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reportagem cultural

- Publicada em 13 de Maio de 2021 às 20:12

Aos 80 anos, ator gaúcho Paulo César Pereio não pensa em aposentadoria

Com mais de 70 filmes e dezenas de peças e participações em novelas, artista lendário não quer parar por agora

Com mais de 70 filmes e dezenas de peças e participações em novelas, artista lendário não quer parar por agora


JOBA MIGLIORIN/PRANA FILMES/DIVULGAÇÃO/JC
Aos 80 anos, o ator Paulo César Pereio, nascido em Alegrete - cidade da Fronteira-Oeste do Rio Grande do Sul que deu ao Brasil ilustres personalidades como o técnico de futebol e cronista João Saldanha e o poeta Mario Quintana -, em 19 de outubro de 1940, diz que ainda é muito cedo para se aposentar. Na opinião de Pereio, atores não se aposentam. "Sabe qual é a idade do Rei Lear [tragédia teatral de William Shakespeare, considerada uma de suas obras-primas]? Noventa anos. Ainda sou muito novo para fazer".
Aos 80 anos, o ator Paulo César Pereio, nascido em Alegrete - cidade da Fronteira-Oeste do Rio Grande do Sul que deu ao Brasil ilustres personalidades como o técnico de futebol e cronista João Saldanha e o poeta Mario Quintana -, em 19 de outubro de 1940, diz que ainda é muito cedo para se aposentar. Na opinião de Pereio, atores não se aposentam. "Sabe qual é a idade do Rei Lear [tragédia teatral de William Shakespeare, considerada uma de suas obras-primas]? Noventa anos. Ainda sou muito novo para fazer".
Destilando seu famigerado mau humor diretamente do Retiro dos Artistas ("Não tenho condições de me administrar sozinho", tira onda de si mesmo) - instituição que acolhe artistas no Rio de Janeiro, onde atualmente reside -, Pereio reconhece ter sido um ator "precoce". Seu início foi aos 16 anos, quando entrou para o teatro infantil, em Porto Alegre. São, portanto, 65 anos de carreira.
No tablado, a estreia oficial se deu na peça Esperando Godot, de Samuel Beckett, em 1958. No espetáculo, adaptado pelo escritor e filósofo Luiz Carlos Maciel no Teatro de Equipe, Pereio atuou ao lado de Paulo José, Lineu Dias e Mário de Almeida.
A irmã e atriz Rosa Maria de Campos Velho - a única mulher (juntamente com a filha Lara, do casamento com a atriz Neila Tavares), segundo ela, a qual Pereio "obedece" - conta que, desde criança, eles brincavam de teatrinho em casa. "O Pereio sempre teve vocação: ele nasceu para ser ator", acredita. Rosa diz que, até hoje, os dois têm uma relação de muita proximidade. E que, a despeito da "fama de turrão" do irmão mais novo, com ela, porém, a coisa é diferente. "Comigo, o Pereio é um doce de coco", garante.
O nome artístico "Pereio" (seu nome de batismo é Paulo César de Campos Velho) foi dado por Rosa, que não conseguia pronunciar seu nome corretamente, na tenra infância. O irmão recorda: "Desde que comecei a dar os primeiros passos - e até hoje tenho esse andar um pouco jogado pra frente -, eu parecia um preto velho. Apelidaram-me de 'Nego Véio' por causa disso. Daí a Rosa, que ainda não falava direito, me chamava de 'Vevéio'. Meu pai brincava comigo: Vevéio, Pereio, Peio. Acabei virando Pereio".
Na capital gaúcha, aos 20 anos, integrando o combativo Teatro de Equipe, Pereio engajou-se nas fileiras do Movimento da Legalidade (que, em 1961, mobilizou a população na resistência pela posse do presidente João Goulart), liderado pelo governador Leonel Brizola. O longa homônimo dirigido por Zeca Brito e lançado em 2019 recupera o episódio e conta com participação do ator.
Naqueles tumultuosos dias, também foi um dos comunicadores da Rádio da Legalidade (do slogan "um microfone na mão e uma metralhadora a tiracolo"), cuja mensagem de resistência era irradiada pelas ondas sonoras da Guaíba. Brizola, rememora Pereio, providenciava aos militantes tudo o que precisavam - inclusive revólveres: "Todo mundo chegava no Palácio Piratini e saía de lá com uma arma. Bicho, era a guerra! No final, não aconteceu nada. Não houve nenhum tiro".
O diretor Ruy Guerra deu a ele, logo após ter deixado Porto Alegre, em 1962, seu primeiro papel no cinema, em Os fuzis (1964), no qual fazia um soldado enviado ao Nordeste para impedir que cidadãos pobres saqueassem armazéns por causa da fome. O cineasta adianta que sua próxima produção, que fechará a trilogia d'Os fuzis, novamente contará com o ator no elenco: "Pereio é uma figura que extrapola a condição tanto do ator quanto do personagem. Mas, infelizmente, não fizemos tantos filmes juntos quanto gostaria".
Dentro e fora dos palcos, Pereio viveu (ou melhor, segue vivendo) uma longa estrada consagrada à arte, à boemia e, com destaque especial, às mulheres. Parece inexistir pergunta para a qual ele, sem titubear, não tenha boa resposta. Sobre Glauber Rocha: "Achava a pessoa do Glauber ainda mais interessante que seus próprios filmes". Mulheres: "Tudo o que eu sou devo às mulheres. Se não fosse por elas, eu já estaria morto". Saúde: "É quase morrer e não morrer". Com qual atriz mais gostou de contracenar? "Sonia Braga, sem dúvida". Noite: "Cristo já dizia: 'Deixai vir a mim as criancinhas'. E a noite, pra mim, sempre foi uma criança" - ele não deixa por menos.

