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reportagem cultural

- Publicada em 27 de Janeiro de 2022 às 17:49

A prisão do astro francês Charles Trenet na Porto Alegre de 1953

Autor e intérprete de clássicos como La Mer e Douce France, Charles Trenet (1913-2001) foi ícone cultural do século XX

Autor e intérprete de clássicos como La Mer e Douce France, Charles Trenet (1913-2001) foi ícone cultural do século XX


ACERVO MARCELLO CAMPOS/DIVULGAÇÃO/JC
Boum! Assim bateu o coração de muitos porto-alegrenses em maio de 1953, quando se noticiou o iminente desembarque do cantor, compositor e ator francês Charles Trenet (1913-2001). Para quem já o admirava dos filmes de cinema, programas de rádio e discos vendidos na Casa Coates, Importadora Americana, Electro Mercantil e Casa Victor, as apresentações agendadas para o Theatro São Pedro e boate 1001 Noites (1948-1990) representavam uma oportunidade inédita para conferir ao vivo uma das personalidades mais populares do planeta naquele tempo.
Boum! Assim bateu o coração de muitos porto-alegrenses em maio de 1953, quando se noticiou o iminente desembarque do cantor, compositor e ator francês Charles Trenet (1913-2001). Para quem já o admirava dos filmes de cinema, programas de rádio e discos vendidos na Casa Coates, Importadora Americana, Electro Mercantil e Casa Victor, as apresentações agendadas para o Theatro São Pedro e boate 1001 Noites (1948-1990) representavam uma oportunidade inédita para conferir ao vivo uma das personalidades mais populares do planeta naquele tempo.
Em turnê pelas Américas, o autor e intérprete de clássicos da chanson como Boum!, La Mer, Douce France, Que Reste-t-il de Nos Amours e Ménilmontant vinha em turnê desde os Estados Unidos (seu segundo lar de 1946 a 1951), passando por países como México, Cuba, Chile, Uruguai, Argentina e, pela sexta vez em sete anos, os palcos e rádios de São Paulo e Rio de Janeiro. A capital gaúcha havia sido incluída em seu giro graças a mais uma tacada do empresário artístico Olivier Kurt Grave, um austríaco de gravata-borboleta e radicado no Rio Grande do Sul desde 1934.
E foi em clima festivo que, embalado por anúncios e notas na imprensa, um punhado de fãs lotou o ônibus especialmente oferecido pela agência de turismo Exprinter (localizada na Rua da Praia e responsável pela venda dos bilhetes dos recitais) para uma recepção calorosa no aeroporto Salgado Filho, na manhã de 21 de maio. Procedente de Buenos Aires, o avião da companhia Cruzeiro do Sul aterrissou com uma celebridade gente-como-a-gente a esbanjar simpatia, de gravata-borboleta e 40 anos de idade completos três dias antes.
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"Meus caros amigos, o mais grave erro de um artista é acreditar que, por lhe ter confiado a orelha do público certa notoriedade, já esteja definitivamente consagrado pelo pedestal da glória", dirigiu-se aos gaúchos. "Tenho sofrido a dureza dos golpes, como todo mundo, todavia meu dever é traduzir em cançonetas as emoções que sinto sem transformar lágrimas em alfinete de gravata. Quero distrai-los com o esquecimento passageiro dos problemas atuais e estendo a mão com o convite para cantarem comigo. Não como um astro sofisticado, mas alguém que os quer bem como sua própria família."
A curta temporada tinha tudo para dar certo em uma cidade que ainda respirava a francofonia, com aulas do idioma nos bancos escolares, automóveis Citroen nas ruas e perfumes Coty nos cangotes mais exigentes. De fato, na maior parte do tempo tudo saiu conforme o esperado, exceto por um desfecho patético quando le fou chantant ("o cantor louco", como era conhecido por seu jeito irrequieto) saltitou da leveza dos destaques de cultura para a sordidez do noticiário policial, ao ser preso em plena Rua da Praia, em uma chuvosa manhã de domingo.

