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Geral

- Publicada em 31 de Outubro de 2018 às 01:00

'Tirar recursos para moradia só gera mais precariedade'

Para Evaniza, retirada da população pobre da agenda do governo trará instabilidade

Para Evaniza, retirada da população pobre da agenda do governo trará instabilidade


MARCO QUINTANA/JC
Suzy Scarton
Ex-chefe de gabinete da Secretaria de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, a assistente social e militante da União Nacional por Moradia Popular Evaniza Rodrigues participou ontem do Seminário Olhares sobre a Cidade, no Memorial Luiz Carlos Prestes, na Capital. Promovido pelo Sindicato dos Arquitetos do Rio Grande do Sul, o evento discutiu aspectos sobre preservação de patrimônio, regulação urbana e rural e ocupação de cidades. Em entrevista ao Jornal do Comércio, Evaniza explica como a falta de moradia digna afeta a dignidade da população.
Ex-chefe de gabinete da Secretaria de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, a assistente social e militante da União Nacional por Moradia Popular Evaniza Rodrigues participou ontem do Seminário Olhares sobre a Cidade, no Memorial Luiz Carlos Prestes, na Capital. Promovido pelo Sindicato dos Arquitetos do Rio Grande do Sul, o evento discutiu aspectos sobre preservação de patrimônio, regulação urbana e rural e ocupação de cidades. Em entrevista ao Jornal do Comércio, Evaniza explica como a falta de moradia digna afeta a dignidade da população.
Jornal do Comércio - A senhora afirmou, em certa ocasião, que "habitação é essencial para garantir direitos básicos". O que quer dizer com isso?
Evaniza Rodrigues - Em são Paulo, foi feito um estudo sobre o aproveitamento escolar de crianças que estudam na mesma escola, mas que moram em lugares diferentes - algumas, em um cortiço, e outras, em apartamentos. Não ter um lugar para sentar e fazer o dever de casa, não ter iluminação adequada, isso prejudica o direito à educação. Na área da saúde, nem se fala. Ainda sofremos de doenças do século retrasado - respiratórias, de pele, infecções intestinais. Outro aspecto é o acesso à cidade. Em uma entrevista de emprego, especialmente para vagas de menor qualificação, a primeira pergunta é onde a pessoa mora. Valorizam quem mora mais perto, pois há menos risco de atrasos, por exemplo. As pessoas perdem oportunidades ao morar mais longe ou morar mal. Também sofrem preconceito ao falar que moram em favelas ou vilas. A localização na cidade diz quais direitos você acessa e quais não acessa. A cidade precisa dar acesso aos demais direitos e a moradia é o lugar onde esses direitos serão exercidos. A perspectiva de vida também se altera - se você não tem certeza de que vai poder permanecer em um local, não faz planos a longo prazo. A moradia é estruturante na organização familiar.
JC - Iniciativas como o Minha Casa Minha Vida ajudaram nesse contexto?
Evaniza - Ajudaram, porque se ofereceu um financiamento para a população de baixa renda, que não tinha condição de acessar um imóvel no mercado. O Minha Casa Minha Vida Entidades, um braço do programa, fez isso incluindo a participação popular. Os conjuntos acabaram sendo de melhor qualidade no sentido construtivo, mas, principalmente, com melhor organização. Além de construir, as comunidades já vão organizando o povo para que cuidem das áreas comuns, para fazer ações de educação com idosos, com crianças, e tornar o lugar melhor.
JC - No caso de imóveis públicos desabitados, a alternativa seria um diálogo com o governo, fazer com que haja uma cessão de posse?
Evaniza - Existem alternativas legais que permitem a concessão de prédios públicos para fins de habitação social. Pode-se fazer uma concessão do direito real de uso e as famílias financiam a reforma do prédio, por exemplo. Há também casos que permitem a troca de um imóvel pelo abatimento de alguma dívida. Existem várias equações possíveis para que esses prédios sejam destinados para habitação. Consideramos que isso é mais barato do que simplesmente comprar um terreno na periferia e construir novas casas. Claro que cada caso tem suas particularidades. Há ocupações em áreas de risco, muito íngremes, ou pela questão de solo, em que não é possível permanecer. Mas, para isso, é preciso alternativa. A alternativa não pode ser "nenhum lugar" porque, para algum lugar, as pessoas irão. Outras áreas podem ser urbanizadas, com drenagem, infraestrutura, uma série de elementos que permitem a permanência no local. Sempre falo isso: às vezes, há um esforço enorme, removem-se as pessoas com o uso de força, o terreno fica vazio e, em pouco tempo, está ocupado de novo. É preciso construir soluções sustentáveis para a cidade.
JC - A eleição de Jair Bolsonaro representa algum risco para as políticas de habitação?
Evaniza - As ocupações não são uma finalidade. São uma ferramenta de luta, como tantas outras. Temos de mostrar que existe uma injustiça nessa questão de não cumprimento da função social de propriedade. Escutamos em diversas falas (de Bolsonaro) essa tentativa de criminalização e de tipificação das ocupações como ação terrorista. Sempre dialogamos com os governos e tememos que isso se interrompa. Seria um retrocesso muito grande. Propomos soluções: só existem imóveis vazios nas cidades porque a função social de propriedade, prevista no Código Civil, na Constituição Federal e em diversos planos diretores, não se cumpre. Por outro lado, a retirada de recursos de habitação para a população de baixa renda, que vem se anunciando, só vai gerar mais precariedade - mais pessoas morando em áreas insalubres, em áreas de risco, em áreas de preservação do meio ambiente, em áreas nas quais o mercado não chega. E isso agrava toda a situação de condições sociais, de saúde, de educação, e de violência. Retirar a população mais pobre da agenda do governo só vai trazer mais instabilidade.
 
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