Há quem enfrente dificuldades em tornar produtos feitos à mão em negócios. São necessárias diversas habilidades para superar isso, como socialização e uso da internet

Arte e empreendedorismo podem andar juntos?


Há quem enfrente dificuldades em tornar produtos feitos à mão em negócios. São necessárias diversas habilidades para superar isso, como socialização e uso da internet

Fica nos fundos de uma casa do bairro Teresópolis, em Porto Alegre, o atelier da jovem Ana Clara Lacerda, 24 anos. Formada em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), ela esgotou as 120 peças de cerâmica de sua última coleção, em dezembro, em poucas horas - com vendas Brasil afora e pedidos do exterior. Embora seja motivo de celebração e de um faturamento que ultrapassou R$ 10 mil, o fato lhe causa frustração, pois não consegue atender toda a demanda que recebe. Ana Clara se descreve como uma pessoa formada em Artes que está tendo de virar empreendedora, o que não é fácil, pois administra tudo sozinha. Essa característica, aliás, é bastante comum para quem atua no setor. 
Fica nos fundos de uma casa do bairro Teresópolis, em Porto Alegre, o atelier da jovem Ana Clara Lacerda, 24 anos. Formada em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), ela esgotou as 120 peças de cerâmica de sua última coleção, em dezembro, em poucas horas - com vendas Brasil afora e pedidos do exterior. Embora seja motivo de celebração e de um faturamento que ultrapassou R$ 10 mil, o fato lhe causa frustração, pois não consegue atender toda a demanda que recebe. Ana Clara se descreve como uma pessoa formada em Artes que está tendo de virar empreendedora, o que não é fácil, pois administra tudo sozinha. Essa característica, aliás, é bastante comum para quem atua no setor. 
"Sinto que ainda tenho muita coisa para fazer. Meu atelier é bem pequeno, não comporta a produção que eu gostaria. Mas também não pretendo me enlouquecer com isso. Quero manter minha saúde mental e fazer meu negócio funcionar, aceitando que será pequeno, pois preciso ter controle de todas as coisas que acontecem", ressalta ela.
Ana Clara acredita que chegar ao nível de haver uma clientela pronta para comprar o que oferece foi resultado de construção e insistência. Ela decidiu fazer elementos em cerâmica e compartilhá-los nas redes sociais há seis anos (@anaclarafl). E as coisas foram evoluindo aos poucos. "É uma questão de ter paciência e persistência. Sempre haverá problemas para enfrentar nesse lugar de estar vendendo e produzindo, mas o importante é que estejamos mudando nossos problemas, resolvendo novas coisas", entende.
Ana Clara salienta que demorou bastante tempo para se dar conta que teria de tratar seu projeto como um negócio de fato. Fazia as peças e não se via como empreendedora, e, sim, como artesã e artista. O desafio maior, agora, é conciliar todos os aspectos: empreendedora, artista, designer e finanças.
Tudo começou a partir de seu envolvimento com argila na faculdade. "Tive inclinação desde pequena a trabalhar com coisas artesanais. Não teve nenhum momento na minha vida que não fazia algo artesanal. Foi natural seguir nisso", interpreta. Enquanto universitária, se aproximou dos utilitários, e é nesse segmento que aposta hoje.
Sua mãe trabalhou com tear até Ana Clara fazer 10 anos, quando parou com o ofício. Na quarentena, a jovem a instigou a retomar a atividade. As duas estão desenvolvendo projetos juntas. "O tapetinho da caneca é ela quem faz. A gente se reconectou muito", avalia.
Ana Clara comercializa por coleções. Antigamente, considera que utilizava um processo demorado e não rentável. "Faço dessa forma pois consigo trabalhar cada uma de um jeito. Da mais simples, com preço mais acessível, à que necessita tempo para que fique bem detalhada, com valor mais alto, sem que seja elitizada." Os preços variam de R$ 60,00 a R$ 300,00.
A artista gosta de relacionar os itens com plantas, por isso as coleções levam nomes de lugares onde se cultivam espécies: Floresta, Jardim e Herbário - essa última será lançada em fevereiro.
"A Floresta tem maior variedade, é mais simples, para uso do dia a dia, como cumbucas, canecas, copos. A Jardim é mais trabalhada, para servir, com bules, xícaras", descreve.
Em 2019, Ana Clara fez um curso para profissionalizar suas redes, o que ajudou muito no momento da pandemia. Antes do surto do coronavírus, ela vendia apenas em feiras. Em 2020, tudo passou para sua loja online (anaclaralacerda.com). Agora, orgulha-se em acompanhar o movimento que surgiu nesse período, de valorização do que é feito à mão.
"Me vejo como parte disso. O que me dá motivação de trabalhar é saber que estimulo o consumo consciente. E vejo que as pessoas não estão só falando da boca para fora, mas realmente buscando outras opções para todas as áreas da vida, dos cosméticos à alimentação", comemora.