Cantor causou frisson na cidade

Ao lado de Charles Trenet, Flávio Alcaraz Gomes (1927-2011) repercutiu fato de 1953 na imprensa local

Ao lado de Charles Trenet, Flávio Alcaraz Gomes (1927-2011) repercutiu fato de 1953 na imprensa local


/ACERVO LAURA ALCARAZ GOMES/DIVULGAÇÃO/JC
Antes do vexame, o êxito retumbante. As canções modernamente nostálgicas de Charles Trenet estavam na ponta da língua dos porto-alegrenses, que não demoraram a esgotar os ingressos para poltronas, mesas e camarotes nas duas únicas datas: quinta-feira no Theatro São Pedro e sexta na boate 1001 Noites, respectivamente 21 e 22 de maio, das 20h às 21h30min. No programa, 30 canções e a corrida para os altos do Viaduto da Borges, sob contrato para três transmissões na Rádio Farroupilha, trabalho que acabou esticando sua permanência até domingo.
Então aluno do Colégio Júlio de Castilhos e futuro artista gráfico da Revista do Globo, Joaquim da Fonseca tinha 18 anos - hoje 87 - quando assistiu a uma das performances, acompanhado de uma irmã que estudava francês: "Trenet tinha aquela bela voz e também uma expressividade incrível, com olhos azuis arregalados e um chapéu flexível que retirava da cabeça e delicadamente esmagava durante determinada música, até ficar uma pequena bola de pano retorcido. Aí abria as mãos e, fingindo distração, dizia 'Mon chapeau!' depois do último verso. O pessoal adorou!".
O frisson causado pelos concertos e irradiações empolgou o contratante a marcar um espetáculo-extra para as 10h de domingo, 24 de maio, a preços populares no Cineteatro Imperial (1931-2005), o mais luxuoso de Porto Alegre na época e cujo letreiro destacava outra atração imperdível: o premiadíssimo longa-metragem nacional O Cangaceiro, protagonizado pelo gaúcho Alberto Ruschel (1918-1996). A logística era uma barbada, com o menestrel hospedado no Grande Hotel (atual Shopping Rua da Praia), a apenas 60 passos dali.
Com seu pianista conterrâneo Freddy Leinhart a tiracolo (outros músicos eram eventualmente contratados nas próprias cidades durante as excursões) e um cachê de 40 mil cruzeiros (cerca de R$ 13 mil), a estrela já se preparava no camarim para a matinée de despedida, quando resolveu espiar por uma fresta da cortina sobre o palco. Surpresa! Ocupação inferior a um terço dos 1.632 assentos, enquanto lá fora o bilheteiro dividia o olhar entre a chuva sobre a Praça da Alfândega e os ponteiros do relógio a marcarem poucos minutos para o início do recital.
A campainha da casa soa. O solo inicial do piano é entrecortado por ruídos abafados de entrevero ao fundo. E nada do gaulês. Espectadores se impacientam. Alguns talvez se lembrem de rumores sobre outras presepadas do sujeito - na véspera, ele faltara a um coquetel em sua homenagem na Aliança Francesa. Alguém avisa que Charles Trenet não vai cantar. A partir daí, a narrativa se bifurca. Um ataque repentino de ciática o impede de honrar o compromisso, na alegação do próprio. Para os organizadores, um divo melindrado pela imagem da meia plateia.
Clima tenso, com o pessoal exigindo reembolso, o artista uma ambulância, e o empresário Kurt Grave, um camburão, em meio a um suposto risco de linchamento pelos descontentes. Quando deu por conta, o embaixador da liberdade viu seu camarim invadido por quatro truculentos agentes da Delegacia de Fiscalização de Diversões Públicas, que o levaram pelos pés e mãos até uma viatura - a "normalista" - já de capô aberto na Rua da Praia. Destino dos gritos e esperneios, abaixo de vaias: a Repartição Central de Polícia, na avenida João Pessoa.
O ex-presidente do Clube do Comércio (2010-2012), professor de História e bancário aposentado Alfredo Santos, 88 anos, assistiu o tumulto de camarote aos 19 anos. Não exatamente no cinema, mas de uma janela do duplex alugado pela família no nono andar do prédio que abrigava o Imperial em seu térreo e a seguradora Previdência do Sul nos três pavimentos seguintes - dali para cima era puro luxo: 21 apartamentos residenciais, com direito a dormitórios-extras no último piso para o descanso das empregadas domésticas e terraço com vista total para o Guaíba.
"Vivendo no prédio de 1938 a 1960 com meus pais, quatro irmãos e avó materna desde que viemos de São Borja, deu para ver muita coisa, inclusive a grande enchente de 1941 e o rolo do Trenet", rememora, cantarolando 'Douce France, cher pays de mon enfance'... [Doce França, querido país de minha infância]", sua preferida. "Ainda tive tempo de descer correndo as escadas para ver o cidadão tomar uns encontrões em plena Rua da Praia e ser enfiado em uma caminhonete. Mesmo para um domingo de manhã, o local era movimentado e juntou gente para ver. Foi um escândalo!".
