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Publicada em 27 de Setembro de 2018 às 23:08

Startups chegam ao canteiro da obra

George Lodygensky, da Construtech Ventures, apoia 11 startups

George Lodygensky, da Construtech Ventures, apoia 11 startups

MANOELA VEIGA/DIVULGAÇÃO/JC
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Clarissa Barreto
Clarissa Barreto
Um dos setores que mais movimenta recursos financeiros e de mão de obra no planeta é também um dos que registra os piores índices de produtividade. São 7% da população mundial em idade produtiva empregada na construção civil e movimentação de US$ 10 trilhões todos os anos. Mesmo assim, o segmento é um dos menos digitais do planeta. É o segundo pior nos EUA - e o pior na Europa. Os dados são de um relatório do MCKinsey Global Institute divulgado em meados do ano passado. "E se esses são os dados lá, imagine no Brasil", brinca o analista de investimentos da catarinense Construtech Ventures, George Lodygensky.
O relatório traz outros dados impressionantes. Globalmente, o crescimento da produtividade da mão de obra no setor foi de 1% ao ano, em média, nas últimas duas décadas, em comparação à média de 2,8% de crescimento para a economia mundial. Nos últimos 10 anos, uma amostra dos países analisados identificou que menos de 25% das empresas de construção civil foram capazes de atingir o mesmo nível de crescimento da produtividade alcançado pelas economias em que atuam.
Por conta da baixa produtividade, muitos projetos acabam por sofrer atrasos no cronograma e aumento nos custos. "Se a produtividade da construção conseguisse atingir o mesmo nível da economia total - o que é perfeitamente possível - estima-se que o setor ganharia US$ 1,6 trilhão em valor agregado, aumentando em 2% a economia mundial, o que equivaleria a atender aproximadamente à metade da demanda global por infraestrutura", conclui o estudo. A saída para aumentar a produtividade está em diversas frentes: readequar contratos, remodelar processos de engenharia, de gestão de compras e de suprimentos, de execução das obras, de automação, de novos materiais e novas tecnologias e de capacitação da mão de obra.
A Construtech chegou ao mercado com o propósito de solucionar esses problemas. Nascida há dois anos e meio em Santa Catarina como um braço da Softplan, uma empresa de tecnologia que atende a área da construção civil por meio de softwares e plataformas de gestão para o setor. "Vimos ali que havia um grande espaço para crescer nessa área que é tão grande e tão pouco produtiva", diz Lodygensky. "Ainda é um segmento muito artesanal, em boa parte do processo, ainda funciona como era há 100 ou 200 anos", comenta.
Assim, ele mapeou as startups que atuam no segmento no Brasil e chegou a 300. Mas, ao invés de trabalhar como uma aceleradora comum, que atua em startups que já existem e estão em um nível mais consolidado, a Construtech apostou no modelo de Venture Builder, a primeira do mundo no setor. A ideia é construir a startup em vez de somente investir recursos. Então, a startup compartilha dentro do ambiente da Construtech recursos jurídicos, contábeis, de marketing, infraestrutura etc. "Esse formato permite que as startups trabalhem de forma enxutas e rápida, falhando rápido, aprendendo e trazendo conhecimento", afirma.
Hoje, a Construtech tem 11 startups no portfólio, divididas em quatro verticais que representam todo o processo da construção civil. A primeira contempla a parte de projeto inicial, financiamento e projetos arquitetônicos; a segunda é o chão da obra: aluguel de máquinas, compra ou produção de matéria-prima; a terceira, mercado imobiliário, venda, aluguel, compra, produção de imagens para o produto; a quarta e última se refere a propriedades já compradas e ocupadas e englobam automação e manutenção. "É a fase com maior ciclo de duração", diz o analista de investimento.
Recentemente, o chefe de operações e cofundador da Construtech, Bruno Loreto, participou de um evento sobre construção civil em parceria com a Startse, uma plataforma que une todo o ecossistema de startups. Ele comentou que a construção civil não pode ficar fora das principais inovações tecnológicas que já são realidade em outras indústrias. "Algumas tecnologias como Robótica, Impressão 3D, Machine Learning, Realidade Virtual, Internet das Coisas e muitas outras estarão cada vez mais presentes nos canteiros de obras pelo mundo todo. Isso causará uma revolução sem precedentes."
E é uma pequena revolução que outra startup, a Sevenia, de Porto Alegre, quer criar - mas dentro das nossas casas. Humberto Macedo, da startup que está incubada no Tecnopuc, conta que a ideia é que seu produto barateie a conta de luz do consumidor médio, que gasta cerca de R$ 150,00 por mês. A empresa de Macedo desenvolveu microinversores, que são acoplados a placas solares e se tornam plug-and-play, ou seja: basta colocar a estrutura em uma área iluminada "Ao norte", avisa Macedo, e plugar na tomada da rede elétrica.
Cada estrutura do Plug Watt fornece o suficiente para abastecer uma geladeira - uma redução de cerca de R$ 30,00 na conta mensal. O diferencial do produto é o preço: deve chegar ao consumidor final por cerca de R$ 1,5 mil. "Queremos vender no varejo comum, em 10 vezes, para chegar em bastante gente", diz o empreendedor. No ano que vem, um lote já deve ser disponibilizado para comercialização.

