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Liberdade de Imprensa

- Publicada em 04 de Fevereiro de 2020 às 03:00

Caso Glenn levanta o debate sobre sigilo da fonte

Para o MPF, jornalista fundador do The Intercept Brasil, Glenn Greenwald, teve participação ativa no crime

Para o MPF, jornalista fundador do The Intercept Brasil, Glenn Greenwald, teve participação ativa no crime


/GUSTAVO BEZERRA/DIVULGAÇÃO/JC
No ano passado, o site de notícias The Intercept Brasil (TIB) ganhou notoriedade após divulgar reportagens feitas com base em conversas privadas entre algumas autoridades federais envolvidas na maior operação anticorrupção do País, a Lava Jato. As mensagens trocadas no aplicativo Telegram entre o ex-juiz e atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, o promotor Deltan Dallagnol e outros integrantes da operação foram hackeadas por um grupo de seis hackers e entregues anonimamente para o jornalista fundador do TIB, Glenn Greenwald. Há algumas semanas, porém, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou Glenn e os seis hackers pela invasão dos celulares e pelo roubo das informações.
No ano passado, o site de notícias The Intercept Brasil (TIB) ganhou notoriedade após divulgar reportagens feitas com base em conversas privadas entre algumas autoridades federais envolvidas na maior operação anticorrupção do País, a Lava Jato. As mensagens trocadas no aplicativo Telegram entre o ex-juiz e atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, o promotor Deltan Dallagnol e outros integrantes da operação foram hackeadas por um grupo de seis hackers e entregues anonimamente para o jornalista fundador do TIB, Glenn Greenwald. Há algumas semanas, porém, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou Glenn e os seis hackers pela invasão dos celulares e pelo roubo das informações.
Segundo a denúncia, Glenn teve participação ativa no crime. A acusação provocou intensos debates. De um lado, aqueles que acreditam que a denúncia é válida ou, ainda, que Glenn é culpado. Do outro, pessoas que identificam indícios de inconstitucionalidade, lawfare e de abuso de autoridade.
A Vaza Jato, como a série de reportagens ficou conhecida, foi responsável por denunciar ilegalidades dentro da Operação Lava Jato, gerando um grande escândalo. A primeira reportagem foi publicada no início de junho de 2019 e a última está perto de acontecer, segundo anúncio de Glenn em entrevista ao canal MyNews. Ao total, o TIB, a Folha de S.Paulo, o UOL, o El País e outros jornais e sites de notícias parceiros já veicularam 95 reportagens sobre o assunto.
Dois meses depois do início das publicações, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes concedeu uma liminar para impedir que Glenn fosse investigado ou responsabilizado por receber, ter ou publicar as informações e os diálogos hackeados. Para algumas opiniões, o fato de a liminar ter sido atropelada já é motivo o suficiente para considerar a denúncia inepta. "A denúncia não tem fundamento. É frágil. E descumpre uma decisão do STF", defende o jurista Lenio Streck. Segundo ele, esse proceder pode custar caro ao procurador. Já para a advogada criminalista e especialista em crimes eletrônicos Carla Rahal Benedetti, a denúncia não passa por cima de decisão nenhuma. "O MP não precisa de um inquérito policial para poder denunciar."
De acordo com a advogada e integrante da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) Tânia Oliveira, a denúncia é completamente infundada. "O que Glenn fez foi receber e divulgar esse material. A possibilidade de crime por parte do jornalista foi descartada pela Polícia Federal e pela decisão de Mendes", justifica.
Além da invasão dos celulares, a denúncia também responsabiliza Glenn e os seis hackers por fraudes bancárias. Ainda, os hackers foram denunciados por lavagem de dinheiro. Na denúncia, assinada pelo procurador da República Wellington Divino Marques de Oliveira, consta que o jornalista, "de forma livre, consciente e voluntária, auxiliou, incentivou e orientou, de maneira direta, o grupo criminoso, durante a prática delitiva, agindo como garantidor do grupo, obtendo vantagem financeira com a conduta aqui descrita".
Estão arquivadas na denúncia diversas conversas entre Glenn e um dos hackers, Luiz Henrique Molição. Em uma delas, Molição pergunta ao jornalista o que fazer com os arquivos. Glenn responde que não pode aconselhá-lo e que essa é uma decisão exclusivamente deles, mas explica que não há necessidade de os hackers manterem as informações interceptadas salvas. Para o procurador, essa é uma prova de que Glenn teve participação no crime. Já para Streck, os argumentos da denúncia não se sustentam.
Carla, por sua vez, argumenta que é nítido que o jornalista sabe que não pode sugerir nada para Molição e que há incoerência quando afirma não poder aconselhar o hacker, após o dizer exatamente o que fazer. "Ele sabia que havia chances de ultrapassar a linha entre ser um jornalista apenas recebendo informações da fonte e colaborar para o roubo dessas informações." Para ela, fica claro que Glenn sabia que não poderia induzir qualquer prática enquanto jornalista e, por isso, foi cuidadoso na escolha de palavras.

