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Sistema prisional

- Publicada em 17 de Junho de 2019 às 21:59

Como é a prisão gerida pelos próprios presos no Rio Grande do Sul

Ao chegar na casa, recuperandos recebem roupas, cama e uma estante para colocar seus pertences

Ao chegar na casa, recuperandos recebem roupas, cama e uma estante para colocar seus pertences


/CLAITON DORNELLES/JC
Imagine uma penitenciária onde não é necessário o uso de armas ou cassetetes pela segurança, as acomodações estão sempre muito limpas e organizadas, os detentos usam tranquilamente facões na cozinha e têm as chaves de todas as portas, exceto a da rua. Pode parecer impossível, mas não é - há exatos seis meses, o Rio Grande do Sul conta com a sua primeira casa prisional administrada dessa forma, a partir do método da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac).
Imagine uma penitenciária onde não é necessário o uso de armas ou cassetetes pela segurança, as acomodações estão sempre muito limpas e organizadas, os detentos usam tranquilamente facões na cozinha e têm as chaves de todas as portas, exceto a da rua. Pode parecer impossível, mas não é - há exatos seis meses, o Rio Grande do Sul conta com a sua primeira casa prisional administrada dessa forma, a partir do método da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac).
Engana-se quem pensa que a calmaria se deve à escolha de presos de baixa periculosidade para o cumprimento de pena na casa. Lá, há condenados a penas de dez a 120 anos de reclusão, por crimes de todas as espécies. A única filtragem é, mesmo, a força de vontade demonstrada pelo detento, que deve escrever uma carta de próprio punho dizendo por que quer entrar na Apac, ser entrevistado por funcionários e voluntários da casa, e ter sua transferência autorizada por um juiz de uma Vara de Execuções Criminais (VEC). O espaço contempla apenados de toda a Região Metropolitana.
Na Apac Partenon, na Zona Leste de Porto Alegre, não há presos, e sim recuperandos. O foco é todo no processo de ressocialização, que se dá a partir de três pilares: amor fraterno, confiança e disciplina. Ao chegar à penitenciária para cumprir pena, o recuperando é acolhido com um abraço de boas-vindas dos funcionários e dos voluntários, passa por corredores pintados com frases motivacionais e recebe roupas, uma cama e uma estante em um quarto bem pintado e impecavelmente organizado. Depois, passa por três meses de "Escolinha do Método", na qual aprende sobre o funcionamento da casa, se engaja em atividades como limpar, cozinhar, escrever redações, participar de oficinas, clube do livro, terapia e fazer artesanato.
J.K., que cumpria pena no Presídio Central de Porto Alegre, foi um dos precursores desse método na Capital e, hoje, é presidente do Conselho de Sinceridade e Solidariedade (CSS), constituído só pelos apenados, que coordena todo o funcionamento da prisão. O recuperando foi levado para uma Apac em Barracão, no Paraná, durante 40 dias, junto com L.S., para entender a metodologia e implantá-la quando voltasse a Porto Alegre. Os dois foram os primeiros acolhidos na Apac Partenon e ficaram sozinhos no local durante dois meses, período no qual não houve repasse de recursos pelo Estado, atraso ocorrido devido à transição de governos.
Segundo J.K., sair do Central e ir para a Apac Partenon foi uma transformação na vida. "Aqui, recebemos amor, respeito, nos ressocializamos", comenta. A ida para a casa prisional foi ideia de sua esposa, que assistiu a um vídeo sobre o método e pediu que o marido se esforçasse para fazer a mudança. A transferência foi aprovada pelo casal. "Ela sofria muito com os horários de visitação do Central, que eram de manhã. Para conseguir entrar, ela precisava madrugar", recorda. Na Apac, as visitas ocorrem das 13h às 17h e não há espera para entrar, porque o local comporta, atualmente, apenas 29 recuperandos. Também há visitas íntimas diárias, nas quais os cônjuges podem jantar e dormir juntos, das 18h às 7h.
Outra diferença entre o Central e a Apac foi percebida quando a reportagem do Jornal do Comércio esteve no local. Enquanto no presídio os agentes penitenciários mandam os presos permanecerem virados para a parede durante a visita, na Apac, quem guia o passeio são os próprios detentos.

Retomada de vínculo familiar é um dos princípios da metodologia

O ambiente na Apac é de paz, harmonia e, principalmente, alívio por ter saído de casas prisionais nas quais o clima era bem diferente. “No Central, eu vivia preocupado com quem ia me pegar. Aqui, temos atendimento médico, acupuntura, yoga, tudo para manter a mente relaxada”, afirma L.S, que usa a calmaria conquistada há seis meses para escrever um livro sobre sua história.
A publicação, que está sendo orientada por voluntários, já tem até nome: “Por onde meus pés passaram”. “Só sobre estes seis meses, já tenho uns 200 anos de histórias para contar”, revela.
A mudança não foi fácil, mas, conforme L.S., o método Apac o conquistou pelo amor. “Fazia dez anos que eu não via a minha mãe, e eles a trouxeram lá de Pelotas”, desabafa. Preso há nove anos, o recuperando perdeu o contato com a família de origem e reconhece, hoje, como o reencontro foi importante para seu processo de ressocialização.
Há pouco, mediante dinheiro fruto do artesanato que faz na casa, L.S. pôde pagar o bolo e fazer uma festa de aniversário para seu filho, de sete anos, com a temática do Homem-Aranha, ali dentro mesmo. A busca pela retomada de vínculos familiares é um dos princípios que regem a metodologia.
J.O. faz parte de uma das quatro equipes que se revezam nos afazeres da cozinha da Apac. Admite que foi difícil a adaptação, pois na casa não se pode fumar, usar drogas ou beber, mas que valeu a pena. “Mesmo que tenha exigido muitas mudanças, elas foram mais fáceis do que normalmente seriam, porque estamos unidos, aqui, por causa do amor”, analisa. Ele está há três meses sem fumar – desde que passou pela transferência. 
Seu companheiro na cozinha, J.F., fumou e usou drogas durante 33 anos. Há oito meses, resolveu transformar sua vida e parar com tudo, para ter uma chance de ser escolhido e ir para
a Apac. “Rezei para que desse certo. Comecei a incomodar todo mundo, pedir para a minha esposa perguntar se eu seria selecionado, até me chamarem. Desde então, só tive melhorias na vida”, comemora. 
A Apac tem capacidade de comportar até 40 recuperandos, que estão sendo encaminhados gradualmente para a casa. Este modelo prisional custa até três vezes menos do que o tradicional, pois não depende de lotação de agentes penitenciários e conta com muitos profissionais voluntários. 
De acordo com Cícero Soares, encarregado de segurança do local, a expectativa da associação é expandir os trabalhos, abrindo uma unidade para atender presos do regime semiaberto, uma Apac só para mulheres do regime fechado e outra unidade masculina, com capacidade para 50 detentos. Não há, porém, previsão de quando tudo isso se concretizará, apesar de já haver recursos oferecidos por meio de verbas pecuniárias do Judiciário gaúcho.