Confiabilidade é chave para consumidor

George Lodygensky, da Construtech Ventures, apoia 11 startups

George Lodygensky, da Construtech Ventures, apoia 11 startups

/ROBERTO CALONI/DIVULGAÇÃO/JC
O Instituto Tecnológico em Desempenho e Construção Civil da Unisinos é muito mais que um local para os alunos colocarem em prática o que aprendem em sala de aula. Lá, são desenvolvidos parâmetros técnicos para avaliar construções, além de criar normas para o uso de matérias primas próprias da construção civil. Um dos professores integrantes do Itt Performance, Jeferson Ost Patzlaff, também é coordenador dos cursos de Graduação em Engenharia Civil e Especialização em Construção Civil da Unisinos, e comenta que uma das principais tendências para os próximos anos é unir durabilidade, beleza, segurança e funcionalidade nas construções.
Jornal do Comércio - Como o senhor vê a recuperação da construção civil para os próximos anos?
Jeferson Ost Patzlaff - Há um déficit expressivo de imóveis no Brasil, especialmente residenciais e de obras de infraestrutura, como rodovias, aeroportos e de tratamento de água e esgoto, entre outras. Mas precisamos de estabilização no cenário político-econômico para que ocorra uma retomada expressiva de investimentos, o que deve ocorrer a partir da definição do cenário eleitoral nacional. É fundamental que os empreendedores sintam-se encorajados a lançar novos empreendimentos, apostem no mercado com a perspectiva de não correr grandes riscos e, na outra ponta, os consumidores, apresentem a mesma confiança em sua estabilidade financeira familiar, associada à oferta de emprego e estabilidade da taxa de juros, adquiram novos imóveis e ou promovam intervenções como reformas e ampliações.
JC - Que tipo de materiais e imóveis serão os preferidos?
Patzlaff - Em todas as classes socioeconômicas, os consumidores têm optado por materiais que apresentem perspectiva de durabilidade elevada e que demandem intervenções de manutenção preventiva com espaçamentos mais longos. Nós, do setor, definimos essa relação custo versus benefício por desempenho, ou seja, materiais, componentes e insumos que apresentam parâmetros de desempenho maiores, em vários sentidos (durabilidade, sustentabilidade, desempenho térmico, acústico e conforto tátil, entre outros aspectos) são os mais valorizados.
JC - Quais as principais inovações na construção civil?
Patzlaff - Destaco os empreendimentos que apliquem maiores graus de industrialização em seus processos, dependendo menos de mão de obra focada em promover esforço físico nos processos e implementação de condições mais seguras aos operários, através de proteções contra quedas, sinalizações e equipamentos que contribuam sobremaneira realização das tarefas do dia a dia, por exemplo. É importante apontar como novidade as soluções que promovam maior qualidade e conforto ao usuário, a partir da escolha de soluções, sistemas e materiais que o usuário perceba como mais adequados para as edificações, seja do ponto de vista estético, de durabilidade, de conforto ou de sustentabilidade. Por outro lado, a tecnologia também está presente no setor, com softwares muito eficientes que permitem promover simulação de evacuação de edificações em situações de sinistro, na área de prevenção e combate a incêndio, por exemplo ou de realidade virtual aumentada, que permite ao cliente circular pelos ambientes do seu imóvel ainda na fase de projeto.
JC - Quais formatos têm se mostrado mais eficazes?
Patzlaff - Em termos de planta baixa, a área privativa média das unidades habitacionais tem diminuído nos últimos anos, temos ofertado e construído imóveis menores. É natural que tenham ocorrido ajustes nas preferências e disponibilidades, independente do público-alvo, do ponto de vista socioeconômico, na área dos imóveis. Mas, por sua vez, as áreas comuns e sociais das unidades têm recebido atenção especial por parte dos incorporadores, no sentido de projetar ambientes que atendam a todos públicos.