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Naquele concorrido ponto da capital gaúcha, a condução pra lá de coercitiva mobilizou a turma do deixa-disso, encabeçada pelo cônsul francês, enquanto um emburrado e amarrotadíssimo depoente mantinha sua versão: "Tempos atrás, quebrei a terceira vértebra ao cair. Pois hoje voltei a sentir dores, não podendo manter-me de pé!". Tudo depois repercutido por nomes da imprensa como Flávio Alcaraz Gomes (1927-2011), Josué Guimarães (1921-1986) e Cândido Norberto (1926-2009) - que, já também deputado, protestaria na tribuna contra a conduta policial.
Ao menos um dos livros biográficos sobre o astro mencionaria o episódio. Em Le Roman de Charles Trenet ("O Romance de Charles Trenet"), publicado em 2013 pela editora Rocher de Mônaco, o jornalista francês Nelson Monfort dedica longo parágrafo a uma versão "gourmet" da história. Há um erro de apuração: o cantor não foi a julgamento sumário. Em compensação, o trecho dá destaque a um personagem até então ignorado pelos relatos brasileiros da confusão na capital gaúcha: o assessor com especial talento para resolver os pepinos do chefe.
Resumo da ópera: "Ele tem contratos em várias cidades das Américas. É uma turnê cansativa. No México, alguém não gosta da atuação, reclama em voz alta e o artista deixa do palco. No Brasil, enorme sucesso, mas em Porto Alegre, nova tempestade: ele sofre uma ciática e não pode cantar. O diretor da sala o leva de imediato ao tribunal, é preciso reembolsar o estabelecimento. Charles ignora soberbamente esses problemas: Emile Hébey, um de seus dois agentes, vai atrás, trata de multas, acalma confusões. Fiel entre os fiéis, passará 40 anos na missão de aplanar os caminhos pelos quais flana seu patrão".
Sem motivo para engaiolar o canário, o inspetor-chefe o liberou após exame médico - o laudo corroboraria a justificativa do paciente. Na manhã seguinte, o pivô da confusão deu um pulo até a rua Andrade Neves para chapas de raios-X com o doutor Nicolino Rocco. "Sempre respeitei o público, porém, caí nas mãos de selvagens", reclamou em português meio arrevesado, no Rio de Janeiro. "Abrirei processo de 500 mil cruzeiros contra monsieur Kurt Grave, por difamação, e outro de 300 mil contra o chefe da Polícia local, pela violência. A verdade é bem diferente da publicada".
Pelos jornais (também ocupados com pautas como a iminente coroação da rainha Elizabeth II na Inglaterra), o empresário gaúcho também prometia acionar a Justiça: "Essa história não ficará assim, tenho reputação a zelar. Sob minha responsabilidade aqui estiveram famosos nomes, sem fatos dessa natureza". Mas a dianteira da ação coube à produtora carioca Coliseu Espetáculos, comandada pelo norte-americano Victor Sturdivant (1901-1984) e responsável pela gira de Trenet no Brasil. Próximo ato: os fóruns trabalhistas, com pedido de 1 milhão de cruzeiros por quebra de contrato.
Uma liminar decretou em junho o sequestro de bens do cantor, depositados sob fiança em uma filial do Banco Francês-Italiano: anel de ouro com duas pedras de brilhante, câmera filmadora americana Beel & Howell e duas malas de viagem devidamente lacradas. Dali em diante, o vai-e-vem de recursos de ambas as partes arrastaria a causa por mais de dois anos, com vitória do réu no primeiro grau, em agosto de 1954, e os contratantes brasileiros sentenciados a marchar em uma indenização de Cr$ 3 milhões - na prática, 75 vezes o valor acertado pelo concerto final em Porto Alegre.
Com a entrada em cena dos Tribunais Regional e Superior do Trabalho, em dezembro de 1955 os ministros deram razão aos querelantes, em última instância. O parecer era de que os exames realizados em Porto Alegre podiam comprovar lesões vertebrais pré-existentes mas não garantiam que aquilo tivesse sido a razão efetiva para o cancelamento do show. "A dor é fenômeno subjetivo", pontuou o relator. Entretanto, o desfecho financeiro do litígio se esvaneceria com o tempo - é provável que tenha ficado por isso. "Au revoir, mes ami!".
O fato é que o chansonnier nunca mais botou os pés em Porto Alegre, embora mantivesse a abundância de admiradores fiéis a comprarem seus discos e conferirem as incursões o ídolo pelas telas, em longa-metragens como Primavera em Paris, sucesso de público nos cinemas Vitória e Rio Branco em março de 1958. Passada toda a fuzarca, um gaiato sugeriu - quase foi levado a sério - a instalação de placa no saguão de entrada do Imperial, eternizando em bronze o acontecimento dantesco: "Aqui NÃO cantou Charles Trenet em 24 de maio de 1953".