Discussão inclui liminar de Gilmar Mendes e representação por desvio de conduta

Wellington Divino Marques de Oliveira é o nome do outro tópico da discussão acerca do caso Glenn Greenwald. O promotor também é responsável por denunciar o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, por calúnia contra o ministro Sérgio Moro em dezembro do ano passado.
Para algumas fontes de pensamento, esses fatos provam que o procurador costuma fazer acusações persecutórias. "É um procurador com histórico de fazer denúncias com viés político. Que sempre faz denúncias contra quem atinge determinadas pessoas do cenário político", argumenta Tânia.
A ABJD protocolou representação na Procuradoria-Geral da República contra o procurador por acusar Glenn, alegando desvio de conduta. "Além de contrariar os fundamentos constitucionais, ele contraria a investigação e a decisão de um juiz do STF. É o uso do sistema de forma desviante para atender a interesses particulares dele e de outras pessoas que ele queira agradar", justifica a integrante da ABJD.
Para Tânia, o MP está agindo totalmente contra os seus princípios ao denunciar Glenn. Ela salienta, porém, que o MP é mais do que o resumo das ações de seus procuradores; portanto, é importante que esse caso seja resolvido internamente. Streck também apresenta preocupação acerca da atuação do MP. "Minha crítica ao episódio tem também como escopo preservar a instituição do Ministério Público", defende.
Para a integrante da ABJD, é clara a presença de abuso de autoridade. Já para o advogado criminalista e professor de Direito Penal e Processo Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Marcelo Peruchin, não se pode considerar abuso de autoridade só pelo fato de a denúncia ter sido oferecida. "O MP fez uma interpretação da prova que foi produzida e ofereceu a denúncia a partir disso, dentro dos limites constitucionais da sua atuação", explica. Para ele, por enquanto, não é possível dizer se a interpretação está correta, mas é possível afirmar que ela é válida.
Diante desse cenário, Streck afirma que a falta de precaução do procurador é preocupante. "Vamos admitir que existam indícios de que Glenn tenha cometido um crime. Mas, para isso, deveria o procurador ter requerido novas diligências. Denunciar alguém é correlato a uma decisão judicial." Ele propõe, ainda, uma reflexão: e se uma decisão judicial fosse assim como a denúncia? "Todos diriam que uma decisão deve ser dada com provas e com fundamentos. Nesse caso, lhes pergunto o que necessita uma denúncia?"
Os próximos capítulos dessa história são difíceis de prever. Para Streck, a novela já está encerrada. Para Peruchin, há uma série de questões que ainda irão aparecer para esclarecimento nessa história. Abuso de autoridade e afronta à liminar de Gilmar Mendes e à liberdade de imprensa do jornalista são alguns dos pontos de debate que prometem continuação na polêmica de Glenn Greenwald.