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Direitos humanos

- Publicada em 07 de Agosto de 2018 às 23:31

Moradores de rua falam sobre desocupação

Divina não tem notícia sobre o destino dos moradores

Divina não tem notícia sobre o destino dos moradores


MARCELO G. RIBEIRO/JC
O Viaduto Otávio Rocha foi esvaziado, com os moradores de rua removidos há uma semana, mas o Centro de Porto Alegre continua cheio deles. Em rápida andança pela região, a reportagem do Jornal do Comércio encontrou pessoas alojadas na Praça da Matriz, na Praça Padre Gregório de Nadal (rua Fernando Machado), embaixo de uma marquise na rua Demétrio Ribeiro e em uma praça na rua Coronel Genuíno, em frente à Cinemateca Capitólio.
O Viaduto Otávio Rocha foi esvaziado, com os moradores de rua removidos há uma semana, mas o Centro de Porto Alegre continua cheio deles. Em rápida andança pela região, a reportagem do Jornal do Comércio encontrou pessoas alojadas na Praça da Matriz, na Praça Padre Gregório de Nadal (rua Fernando Machado), embaixo de uma marquise na rua Demétrio Ribeiro e em uma praça na rua Coronel Genuíno, em frente à Cinemateca Capitólio.
De modo geral, a população de rua não sabe para onde foram aqueles que moravam no viaduto. Entretanto, reconhecem que o espaço era ocupado, principalmente, por traficantes e usuários de drogas, como informou o comandante do 9º Batalhão da Polícia Militar, tenente-coronel Rodrigo Mohr, que liderou a operação de remoção.
Divina, de 48 anos, está há um ano morando nas ruas de Porto Alegre. Recentemente, conseguiu uma barraca de acampamento que protege ela e Dolly, sua cadela, do frio e da chuva. A dupla habita um canteiro da Praça da Matriz. Dos ex-moradores do viaduto Otávio Rocha, não tem notícias. "Ninguém veio para cá. Mas ali não era morador de rua, era só traficante que tem casa", ressalta. Ela própria nunca passou por problemas em relação a abordagens da polícia, o que, na sua opinião, demonstra que as ações são, de fato, direcionadas a quem comete delitos.
Juarez Paim, de 57 anos, discorda de Divina e assegura que havia de 20 a 30 pessoas em situação de rua morando no local que não eram traficantes ou usuárias de drogas. "Não vi nada no dia da remoção, mas tinha gente morando lá, sim", garante. Paim, que descansava na praça Padre Gregório de Nadal, costuma dormir na rua Demétrio Ribeiro, junto a outros moradores de rua. Ele está nessa condição há mais de um ano.
Sentada em cima de papelões na rua Demétrio Ribeiro, enquanto seu companheiro dormia e o cachorro do casal brincava, Taiara dos Santos, de 22 anos, também acha que grande parte dos ex-moradores do viaduto não tinha conexão com entorpecentes. Por outro lado, sabe que o uso de drogas era recorrente no local. "De certa forma, é bom que limpem ali, para que a segurança aumente", observa. A jovem não sabe para onde foram aqueles que ficavam no Otávio Rocha, mas acredita que estejam espalhados pelo Centro.
Alojada em uma praça localizada na rua Coronel Genuíno, em frente à Cinemateca Capitólio, Juliana Roberta Machado dos Santos, de 36 anos, afirma que embaixo do viaduto funcionava uma boca de fumo, e por isso a Brigada Militar agiu sem avisar a prefeitura. "Aqui, não chegaram com agressões, nem nada, porque todo mundo nos conhece e sabe que somos tranquilos. Eu mesma não uso drogas", salienta.
Mais de uma dezena de pessoas moram em barracas montadas naquela praça. O clima, contudo, é, de fato, calmo - enquanto a reportagem estava no local, moradores de prédios do entorno conversavam amistosamente com os moradores da praça. A população de rua mantém o espaço organizado, varrendo o entorno e deixando seus pertences guardados. Policiais militares já avisaram que, em breve, terão que sair de lá, e eles se planejam para deixar seus objetos em casas de amigos e familiares.
 