Mercado vai da publicidade às paredes da clientela

Dê Carrión, formada em Design e Artes Plásticas, desde pequena gosta de desenhar. E essa paixão virou negócio, principalmente, porque se aproximou da área da Publicidade. "Trabalho com criação há 20 anos. Na escola, sempre estive envolvida com as artes, fazendo cartazes."
Dê trabalha com gestão de imagem, criando marcas, fazendo posicionamento e cuidando de redes sociais de seus clientes. Inclusive, a experiência em agências acaba refletindo nas obras autorais. "Sempre gostei de formas orgânicas. Na agência, comecei a trabalhar bastante com criação, ilustrações, estampas. Foi nessa fusão dos dois cursos, de Design e Artes Plásticas, que começou a surgir a personalidade do meu trabalho", avalia a empreendedora, que teve a "transmutação de mulheres" como tema da sua primeira exposição.
Quando pinta seus quadros, a inspiração vem dos sentimentos. Sua produção, aliás, diferencia-se por essa personalização.
O serviço não tem um valor específico, pois tudo varia conforme o que os clientes querem e de quanto tempo Dê terá que se dedicar ao projeto. "Cada caso é um caso, não existe uma tabela de preços. Eu trabalho com a função do processo criativo, e ele não acontece com um período estipulado, dentro de uma caixinha. Já fiz um paredão que consegui terminar em 20 dias e uma telinha menor que demorei um mês", resume. Parte de suas artes são divulgadas no site decarrion.com.
Dê começou a fazer exposições em 2010, e seus quadros chegaram a vários cantos do mundo. "Fiz minha primeira exposição com 20 quadros na galeria Boho, em Porto Alegre. Depois, fiz uma em Buenos Aires, de pinturas em parede e quadros. Fui, ainda, para Nova York com dois deles. Tenho um na Bélgica e outro na China também. Acabei fazendo uma exposição em São Paulo, como instalação, e foi ali que as coisas começaram a acontecer mais."
Dê pretende voltar a expor esse ano, e o tema será a pandemia. "Quero fazer uma série de quadros sobre o que eu senti. São os meus sentimentos, porém pode ser que isso faça sentido para outras pessoas."

'Nem todo mundo reúne as características e condições para ser empresário'

O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Sandro Ruduit Garcia estuda a área da Sociologia do Trabalho e a economia criativa de Porto Alegre. Nesta conversa, ele fala sobre a relação dos artistas com suas atividades profissionais e da importância de apoio do governo para que o segmento se desenvolva. 
GeraçãoE - Por que muitos artistas têm dificuldade de tornar sua arte em um negócio?
Sadnro Ruduit Garcia - Por um lado, o País atravessa uma degradação econômica impressionante. Há uma persistente estagnação da economia, que é anterior à pandemia. Por outro, tornar arte em negócio e dele obter renda requer um conjunto de habilidades e capacidades pessoais definidas, assim como condições e estímulos do meio econômico e social. Nem todo mundo reúne as características e condições para ser "empresário". A afirmação do empreendimento depende dos prêmios e suportes concedidos pelo meio e da formação de uma biografia, com estoques de certos conhecimentos e com um acúmulo de contatos e vínculos sociais, perfazendo uma experiência social. Veja-se a situação difícil de nossas universidades, um dos pontos de apoio de uma economia criativa. Portanto, um negócio não nasce do estalo de dedos.
GE - A economia criativa tem crescido nos últimos anos?
Sandro - Internacionalmente, muito. É uma área do espaço econômico que cresceu expressivamente em âmbito internacional e que detém enorme potencial. Nossas sociedades e economias atravessam transformações profundas que tendem a nos tornar mais atentos a estetização da vida e a exigir maior criatividade na identificação e na resolução de problemas de toda ordem. A pluralidade de estilos de vida e as possibilidades da digitalização abrem uma ampla variedade de usos econômicos da criatividade humana e da autenticidade artística e cultural. Ao mesmo tempo, esse espaço econômico tem sido internacionalmente levado a sério em face das transformações tecnológicas e produtivas da indústria com graves consequências sobre o emprego. É uma importante alternativa. No Brasil, a situação se tornou diferente. A economia criativa chegou a se expandir de forma animadora ao longo dos 2000 até 2014 ou 2015, em alguns setores. As nossas universidades tiveram contribuição importante, formando pessoal e partilhando infraestruturas. A crise e estagnação econômica deflagradas desde então inverteram as tendências e expectativas. Junto com isso, há um processo de simplificação de nossa economia que se volta para uma estratégia competitiva via redução de custos em lugar da agregação de conhecimentos. Hoje, a economia criativa em seu conjunto encolhe no País. Há exceções neste ou naquele setor, pois economia criativa envolve inúmeras e diferentes atividades. Contudo, todas elas dependem da qualidade de recursos sociais, como escolarização e infraestrutura digital, altamente problemático no País.
GE - O consumidor valoriza esses trabalhos?
Sandro - O consumidor brasileiro é, em geral, menos exigente quando comparado ao consumidor médio de países desenvolvidos. No Brasil, as classes médias são ainda pouco numerosas e estão encolhendo. Isso se traduz não apenas em menor poder aquisitivo mas também em menos atenção às sutilezas da arte. Em Porto Alegre, a situação é um pouco melhor do que o conjunto do Estado ou do País, mas veja a situação precária de diversos de nossos equipamentos culturais. Agora, vamos ter que prestar a atenção na economia criativa para sair do buraco econômico e social. Isso é certo.