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Saúde

- Publicada em 22 de Maio de 2019 às 22:43

Pesquisas no Hospital de Clínicas serão afetadas por bloqueio do MEC

Estudos realizados por professores e alunos mudam a vida de pacientes

Estudos realizados por professores e alunos mudam a vida de pacientes


MARCO QUINTANA/JC
Eli Ana Stein Reboredo, de 63 anos, enfrenta um melanoma, tipo de câncer que se desenvolve nas células responsáveis pela pigmentação da pele. Porém, desde outubro, quando começou a participar de uma pesquisa sobre um tratamento novo na Unidade de Pesquisa Oncológica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, as manchas e casquinhas diminuíram, e ela se sente muito melhor. "Tenho que agradecer a Deus por ter chegado até aqui", comenta. Esta e outras centenas de pesquisas da instituição, contudo, serão afetadas pelo bloqueio de 30% nos recursos das universidades federais, uma vez que são realizadas por professores e alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).
Eli Ana Stein Reboredo, de 63 anos, enfrenta um melanoma, tipo de câncer que se desenvolve nas células responsáveis pela pigmentação da pele. Porém, desde outubro, quando começou a participar de uma pesquisa sobre um tratamento novo na Unidade de Pesquisa Oncológica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, as manchas e casquinhas diminuíram, e ela se sente muito melhor. "Tenho que agradecer a Deus por ter chegado até aqui", comenta. Esta e outras centenas de pesquisas da instituição, contudo, serão afetadas pelo bloqueio de 30% nos recursos das universidades federais, uma vez que são realizadas por professores e alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).
O anúncio de ontem, da liberação de R$ 1,588 bilhão para o Ministério da Educação (MEC), que fez o orçamento da pasta voltar para a situação de março, não significa que a verba retornará às universidades federais. A decisão de como gastar o dinheiro caberá ao próprio MEC. Isso porque outras áreas, como a Educação Básica, também sofreram cortes no início do ano. Na prática, o contingenciamento (bloqueio) de verbas do ministério voltou para R$ 5,84 bilhões, valor estabelecido em decreto editado em 29 de março.
No início do mês, o governo tinha editado um decreto remanejando cerca de R$ 1,6 bilhão de gastos discricionários (não obrigatórios) de instituições federais de Ensino Superior para outras pastas. A decisão tinha elevado o bloqueio na pasta para R$ 7,43 bilhões.
Celeiro de pesquisas inovadoras na área da saúde, o Hospital de Clínicas inicia em torno de 600 pesquisas a cada ano, chegando a 696 em 2018. Os estudos são diversos - testes com novos medicamentos ainda não disponíveis no mercado, novas formas de diagnóstico e tratamento, novos processos que agilizam o diagnóstico e o tratamento, entre tantos outros, que já salvaram ou mudaram a vida de milhões de brasileiros. Atualmente, são 3.041 participantes de pesquisas clínicas, que recebem remédios e tratamento gratuito.
No caso de Eli Ana, a pesquisa é para verificar a eficácia de um novo tratamento contra o melanoma. Moradora de Pelotas, a dona de casa se desloca até Porto Alegre a cada 15 dias para fazer consultas e exames. Antes de chegar ao Clínicas, passou por diferentes médicos em seu município, e um deles sugeriu que ela se inscrevesse para participar da pesquisa, que se iniciaria em breve. Aprovada, hoje integra os dois braços do programa: toma comprimidos e faz medicação intravenosa.
A pelotense critica quem diz a ela que está sendo "cobaia" da pesquisa e afirma que não sabe onde estaria se não estivesse no programa. "O melanoma estava se espalhando muito rápido e já não era possível fazer cirurgia", lembra. Eli Ana sonha que os testes realizados na pesquisa sirvam para qualificar cada vez mais o tratamento, para que as próximas gerações possam usufruir dos resultados.
Pedro Paulo Araújo de Quadros, de 74 anos, participou durante dois anos de uma pesquisa sobre hipertensão do programa Prever, de nível nacional, realizada pelo Clínicas. Não cansa de dizer que o programa mudou sua vida. "É fantástico. Mandei até uma carta para o Ministério da Saúde parabenizando pelo projeto. Aprendi a comer, a me cuidar, a fazer exercícios físicos e a evitar o sal. Sal, aqui em casa, não entra", ressalta.
Sua relação com o hospital começou em um passeio pelo Mercado Público, onde uma equipe de médicos media a pressão de pessoas com 60 anos ou mais. Na época com 67 anos, Quadros foi diagnosticado com hipertensão e convidado para fazer parte da pesquisa. "Eu não fazia nem ideia de que existia esse problema, porque ele é silencioso e não se manifesta, a não ser em casos fatais", observa.
O idoso elogia o tratamento multidisciplinar oferecido no Clínicas, com profissionais de áreas como geriatria, cardiologia, urologia e nutrição. "Eu não tenho nem ideia de quanto gastaria se não participasse desse programa, porque são muitos exames, testes e profissionais. Eu só não tinha pediatra", brinca.

'Todas as descobertas na medicina passaram por pesquisas'

O impacto imediato do bloqueio é difícil de medir, segundo Patricia Ashton Prolla, pesquisadora e coordenadora do Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do Hospital de Clínicas, mas com certeza existirá. "A maior parte das pesquisas é feita com alunos bolsistas de iniciação científica, mestrado e doutorado, e coordenada por professores da Ufrgs. Se há redução das bolsas, há redução na quantidade de pessoas envolvidas nas pesquisas", explica. A Ufrgs perdeu 62 bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), de pós-graduações de notas inferiores a 6. 
Entre os 696 novos projetos aprovados em 2018, 72,4% envolvem pesquisas com seres humanos, 16,9% com base de dados, 8,4% com animais e 2,3% vinculados ao desenvolvimento. No ano passado, havia 3.041 pessoas participando de projetos de pesquisa clínica. "Todas as descobertas na medicina passaram por uma pesquisa, e não existe mágica: essas pesquisas passam por bolsas de fomento, custeio, disponibilização de recursos", defende Patricia.
A coordenadora tem sentido uma redução gradual dos recursos para pesquisa desde 2017, especialmente em agências públicas. "Mesmo para pesquisadores produtivos, é cada vez mais difícil obter recursos que sustentem atividades de pesquisa. Sentimos o cerco apertar de várias formas, então não é fácil trabalhar em projetos de pesquisa de ponta, que exigem pessoas e insumos", lamenta. O Clínicas possui dois grandes grupos de projeto de pesquisa - um envolve análises de bancada, que demandam bons laboratórios e insumos, e o outro envolve pesquisas clínicas, as quais dependem da compra de medicamentos, pessoas para atender os pacientes e acompanhar o tratamento, bem como exames a serem feitos.
Patricia destaca que a carreira de pesquisador já é muito difícil, porque demanda que o profissional seja criativo e competente tecnicamente e inovador, para vencer editais concorridos. "Quanto menos recursos temos, mais complicado demonstrar tudo isso. Essa situação gera desestímulo e frustração em uma carreira que já exige muita tolerância e perseverança", avalia. A coordenadora revela que viu muitas mentes brilhantes desistirem de serem pesquisadoras e procurarem áreas de atuação mais fáceis e menos desafiadoras.