Prioridade na oferta de moradia é para dependentes químicos

Juliana já esteve em situação de rua algumas vezes desde a infância. Hoje, entretanto, seu drama é maior - mãe de dois filhos, de cinco e oito anos, morava na Restinga com o marido, mas, quando se separou, não teve para onde ir e acabou na rua, deixando as crianças com ele. Ao ouvir que o ex-marido estava bebendo, cheirando loló e pedindo esmola com os filhos, denunciou a situação ao Conselho Tutelar, para que eles fossem morar em um abrigo. "Doeu fazer isso, mas foi necessário", admite.
Há dois meses, não é informada sobre em qual abrigo as crianças estão, apesar de ter ganho na Justiça o direito a visitas. Espera, com o programa Moradia Primeiro, da prefeitura, ter acesso a uma residência para viver com eles. Contudo, está desanimada, pois foi informada por equipes do Ação Rua de que a prioridade está sendo dada a dependentes químicos.
A Secretaria Municipal de Saúde identificou cinco moradores do viaduto Otávio Rocha cadastrados no sistema - um casal e outras três pessoas. Na abordagem da Brigada Militar, nenhum deles estava no local, porque, segundo informaram à pasta, tinham sido coagidos a se retirar pelo grupo de pessoas que estava lá. A prefeitura assegura que sabe onde todos estão, e que o casal será um dos primeiros a ser contemplado pelo Moradia Primeiro.
A prioridade é para mulheres dependentes químicas e, depois, para homens na mesma situação. A perspectiva é que 153 vagas de habitação sejam abertas em 2018, 597 em 2019, e 1.174 em 2020.

Projeto é semelhante ao proposto por secretária exonerada

A ex-secretária municipal de Desenvolvimento Social, Maria de Fátima Záchia Paludo pediu exoneração em outubro do ano passado - ficou dez meses no cargo -, após apresentar um plano para lidar com a grande quantidade de pessoas morando embaixo do viaduto Otávio Rocha. O projeto, porém, foi rejeitado pelo prefeito Nelson Marchezan Júnior.
Na época, Maria de Fátima propôs a retirada gradual da população de rua do local e a ocupação do espaço por eventos com food trucks e feiras diversas. Depois de negar o plano da então secretária, a prefeitura tem realizado a ocupação do viaduto exatamente da maneira sugerida por ela.
Maria de Fátima vê a desocupação da área como necessária, para que o espaço público seja aproveitado por todos pacificamente. Entretanto, não concorda com a forma como o despejo foi feito. "É claro que nem todos eram traficantes e assaltantes, mas é fato que os criminosos usavam inclusive os próprios moradores de rua para se proteger, por isso era preciso limpar o local. Mas onde esses moradores de rua estão agora?", questiona. A ex-secretária estima que de 30 a 40 pessoas em situação de rua habitavam o viaduto e, hoje, se mantêm na rua, em outros lugares. "Não é assim que se resolve."
Para Maria de Fátima, questões como essa precisam ser resolvidas de forma gradual e humanizada, fazendo primeiro um levantamento dos moradores de rua que estão naquele local, aproximando o Estado daquelas pessoas, e definindo quem precisará de abrigo e de leito psiquiátrico. "Muitos têm problemas com drogas ou transtornos mentais, então é preciso avisar antes da remoção equipes da saúde, e não o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), para que não se vincule as pessoas com o lixo", destaca.
Em paralelo, busca-se a ocupação do lugar, para que este não seja tomado novamente pela população de rua. A ex-secretária sugere que as lojas do viaduto abriguem comércio na área de gastronomia e de serviços gerais, como chaveiro e sapateiro, bem como uma base para profissionais de segurança pública.