Uma das áreas mais afetadas pelos anunciados cortes orçamentários do governo federal, a pesquisa científica abrange desde novas tecnologias para aumentar a segurança em barragens até o desenvolvimento de medicamentos para combater epidemias. Este último segmento, o de pesquisa clínica, é responsável pela descoberta de vacinas e tratamentos. Para se obter resultados, são necessários anos de estudo, persistência e, claro, uma verba significativa. Diretora da empresa Invitare Pesquisa Clínica e presidente executiva da Sociedade Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica (SBPPC) - entidade sem fins lucrativos que fundou há 20 anos - a médica veterinária Greyce Lousana falou ao Jornal do Comércio sobre as condições de trabalho dos pesquisadores brasileiros.
Jornal do Comércio - Há incertezas em relação à manutenção de verbas para educação e produção científica. Qual é o impacto desses cortes na área de pesquisa clínica?
Greyce Lousana - A perda de recursos sempre causa impacto. Muitos projetos de ensaios clínicos são patrocinados por Fiocruz, Bio-Manguinhos, Butantã, institutos públicos. Um corte de verba vai prejudicar a condução de pesquisas dessas instituições, mas não só isso: em um país que vive questões complexas em seu contexto social, econômico e tributário, a incerteza pode levar a um menor número de investimentos privados também.
JC - Qual sua avaliação sobre o investimento em pesquisa clínica hoje no Brasil?
Greyce - Em pesquisa clínica especificamente, o investimento é pequeno. Em 2004, o Departamento de Ciência e Tecnologia (do Ministério da Saúde) fez um grande investimento em uma rede nacional de centros de pesquisa clínica. No entanto, se fizermos a comparação com outros países, ainda é incipiente. Você vai hoje para grandes universidades e não vê pesquisa clínica sendo feita por todo mundo, apenas alguns grupos que foram atrás, que batalharam. Há um grande esforço ainda para se fazer pesquisa, e não deveria ser assim. Eu vejo isso até como uma perda de recursos: se as instituições percebessem a importância de se conduzir ensaios clínicos, teriam, sem dúvida, um ganho muito grande.
JC - A senhora fundou a SBPPC em 1999. Nesses 20 anos, o que evoluiu na pesquisa clínica no Brasil? Qual o patamar do País hoje?
Greyce - Quando volto para 1990, quando ainda nem existia a SBPPC, vejo que o salto foi de 1.000%. Você pode comparar o que um pesquisador está fazendo aqui no Brasil, conduzindo um ensaio clínico multicêntrico internacional, com um de fora - nós fazemos tão bem quanto em qualquer lugar. Tenho certeza de que estamos em um patamar muito bom e equivalente ao que existe no resto do mundo.
JC - A senhora preconiza que toda pesquisa deve ser publicada, mesmo que o resultado final não seja bem-sucedido. Por quê?
Greyce - Hoje existem bancos de moléculas, de informações. Às vezes, a ideia é conduzir pesquisa com um produto para uma determinada indicação e, ao longo do trabalho, se descobre que, para aquela indicação, ele não é bom. Isso não quer dizer que a molécula não possa ser boa, só que para outras indicações. Um grande exemplo nesse sentido é o AZT (uma das primeiras drogas aprovadas para o tratamento de infecções pelo vírus HIV, causador da Aids), que, ao ser estudado inicialmente, imaginava-se que poderia ser importante para combater um determinado tipo de tumor. Não foi, mas a molécula continuou existindo, outros estudos foram feitos, e percebeu-se uma característica nela para retrovírus. Acabou sendo eficaz contra o HIV. Isso mostra a importância de você também publicar resultados negativos e seguir com o projeto.