolve a vida da população, possui risco inerente. Razão pela qual está regulamentada a atividade no âmbito farmacêutico, e o Conselho Regional de Farmácia (CRF/RS) mantém forte e específica fiscalização na área”, pontuou o Conselho em nota. Os três conselhos consultados pelo Jornal do Comércio dizem fiscalizar essas práticas com cuidado.
Trindade afirma, ainda, haver uma subnotificação no número de denúncias. “Recebemos denúncia de quem teve complicação. Aquela pessoa que esteve na corda bamba e não caiu, acaba não denunciando. Muitas pessoas também não denunciam por medo ou vergonha, então é provável que esse número seja bem maior.”