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Direito de Família

- Publicada em 14 de Fevereiro de 2021 às 20:17

Filiação socioafetiva garante direitos a 'filhos de criação'

Vínculo afetivo e não o sanguíneo é levado em conta juridicamente

Vínculo afetivo e não o sanguíneo é levado em conta juridicamente


/MARIO TAMA/AFP/JC
"Coração de mãe sempre cabe mais um" e "pai é quem cria" são ditados populares típicos, mas que, desde 2017, viraram uma realidade jurídica no Brasil. Em 2019 e 2020, os cartórios realizaram 181 reconhecimentos de filiação socioafetiva em todo o País. Ainda que os números não sejam expressivos, especialistas acreditam que já é um grande avanço no caminho para oficializar essas relações.
"Coração de mãe sempre cabe mais um" e "pai é quem cria" são ditados populares típicos, mas que, desde 2017, viraram uma realidade jurídica no Brasil. Em 2019 e 2020, os cartórios realizaram 181 reconhecimentos de filiação socioafetiva em todo o País. Ainda que os números não sejam expressivos, especialistas acreditam que já é um grande avanço no caminho para oficializar essas relações.
A filiação socioafetiva é o reconhecimento jurídico de uma maternidade ou paternidade que usa como critério o vínculo afetivo, não o sanguíneo. Segundo o advogado e presidente da Comissão Especial de Direito da Família e Sucessões (Cedfs) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS), Conrado Paulino da Rosa, esse assunto é debatido desde a década de 1970. "Mas em 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi provocado a dizer o que deveria preponderar na vida de alguém, a verdade do sangue ou a verdade do afeto. Porque, até então, as decisões nos tribunais oscilavam, ora valorizando o biológico, ora o afetivo", afirma.
Em 2017, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou o Provimento nº 63, que permitia o reconhecimento da filiação socioafetiva até de forma extrajudicial. "Depois, em 2019, o CNJ editou o Provimento nº 83, que acabou restringindo um pouco essa possibilidade. No provimento anterior (nº 63), era possível fazer a filiação simplesmente com a declaração dos pais. A partir de 2019, passou-se a exigir alguns requisitos para fazer esse processo de forma extrajudicial", explica o presidente da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Rio Grande do Sul (Arpen-RS), Sidnei Hofer Birmann.
Ao total, foram 112 registros de filiação socioafetiva em 2019 e 69 em 2020. Desses quase 70 casos no ano passado, 22 foram de reconhecimentos que acrescentavam um homem ao registro, fazendo com que a pessoa ficasse com dois pais e uma mãe. Os outros 47 foram de registros com outros genitores, como três mulheres ou duas mulheres e um homem, por exemplo. Os homens ou mulheres adicionados ao registro são aquelas pessoas popularmente conhecidas como "pai/mãe de criação".
Rosa acredita que essa é uma situação muito comum. "Se formos perguntar para as pessoas do nosso convívio, quase todo mundo vai ter um exemplo na própria família de filhos de criação. A questão da filiação socioafetiva é característica da população brasileira, que vive com ditados como 'onde come um, comem dois' ou 'põe mais água no feijão'. É algo frequente e aceito no Brasil", acrescenta.
Segundo levantamento da Arpen, o RS registrou 12 reconhecimentos de filiação socioafetiva nos últimos dois anos, sendo cinco em 2019 e sete em 2020. Para Birmann, os números baixos de registros são explicados pela falta de conhecimento. "É comum quando, por exemplo, os pais se separam e formam outras famílias. É normal que a criança acabe criando um vínculo afetivo com esse padrasto ou madrasta. Isso acontece, mas não é documentado e muitas pessoas nem sabem que é possível", afirma.
Já o presidente da Cedfs acredita que além de não conhecer, algumas pessoas não entendem ou não acham importante reconhecer esse vínculo. "Se alguém tem esse vínculo afetivo com alguém e recebe carinho, cuidado e tem essa rede de proteção, essa pessoa não vê necessidade de alteração registral porque a vida dela já é assim", aponta. Mas Rosa ressalta que a falta desse registro pode trazer problemas no futuro, após a morte dos pais de criação. Segundo o especialista, o filho de criação só terá direito à herança se houver vínculo constituído. Se não, ele terá que lutar judicialmente para que a relação seja reconhecida. "E muitas vezes, esse filho de criação vai contar com o desprezo dos filhos biológicos durante o processo", acrescenta.
E esses casos são muito comuns. "Supondo que o casal teve os filhos A e B, mas criou também a pessoa D. O filho D nunca buscou o vínculo registral, mas passava Natal e Ano Novo com a família, ajudou a cuidar dos pais de criação nas enfermidades e tudo mais. Quando esses pais morrem, os outros, que o D considerava irmãos, dizem que ele não era irmão, era um afilhado ou um empregado. E aí o filho D deve correr atrás para provar o contrário", exemplifica.
Rosa conta que já atuou em processos em que a estratégia de defesa da família é dizer que esses filhos são empregados. "Isso é muito cruel, sendo que tenho fotos de clientes sendo levadas até o altar pelos pais de criação, e ninguém entra na igreja com o patrão."

Requisitos para procedimento extrajudicial

  • A pessoa reconhecida deve ter, no mínimo, 12 anos;
  • Entre 12 e 18 anos, deve haver parecer favorável do Ministério Público;
  • Consentimento do pai e/ou mãe biológicos;
  • Prova de vínculo afetivo.