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Jornal da Lei

- Publicada em 17 de Agosto de 2020 às 20:45

Delegacia da Mulher registra maior número de ocorrências após criação de canais alternativos de denúncia

Tatiana Bastos diz que novos canais levam terceiros a denunciar mais

Tatiana Bastos diz que novos canais levam terceiros a denunciar mais


/MARCELO G. RIBEIRO/arquivo/JC
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340) completou 14 anos no dia 7 de agosto. Ainda que com poucas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam), o Rio Grande do Sul tem se mostrado forte combatente a agressões relacionadas ao gênero. Em julho, o Estado registrou uma queda de 86% no número de feminicídios em relação ao mesmo período de 2019. Em entrevista ao Jornal da Lei, a delegada Titular da Deam de Porto Alegre, Tatiana Bastos, analisa o cenário e fala sobre os números no Rio Grande do Sul.
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340) completou 14 anos no dia 7 de agosto. Ainda que com poucas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam), o Rio Grande do Sul tem se mostrado forte combatente a agressões relacionadas ao gênero. Em julho, o Estado registrou uma queda de 86% no número de feminicídios em relação ao mesmo período de 2019. Em entrevista ao Jornal da Lei, a delegada Titular da Deam de Porto Alegre, Tatiana Bastos, analisa o cenário e fala sobre os números no Rio Grande do Sul.
Jornal da Lei - Como a senhora avalia esses 14 anos da lei?
Tatiana Bastos - Costumamos dizer que a Lei Maria da Penha é uma lei que pegou e que é de conhecimento de quase 100% da população brasileira. Pesquisas de 2008 já mostravam que a lei tinha uma ampla repercussão e visibilidade. Em 2006, aqui na Deam de Porto Alegre, finalizamos o ano com 6,8 mil ocorrências policiais. Em 2008, que foi o ano em que mais tivemos ocorrências, chegamos a 13,9 mil. Isso mostra um grau de confiança na legislação por parte da população. Nos primeiros 10 anos da lei, também tivemos uma queda de cerca de 10% nos feminicídios. Além da questão da visibilidade e de todos os mecanismos de proteção, hoje também temos modificações nos serviços e nas delegacias. Temos varas, promotorias e núcleos da defensoria pública especializados na proteção da mulher. Tivemos muitos avanços nesses 14 anos.
JL - Esse número de 13,9 mil ocorrências registradas em 2008 continua sendo o mais alto?
Tatiana - Sim, o número já baixou muito. Hoje, temos em média 10 mil aqui em Porto Alegre. Nos últimos três anos, as ocorrências têm caído. O único indicador que oscila um pouco é o feminicídio. Tivemos uma alteração na metodologia de tabulação de feminicídio, então não estamos fazendo esses comparativos. Ainda assim, desde 2012, temos percebido quedas em todos esses indicadores. Em 2018, tivemos uma alta no número de feminicídios, mas foi justamente o ano que trocamos a metodologia. Então, não necessariamente aumentou o dado, só mudou a forma de contagem. Começamos a qualificar e tabular vários fatos como feminicídio que antes não eram enquadrados, seguindo o Protocolo Latino-Americano de Investigação Criminal de Morte Violenta de Mulheres por Razão de Gênero.
JL - O Rio Grande do Sul tem contribuído para essa luta?
Tatiana - Cada vez mais o Estado tem sido pioneiro. Várias normativas nacionais foram inspiradas em textos daqui ou construídas diretamente aqui pela Polícia Civil gaúcha, como é o caso do Protocolo dos Feminicídios e o Manual de Padronização de Atendimento à Mulher. Foram trabalhos aqui no Estado e levados para o Conselho Nacional dos Chefes de Polícia. Hoje eles têm sido cada vez mais uma referência no atendimento à mulher em todo o País.
JL - Os casos de feminicídio no Estado entre janeiro e março tiveram um aumento de 73% em comparação ao mesmo período do ano passado. Já em maio e julho, houve uma diminuição, respectivamente, de 45% e 86%, quando comparados a 2019. O que essa variação pode significar?
Tatiana - Não tínhamos como atribuir esse aumento de feminicídios à pandemia. Baseado no que aconteceu no mundo inteiro, a sensação era de que o aumento da convivência familiar acarretaria no aumento da incidência desses crimes, mas não ocorreu. Primeiro porque os indicadores estão em queda e, somando todos eles, mostram uma diminuição de 17%. Os meses com maior aumento não foram os de pandemia, foram janeiro, fevereiro e março. Os meses de verão geralmente têm mais ocorrências por vários motivos, e isso têm ocorrido todos os anos. Oscila bastante, às vezes dezembro tem muitos casos e, em janeiro, poucos. Essa curva já se equilibrou e agora está em queda.
JL - Quais motivos que fazem os meses de verão terem mais ocorrências?