Protagonista da cinecafajestagem

Em 2010, Festival de Cinema de Gramado homenageou a trajetória do veterano artista com o Troféu Oscarito

Em 2010, Festival de Cinema de Gramado homenageou a trajetória do veterano artista com o Troféu Oscarito


/GABRIELA DI BELLA/PRESSPHOTO/DIVULGAÇÃO/JC
Paulo César Pereio ganhou notoriedade (páreo duro com Jece Valadão) no cinema com seus papéis de "cafajeste". Participou de mais de 70 longas-metragens de cineastas da estatura de Hugo Carvana, Paulo César Saraceni, Arnaldo Jabor e Hector Babenco, entre muitos outros. Admirador do lendário diretor Sam Peckinpah e de Woody Allen, Pereio atuou em filmes de grande projeção, como Terra em transe (1967), Lúcio Flávio, passageiro da agonia (1977), A dama do lotação (1978) e Eu te amo (1980). Nesse último, atirou-se aos pés de Vera Fischer e viveu cenas ardentes com Sonia Braga, duas musas absolutas do cinema nacional.
Na televisão, emprestou sua inconfundível locução (é uma das vozes favoritas dos publicitários brasileiros) e talento em novelas como Gabriela (1975), Roque santeiro (1985) e O salvador da pátria (1989).
Ele, que jura não dar bola para láureas ("a menos que rendam prêmios em grana", admite com franqueza), em 2003 recebeu o troféu Candango de Melhor Ator, no Festival de Brasília, e o Kikito de Melhor Ator, em 1985, por sua atuação no filme Noite. O Festival de Cinema de Gramado, inclusive, o homenageou com o Troféu Oscarito em 2010.
O ator Stepan Nercessian contracenou com Pereio em Lúcio Flávio e também integrou o elenco da série Magnífica 70 - um dos últimos trabalhos de Pereio, exibido pela HBO, onde viveu o General Souto (seu papel mais recente na televisão foi o rabino Simeão na novela Jesus, da Record). Nercessian o tem carinhosamente como "amigo, irmão e camarada". "O Pereio sempre foi um ídolo e, como se não bastasse, era um homem muito bonito. Ele causava furor por onde passava", atesta.
Pereio, como todos os grandes atores, coteja Nercessian, ao longo de sua trajetória, foi vários: "Tem o Pereio que as pessoas morrem de medo e, por outro lado, tem aquele que elas idolatram. E assim como tem os que odeiam o Pereio também tem os que morrem de amor por ele". E Pereio, ele frisa, é isso tudo mesmo - "e não faz questão de não sê-lo".
Fora isso, o amigo completa, recita poemas como ninguém: "Eu amava ouvir o Pereio recitando. Ele sabia, de cor, uma enormidade de poemas. Os recitava na rua, na praia, por onde a gente andava e para o deleite de quem estivesse por perto".