A eterna promessa do Quarto Distrito

George Lodygensky, da Construtech Ventures, apoia 11 startups

George Lodygensky, da Construtech Ventures, apoia 11 startups

CLAITON DORNELLES /JC
Quem viveu em Porto Alegre nos últimos 30 anos, provavelmente, já ouviu falar que a próxima região a ganhar vida na Capital seria o Quarto Distrito, que compreende os bairros Floresta, São Geraldo, Navegantes, Humaitá e Farrapos. Motivos não faltam para que a região receba atenção e investimentos. A localização é próxima ao Centro e aos acessos à cidade; há espaço de sobra para a construção de imóveis e revitalização de outros; os terrenos ainda são baratos; há avenidas e abundância de transporte público. Mas o local sofre com a degradação, a insegurança e alagamentos.
Desde os anos 1990, há a expectativa de tornar a região um novo SoHo, aos moldes do bairro nova-iorquino que, assim como o nosso Quarto Distrito, um dia foi um degradado bairro industrial, mas que se reinventou como um polo de arte e economia criativa e, hoje, é um dos mais famosos da cidade norte-americana. Mas, a não ser por iniciativas pontuais, a região ainda é apenas uma promessa de desenvolvimento.
Em 2016, a prefeitura da Capital assinou com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) um contrato para a elaboração de um Masterplan, um conjunto de estudos para promover a revitalização da localidade. O projeto, adaptado à realidade do Quarto Distrito, seria baseado em uma iniciativa chamada Barcelona 22@, na Espanha. Também antes degradada e tomada de galpões industriais abandonados, a região ganhou espaços verdes, centros culturais e virou um hub de tecnologia.
O plano seria implementado por meio de uma operação urbana consorciada, ou seja, uma parceria público-privada entre governo e um consórcio de proprietários de imóveis. Entre outras especificidades, o projeto prevê um eixo entre as avenidas Farrapos e Voluntário da Pátria, unindo os diversos empreendimentos tecnológicos, universidades e de economia criativa que devem ser atraídos por meio de incentivos para a região. "O problema é que, sem incentivos, ninguém vai para lá. É um movimento que tem de partir da prefeitura", comenta o presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil no Estado do Rio Grande do Sul(Sinduscon-RS), Aquiles Dal Molin Júnior.
Porém, os incentivos esbarram no problema crônico da prefeitura da Capital: falta de verbas. No ano passado, conforme noticiou o Jornal do Comércio, secretários passaram o chapéu em fundações no exterior em busca de financiamento para o projeto. A agenda fez parte de um processo de aproximação entre a prefeitura e o Banco Mundial (Bird), que pode se tornar um parceiro fundamental para tirar o plano do papel. No entanto, a nota da Capital foi rebaixada de B para C em dezembro passado pelo Tesouro Nacional, o que a torna inelegível para um empréstimo do tipo. A tendência é que o projeto volte para a gaveta até o caixa afrouxar.
Como incentivo, a prefeitura permite que empresas de base tecnológica, inovadoras e de economia criativa instaladas na região solicitem isenção de IPTU por um período de cinco anos. As empresas ainda poderão solicitar isenção do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) para aquisição de sua sede.
Outro ponto de expectativa dos apoiadores do Quarto Distrito é a reformulação da rodoviária de Porto Alegre. Há rumores de que um dos locais estudados para a implantação do novo terminal, caso a licitação exija, seja a área do shopping DC Navegantes. "Isso daria um fôlego imenso à região, que ganharia fluxo de pessoas. E também desafogaria o Centro, qualificando o espaço", diz Dal Molin. No entanto, o Estado nega. Dos três projetos em estudo, nenhum deles prevê a mudança do prédio de lugar.
A rodoviária de Porto Alegre, encravada em um ponto estratégico no entroncamento das avenidas Mauá e Voluntários da Pátria, e do Viaduto da Conceição será alvo de licitação nos próximos meses, após quase 50 anos com mesmo prédio e endereço. A consultoria KPMG, responsável pelo estudo de viabilidade da concessão da rodoviária pelos próximos 25 anos, prevê entregar o documento ao governo do Estado em novembro deste ano.
Enquanto um incentivo maior não vem, as iniciativas partem de empresários que apostam na região. Só no último mês, alguns projetos movimentaram a região. A rede de lojas de departamentos Lebes, de São Jerônimo, anunciou para o ano que vem a inauguração de uma loja de 5 mil metros quadrados, cujo investimento será de R$ 5 milhões. Serão três andares, com espaços para abrigar startups, e terá geração de energia solar. A ideia é reproduzir o sucesso da loja instalada no Centro da Capital, e também abrigar uma cafeteria, a exemplo da unidade do antigo edifício Guaspari, na Borges de Medeiros.
Bem mais modesto, o OCulto Bar, antes sediado na Cidade Baixa, mudou-se em agosto para um endereço no bairro São Geraldo. A instalação de uma vida boêmia já começou há mais tempo na região, com bares como o 4Beer e o Agulha. Os espaços são maiores; os aluguéis, mais baratos; e, de quebra, não há conflitos com vizinhos residenciais, ao menos por enquanto. "Para trazer pessoas, tem de ter bons bares, bons restaurantes, infraestrutura, segurança. Todo mundo enxerga como um lugar maravilhoso para desenvolver, mas precisa dar o start", desafia Dal Molin. Foi dada a largada.
 

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