Tatiana - Normalmente, o verão aumenta o consumo de álcool. Isso é um pano de fundo que acaba acirrando essas violências. Não é um motivador, mas como ele tira o controle, faz com que as violências mais graves aconteçam mais. Os meses de férias também aumentam a convivência familiar. Festas de final de ano também. Por exemplo, o primeiro feminicídio desse ano foi no dia 1 de janeiro. Mas isso não é só do verão. No Dia dos Pais (segundo domingo de agosto), por exemplo, também teve um aumento enorme de ocorrências, porque é um período em que o pai quer ver o filho e a mãe não entrega. Ou o pai pega o filho e não devolve. Então existem esses conflitos. As datas comemorativas aumentam a incidência. O janeiro então não nos chama atenção, percebemos que foi algo bem sazonal, porque em fevereiro já reduziu. Março costuma ter muitos feminicídios todos os anos. É o mês da mulher, nós damos bastante visibilidade e acho que as mulheres denunciam mais, mas acabam sem uma programação e sem um plano de segurança. Falam sobre ir embora e sair de casa, mas nesse momento, se ela não tem o planejamento ou as ocorrências anteriores, acaba estando mais vulnerável. E foi o que aconteceu: nenhuma das mulheres vítimas de feminicídio em março tinham ocorrência policial anterior.
JL - Como está a demanda agora?
Tatiana - Enorme. Só da Delegacia Online (www.delegaciaonline.rs.gov.br) são 120 ocorrências por mês. Criei três cartórios na Deam para trabalhar com cautelares, denúncias que vinham de terceiros e da Delegacia Online. As denúncias podem ser feitas pelos telefones 181 no Estado e 190 em nível nacional e pelo WhatsApp (51) 98444-0606. Aumentaram muito as denúncias anônimas e feitas por terceiros. Não vemos o aumento das denúncias como algo negativo, é mais uma chance que temos de chegar nessas mulheres. Porque a violência está acontecendo. Ela sempre aconteceu. Mas era mais invisível. Então quanto mais aumentar o número de crimes menos graves e diminuição de feminicídios, significa que estamos em um bom caminho. Estamos conseguindo fazer isso e, por causa disso, tivemos números bem menores em julho, com só dois feminicídios.
JL - Qual a possível motivação para o aumento de denúncias feitas por terceiros?
Tatiana - Primeiro, é importante falar que isso é algo positivíssimo. A pessoa que mais tem dificuldade de denunciar é a mulher. Seria muito mais fácil se tivéssemos a colaboração da sociedade, mas ainda temos aquela ideia de que não se mete a colher em briga de marido e mulher. Nesse momento da pandemia, estamos falando mais do que nunca sobre a violência contra a mulher. Pode ser pela visibilidade do tema, mas também criamos canais alternativos que os terceiros ficam mais à vontade para denunciar, como o WhatsApp e o disque 181. É difícil um terceiro vir até a delegacia para denunciar. Ou ele vai ligar para o 190 e não vai ter retorno, ou não vai fazer nada. Esses canais alternativos praticamente triplicaram a adesão por terceiros. É uma rede de solidariedade. Além disso, como com a pandemia os terceiros acabam tendo uma convivência maior, têm presenciado mais essas violências.Antes, essas pessoas trabalhavam o dia inteiro. Quase 80% das mulheres vítimas de violência vivem em comunidade (condomínios ou residências que são muito próximas das casas dos vizinhos), então esses terceiros estão ouvindo mais gritos e barulhos de objetos quebrando. Esse é mais um motivo, porque essa violência acaba, de alguma maneira, incomodando a comunidade. Às vezes, esses terceiros não denunciam por querer ajudar a mulher, mas sim porque está atrapalhando a rotina deles. Seja qual for a motivação, o importante é que essas denúncias cheguem. Estamos conseguindo trabalhar com elas em, no máximo, 48h.
JL - A subnotificação já é um problema antigo. Como vocês a têm percebido agora na pandemia?
Tatiana - Esse é um dos maiores problemas da violência doméstica. Independentemente da pandemia, estimamos que 90% das mulheres que sofrem violência não denunciam. Essa estimativa é de um estudo de 2018 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Não é recente, mas já mostra como a subnotificação é enorme. A tendência é que agora na pandemia o índice de subnotificação seja ainda maior. O nosso trabalho é justamente esse. Tem subnotificação, mas estamos cuidando os indicadores. Março teve uma queda de 20% nos indicadores, agora já está em 9%. Ainda que esteja em queda, estamos recuperando a rotina. Teve muita subnotificação nos primeiros meses, mas quando a gente começou a difundir os canais de denúncia, as denúncias começaram a bombar. Notamos que as pessoas estão começando a acessar esses outros canais e, assim, reduzindo um pouco a subnotificação.
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