Do Teatro de Equipe ao Teatro Oficina

Com Paulo José, no lançamento do livro do Teatro de Equipe em Porto Alegre em 2003

Com Paulo José, no lançamento do livro do Teatro de Equipe em Porto Alegre em 2003


/MAURO SCHAEFER/ARQUIVO/JC
O teatro, pelo qual declara incondicional amor, para Pereio (tenaz defensor de ingressos a preços compatíveis com a renda do trabalhador) é a arte mais fiel ao povo. Dezenas foram as peças nas quais atuou, muitas das quais dirigiu.
Nos dias de Teatro de Equipe (também marcou presença no Teatro de Arena e Oficina), trabalhou em espetáculos como O despacho (1961) e O testamento do cangaceiro (1962). Igualmente fez parte, em 1970, da adaptação brasileira de Os rapazes da banda (com tradução de Millôr Fernandes). E, no Teatro de Arena, em São Paulo, figurou em montagens históricas, como Roda viva, nos anos 1960.
Em 1974, Pereio dirigiu e atuou no espetáculo Anti-Nelson Rodrigues, ao lado de sua então esposa Neila Tavares e do ator Carlos Gregório. Na época, o casal compunha a companhia Bléc-Bêrd (grafia distorcida de Black Bird ou "pássaro preto", em inglês). A pedido de Neila, a peça (penúltima do autor de O beijo no asfalto) foi escrita por Rodrigues especialmente para eles. Gregório ficou amigo íntimo de Pereio ao fazerem juntos Os inconfidentes (1972), filme de Joaquim Pedro de Andrade. "Tivemos um entendimento à primeira vista. A gente começou a se conectar intelectualmente muito bem e acabamos 'colando' um no outro. Passei uns três anos de minha vida seguindo o Pereio em tudo quanto é canto", diz Gregório.
O ator enaltece Pereio como uma das pessoas mais cultas e inteligentes que já conheceu ("de tudo que ele [Pereio] fala, você percebe a agudeza da observação dele") e também uma das mais "queridas". "O Pereio se apresenta como um indivíduo bronco, mas, no fundo, é um ser humano profundamente amoroso", desmistifica Gregório. Outra particularidade, assinala, é sua enorme cultura. "Contudo, apesar de toda sua notável ilustração, o Pereio não arrota cultura. Bem pelo contrário. Às vezes, propositadamente, ele faz questão de encarnar o tipo bruto e grosseirão".

No divã com Pereio

Para Suzana Saldanha, parte do elenco de O Analista de Bagé, foi hipnotizante ver Pereio em cena, pilchado

Para Suzana Saldanha, parte do elenco de O Analista de Bagé, foi hipnotizante ver Pereio em cena, pilchado


FREDY VIEIRA/ARQUIVO/JC
Pereio protagonizou e também dirigiu a primeira adaptação teatral do livro de crônicas O Analista de Bagé, personagem de Luis Fernando Verissimo. Em cartaz de 1982 a 1983, a peça passou por mais de 90 cidades brasileiras. Os astros do espetáculo eram Pereio - como o psicanalista gaudério supostamente freudiano de linha ortodoxa - e Cissa Guimarães, sua esposa na época, no papel da assistente Lindaura. O elenco contava, ainda, com atores e atrizes como Pilly Calvin, Eduardo Tornaghi, Careca da Silva e Suzana Saldanha.
De longa atuação no teatro, a atriz e professora Suzana Saldanha considera a experiência de ter visto Pereio em cena, pilchado na pele do Analista de Bagé, algo "hipnotizante". Uma passagem hilária, rememora a atriz, foi a vez em que, completamente anárquico, Pereio reuniu toda a equipe da peça e anunciou - a princípio sério, para que depois todos desabarem em gargalhadas: "Queria fazer essa reunião pra dizer que o espetáculo foi muito planejado. Quero viajar pelo Rio Grande do Sul inteiro e chegar na cidade em que nasci. Por isso, vocês precisam de um chefe. E que, daqui pra frente, vocês são os próprios chefes!".
O jornalista Luiz Antonio Corazza, um dos produtores, em sua passagem pelos três estados do Sul, lembra o enorme sucesso de público que a peça fazia, com ingressos esgotados. Pereio era recebido no Interior como um grande astro, com direito a honrarias e também indecentes propostas.
Conta-se que, numa cidadezinha gaúcha, Pereio teria recebido um agrado de um membro da entourage: um espelho em que se lia seu nome escrito com carreiras de pó. O ator analisou o presente e deu a entender que era pouco: 'Meu nome é Paulo César de Campos Velho!".
O produtor recorda que, nas localidades em que o espetáculo estreava, Pereio era convidado pelos patrocinadores, os quais queriam ter sua inconfundível voz anunciando seus produtos. Em várias dessas ocasiões, Pereio, sem cerimônia, tacava fogo em imensas "bombas" de maconha, na presença de empresários e radialistas da cidade. "Ele não queria nem saber", ri Corazza.
Levando em conta toda mitologia química em torno do irmão, Rosa observa que, atualmente, Pereio tem andado "calmo": "O Pereio largou todas as 'porcarias'. Nem fumar mais ele fuma. Nem casar mais ele quer", brinca.