Herói nacional

Cartaz do filme Boum Sur, de 1953, com Charles Trenet

Cartaz do filme Boum Sur, de 1953, com Charles Trenet


ACERVO MARCELLO CAMPOS/DIVULGAÇÃO/JC
Contemporâneo de outros ícones da chanson como Edith Piaf e Maurice Chevalier, o irrequieto Louis Charles Augustin Georges Trenet garantiu assento perpétuo entre as mais influentes personalidades francesas do século XX, como um gênio meio excêntrico e de múltiplos talentos: não bastasse o cantor moderno e autor inspirado de quase 600 composições (incluindo hinos como Douce France), foi também poeta, escritor, ator, artista plástico e quase um diplomata cultural de seu país.
Sua biografia é um carrossel de emoções que começou a girar em 18 de maio de 1913, na cidade de Narbonne, próximo ao Mar Mediterrâneo. Mais velho dos dois filhos de um tabelião aficionado por música e uma dona-de-casa com pendores artísticos, aos 7 anos viu a mãe trocar a família pelo cineasta teuto-francês Benno Vigny. Enviado a um internato aos 11, sofreu muito até voltar para casa tempos depois, convalescente de tifo e já aflorando seu talento em letras, melodias e imagens.
Aos 15, passou a morar na Alemanha com a mãe e o padrasto, que o estimulava a aprimorar seus pendores em uma escola de arte e lhe proporcionava o convívio com celebridades na fervilhante Berlim, antes que a ascensão do nazismo estragasse tudo. De volta à França em 1930, no final da adolescência já cursava em Paris a tradicionalíssima Escola Nacional de Artes Decorativas e, diploma no bolso, trabalhou como assistente e outras funções nos estúdios cinematográficos locais.
Essa proximidade do jet-set se repetiria ao voltar com o casal para a Cidade Luz, em um ambiente que o motivou o rapaz a publicar seus primeiros poemas e livros, além de compor para propagandas e trilhas sonoras. Em 1933-35, lançou 16 faixas em dupla com o pianista suíço Johnny Hess (1915-1983) para o selo Pathé e teve canções gravadas por Jean Sablon e Maurice Chevalier, antes de a carreira solo arrebatar as plateias com um estilo tão elegante quanto coloquial.
Durante a ocupação nazista (1940-1944), Trenet foi alvo de tripla perseguição. Primeiro pela assumida homossexualidade. Depois por insinuações da imprensa colaboracionista de que era judeu (ele precisou provar que não) e composições com ênfase à liberdade, algumas das quais acabaram censuradas pelo pessoal da suástica - o artista chegou a ser agredido em interrogatório por oficiais da polícia hitleriana, o que não impediu Douce France de se tornar um dos símbolos da resistência.
A mudança temporária para os Estados Unidos (1946-1951) serviu de trampolim para frequentes excursões pelas Américas, em uma popularidade global que perduraria mais de uma década, até um escândalo na França: vítima de suposta armação por um ex-secretário que em 1963 o acusou de recrutar rapazes para festinhas íntimas, durante um mês o herói nacional chegou a ficar preso e sentenciado a um ano de cadeia, que não cumpriu devido a uma medida suspensiva.
Com a morte da mãe em 1977, retirou-se de cena por dez anos, dedicados a escrever romances e um livro de memórias. O retorno à ativa seria marcado novos álbuns e concertos, posicionamentos políticos e honrarias oficiais como a medalha da Legião de Honra. Em novembro de 1999, já com dificuldades de locomoção em suas três últimas apresentações (na Salle Pleyel de Paris), foi ovacionado: "Quem veio ao show está dispensado de comparecer ao meu enterro!", brincou.
Em abril de 2000, um derrame sequelou seu lado esquerdo mas não o impediu de prestigiar, meses depois, a inauguração de um pequeno museu em sua homenagem na casa onde nasceu - endereço atual: avenida Charles Trenet nº 13. Até os imortais se vão: na madrugada de 19 de fevereiro do ano seguinte, outro AVC - sofrido dias antes - parou o coração do fou chantant aos 87 anos, durante o sono no hospital de Créteil. Comovidos, compatriotas saíram às ruas para um "Au revoir!".

* Marcello Campos, 49 anos, é formado em Jornalismo, Publicidade & Propaganda (ambas pela Pucs) e Artes Plásticas (Ufrgs). Tem seis livros publicados, incluindo a biografia de Lupicínio Rodrigues e do Conjunto Melódico Norberto Baldauf. Há mais de uma década, dedica-se ao resgate de fatos, lugares e personagens porto-alegrenses.