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- Publicada em 28 de Janeiro de 2021 às 15:05

Taxa de condenação por trabalho escravo no Brasil é de 4,2%, aponta estudo da UFMG

Trabalho sem direitos e em condições degradantes ainda é realidade

Trabalho sem direitos e em condições degradantes ainda é realidade


MP-RJ/Divulgação/JC
O 28 de janeiro foi escolhido no Brasil como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo - uma data para conscientizar sobre as condições análogas à escravidão em que ainda vivem milhares de pessoas no País. A data serve como um alerta à toda a população. O aumento do desemprego e, consequentemente, a queda brusca na renda das famílias favorecem o cenário de exploração, mas não podem servir como justificativa.
O 28 de janeiro foi escolhido no Brasil como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo - uma data para conscientizar sobre as condições análogas à escravidão em que ainda vivem milhares de pessoas no País. A data serve como um alerta à toda a população. O aumento do desemprego e, consequentemente, a queda brusca na renda das famílias favorecem o cenário de exploração, mas não podem servir como justificativa.
Só no Rio Grande do Sul, mais de 320 vítimas foram resgatadas do trabalho escravo entre 2003 e 2018, segundo dados da plataforma SmartLab. Dados da Fundação Walk Free publicados em agosto de 2020 estimam em 40,3 milhões o número de escravos contemporâneos no mundo de hoje. As mulheres são a grande maioria, correspondendo a 71% do total.
Representante da Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul na Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae/RS), Flávia Reis pondera que ações para acabar com esse quadro são fundamentais. "A sociedade brasileira desconhece esse tema e se surpreende ao ouvir falar em escravidão no tempo presente", ressalta a procuradora do Estado e membro do Departamento de Direitos Humanos da Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul (Apergs).
Integrantes do departamento junto à Coetrae/RS vêm acompanhando a criação do grupo de trabalho para o estabelecimento de um fluxo nacional para atendimento às vítimas de trabalho escravo - como já acontece há anos em outros estados. O objetivo é dar suporte desde o momento do recebimento da denúncia até o resgate e o devido encaminhamento para o restabelecimento das mínimas condições de dignidade das vítimas.
Em todo o Brasil, de acordo com os Relatórios Globais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre 1995 e 2018, mais de 53 mil trabalhadores foram resgatados pelo Ministério do Trabalho em situações análogas à escravidão. O pagamento de indenizações nesses casos soma mais de R$ 100 milhões.
O cenário, porém, está longe de ser positivo. Segundo uma pesquisa realizada pela Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas (CTETP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foram realizadas 3.450 operações de fiscalização de trabalho escravo, entre 2008 e 2019 e mais de 20 mil trabalhadores foram resgatados. Entretanto, apenas 112 pessoas foram responsabilizadas penalmente pelo crime, o que corresponde a 4,2% de todos os acusados.
O estudo teve como objetivo realizar um diagnóstico sobre o funcionamento do sistema de justiça brasileiro na repressão ao trabalho análogo à escravidão, com foco na atuação da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho.
A pesquisa, liderada por Carlos Haddad, professor da UFMG e co-fundador do Instituto AJA (Administração Judical Aplicada), analisou 1.464 processos criminais e 432 ações civis públicas, iniciados no País nos últimos 11 anos, e constatou que o número de absolvidos devido à ineficiência probatória chega a 46%.
"É importante lembrarmos neste mês do combate ao trabalho escravo, que há um longo caminho a percorrer para resultados efetivos. A existência de afirmativas como ausência de prova da restrição de liberdade; ausência de prova de dolo; ausência de ofensa à dignidade do trabalhador, dentre outras, ainda protegem a maioria dos incriminados de serem devidamente condenados", afirma Haddad.
Em relação ao tempo das ações penais, o lapso temporal varia de um a oito anos. O motivo identificado pela pesquisa é por algumas terem sido propostas meses após a constatação do trabalho escravo. "O clamor provocado pelas reportagens pode gerar atividade inicial imediata no sentido de fazer cessar a prática ilícita, mas não parece ser elemento propulsor de maior celeridade processual, considerando que, em boa parte dos casos, transcorreram-se anos até que a ação judicial fosse promovida", declara Haddad.
O mais recente caso de trabalho análogo à escravidão no Brasil a ganhar as manchetes dos jornais foi o de Madalena Gordiano. Conforme denúncia do Ministério Público do Trabalho (MPT), a mulher, hoje com 47 anos, vivia desde os 8 anos com uma família de Minas Gerais. Na casa de onde foi resgatada em 27 de novembro, Madalena, que é negra, era explorada como doméstica. Ela nunca teve salário, folga ou férias, de acordo com os procuradores que investigam o caso.
Com fama tradicional, a família Milagres Rigueira não se aproveitou apenas do trabalho de Madalena. Há mais de 20 anos, eles a obrigaram a se casar com um parente idoso, na época com 78 anos. O resultado foi que, viúva, Madalena começou a receber a pensão de militar do "marido". Os mais de R$ 8 mil mensais iam direto paras as mãos dos patrões.
No dia 19 de janeiro ocorreu a primeira audiência extrajudicial do caso. O objetivo é negociar pagamentos salariais e danos morais que Madalena sofreu ao trabalhar 38 anos sem registro em carteira e sem salário.
O caso de Madalena teve uma primeira negociação rápida. Porém, o professor do Instituto AJA, Luís Pedrosa, destaca que a questão de morosidade que atinge todo o judiciário brasileiro atrapalha muito a resolução de casos sobre trabalhos análogos à escravidão, nas diversas varas do País: "a demora em geral é causada pela falta de organização e de método nos processos, a pressão popular acelera o andamento num momento inicial".
Denúncias sobre trabalho escravo podem ser feitas pelo Disque 100, no Ministério Público do Trabalho ou na Delegacia Estadual do Ministério do Trabalho e Previdência Social no Rio Grande do Sul.

Lista suja pode ajudar a impedir que situações se repitam

Uma das ações que pode dar resultados em longo prazo é a identificação dos empregadores que submetem obreiros a condições análogas à de escravo, criada por meio da Portaria MTE 1.234/03, e denominada "Lista Suja". Uma vez incluído na lista suja, o empregador fica impedido de conseguir créditos.
De acordo com a distribuição da inclusão de empregadores na lista suja por estado da federação, 23,3% dos nomes incluídos são do estado do Pará, 11,8% de Minas Gerais e 11,7% do Mato Grosso. Maranhão e Tocantins representam, respectivamente, 7,7 e 7,5% dos empregadores incluídos na lista suja do trabalho escravo contemporâneo.
Sobre as ações na Justiça do Trabalho, "as sentenças podem estabelecer indenização por danos morais individuais ou coletivos. Os pedidos de indenização por dano moral coletivo são muito mais frequentes e foram encontrados em 80,1% das ações civis públicas. Somente 4% das ações não registraram pedido de dano moral coletivo" afirma o co-fundador do Instituto AJA.