Vida de casado

Com Pereio, Cissa Guimarães teve dois filhos, Thomaz e João Velho

Com Pereio, Cissa Guimarães teve dois filhos, Thomaz e João Velho


SERGIO ZALIS/GLOBO/DIVULGAÇÃO/JC
Galã-terrible do cinema nacional, Pereio seduziu muitas mulheres e, oficialmente, foi casado três vezes. A mais famosa e tempestuosa união, com Cissa Guimarães, cujo enlace, entre idas e vindas, durou de 1976 a 1990, virou notícia quando o ator foi parar atrás das grades por falta de pagamento de pensão. Ele, contudo, não a culpa: "Acho que ela tinha razão. Não paguei porque não tinha dinheiro, sofri um acidente, na época, e não podia trabalhar". E Cissa não guarda ressentimentos. A atriz, por sinal, é só elogios ao ex-consorte. Pereio, nas suas palavras, é um dos maiores atores do Brasil. Seja no teatro, cinema, rádio ou televisão, Cissa enumera, Pereio é uma "interpretação única". "Ele possui uma inteligência cênica magistral. Além do mais, é um homem de cultura sem igual. Sem falar naquela voz maravilhosa com a qual tive o prazer de conviver durante anos e com quem tenho a honra de ter tido dois filhos, o Thomaz e o João", engrandece.
Pereio é uma pessoa difícil, ressalva Cissa, com temperamentos, mas, artisticamente, um "gênio". Ela declara ter vivido um amor de grande intensidade com o ator, com quem mantém fortes laços de amizade: "Com o Pereio é tudo intenso e comigo também. Juntos, vivemos e fizemos muitas histórias. Ele brinca que a nossa separação não deu certo, pois nos casamos, separamos e voltamos inúmeras vezes".

Autor do Hino da Legalidade

Com o diretor Zeca Brito, para gravar a cena da Rádio da Legalidade em longa de 2019

Com o diretor Zeca Brito, para gravar a cena da Rádio da Legalidade em longa de 2019


JOBA MIGLIORIN/PRANA FILMES/DIVULGAÇÃO/JC
Uma das mais célebres passagens na longeva carreira de Pereio é a criação do Hino da Legalidade, do qual ele é um dos autores. "Brizola nos encomendou um hino para o movimento, por meio do [jornalista] Hamilton Chaves", relembra. "Fizemos a composição em apenas um dia. O ambiente era de guerrilha", acrescenta, aludindo ao sentimento de urgência que se fazia presente naqueles dias.
Em parceria com a poetisa e educadora porto-alegrense Lara de Lemos, autora da letra, Pereio compôs a música do hino, inspirado na Marselhesa (hino da França). Ele, que não tem formação musical, explica o feito: "Sou uma pessoa musical, tanto que, aos sete anos, venci um concurso cantando tango numa rádio".
Pereio diz que, da letra, Brizola pediu apenas para mudar a palavra "gaúchos" por "brasileiros" e "legalidade" por "lealdade". O ator recorda que, para providenciar a gravação, comprou um acetato na antiga loja Mesbla e levou para um estúdio no Largo dos Medeiros, no Centro: "Gravamos em uníssono, comigo regendo". Na histórica gravação também atuou um coral supervisionado pela maestrina e arranjadora Madeleine Ruffier, pioneira do cultivo da música medieval e renascentista no Rio Grande do Sul.
Letra:
"Avante brasileiros de pé
Unidos pela liberdade
Marchemos todos juntos
Com a bandeira que prega a lealdade
Protesta contra o tirano
E recusa a traição
Que um povo só é bem grande
Se for livre sua Nação"
 
 

Imoralidades

Marcos Contreras vive Pereio jovem no Comitê de Artistas Pró-Legalidade

Marcos Contreras vive Pereio jovem no Comitê de Artistas Pró-Legalidade


JOBA MIGLIORIN/PRANA FILMES/DIVULGAÇÃO/JC
No filme Legalidade (2019), dirigido por Zeca Brito, o ator gaúcho Marcos Contreras, que atuou em longas como Cão sem dono (2006) e Cidade dos piratas (2018), vive nas telas o jovem Pereio dos tempos do Comitê de Artistas e Intelectuais Pró-Legalidade. Contreras conheceu Pereio quando trabalhava na preparação de seu personagem.
Ele conta que, ao se deparar com ele pela primeira vez, ocasião em que o levou para almoçar no restaurante Naval, no Mercado Público de Porto Alegre, o ator disparou logo de cara: "Eu era mais novo do que isso naquela época!". A tirada, diz Contreras, serviu para quebrar o gelo. "Falei pra ele: 'Tem gente que faz ficha de personagem, né, Pereio? Eu não: eu almoço com o meu personagem", diverte-se.
Os dois, então, seguiram em direção ao Mercado. No caminho, diz Contreras, Pereio começou a desfiar histórias por ele vividas na cidade nos anos 1960. Dentre as quais, a ocasião em que o encarregaram de administrar o bar que ficava no subsolo do Teatro de Equipe (que funcionava como uma casa de cultura abrigando exposições, apresentações musicais, sessões de cinema e reuniões da comunidade cultural), que se converteu em ponto de encontro da boemia intelectual da cidade e o qual Pereio, literalmente, levou à falência.
Na rua, conta Marcos, Pereio era imediatamente reconhecido pelos transeuntes, embora nem todos lembrassem seu nome. "As pessoas vinham falar com ele: 'Tu não é o?'... E ele: 'Se tu não sabe meu nome não sou eu'. Alguém, reticente, dizia: 'O senhor é o?'... 'Sim, isso mesmo. Satisfação'."
Conforme Contreras, nada supera, porém, o momento em que um conhecido de Pereio chegou para cumprimentá-lo e ele, olhando sério para o sujeito, soltou: "Mas tu não tinha morrido?". E o cara: "Tu não lembra? Almoçamos juntos no Rio não faz muito!". Daí o Pereio ligou pra irmã dele, a Rosa. Queria confirmar se a tal pessoa havia mesmo falecido: 'Rosa, vem cá, o fulano não tinha morrido? Incrível, acabei de encontrá-lo aqui no Centro. Não morreu! Ou sou eu que estou vendo assombração'".

Velho tarado

Disco de 2014 da banda de punk rock gaúcho Os Torto foi batizado com nome do artista

Disco de 2014 da banda de punk rock gaúcho Os Torto foi batizado com nome do artista


GABRIELA DI BELLA/PRESSPHOTO/DIVULGAÇÃO/JC
Em 2014, a banda Os Torto, uma das mais longevas e criativas do punk rock gaúcho, homenageou Pereio num disco que leva seu nome. Pereio (o disco foi eleito pela curadoria que participou do projeto 100 grandes álbuns do rock gaúcho), define o vocalista Guto Herscovitz, marca a passagem de uma banda jovem que pouco se importava com shows, sucesso e saúde - mergulhada numa "insanidade promíscua, indecente" - para algo mais bem pensado e arranjado.
O nome do álbum foi escolhido em meio a um desses momentos de loucura etílica, explica Guto, durante uma entrevista dos integrantes da banda para um blog. Bêbados, os guris d'Os Torto relembraram uma história sobre Pereio que o baterista e produtor Alexandre Birck - sobrinho do ator e um dos fundadores da Graforréia Xilarmônica - havia lhes contado numa das noites que passaram em estúdio.
A história foi narrada por Birck no livro Gauleses Irredutíveis. Ao chegar com duas prostitutas em um táxi, às seis da manhã, o tio não quis pagar a corrida - nem a elas. E, ainda por cima, tirou uma onda do taxista que, ofendido, acertou-lhe um cruzado no meio da cara.
Nisso, em meio à confusão, teria chegado a mãe de Pereio para tentar acalmar os ânimos, enquanto o taxista (assim como as gurias), revoltado, tentava receber o seu dinheiro. Já com as duas dentro de sua casa, após ter acertado com o motorista, a mãe do ator tentou limpar a barra do filho com as garotas, apontando maternalmente para Pereio, cujo rosto sangrava por causa do soco desferido: "Gurias, porque vocês fazem isso? Ele é um senhor bom! Imagina se fosse um velho tarado?".


/Arte/JC
 

* Cristiano Bastos é jornalista e escritor. Autor de livros como Julio Reny – Histórias de amor e morte (Prêmio Açorianos de Melhor Livro 2015), Júpiter Maçã: A efervescente vida e obra, Nelson Gonçalves – O rei da boemia e Nova carne para moer: Seleção de textos sobre cultura pop, grandes reportagens, perfis, entrevistas e artigos. Atualmente trabalha no projeto do livro 100 grandes álbuns do rock gaúcho.