Ele é antigo e atual, ao mesmo tempo, com mais de um século como modelo de desenvolvimento regional mais justo e sustentável - ainda hoje, conquista jovens e adolescentes. O centenário cooperativismo brasileiro, que no primeiro sábado de julho comemora sua principal data, tem suas origens em 1902, no Rio Grande do Sul.
O modelo chegou ao Brasil pelas mãos do padre jesuíta Theodor Amstad, admirador da experiência alemã, e avançou do meio rural ao urbano, da agricultura para quase todos os setores da indústria, do comércio e dos serviços. E, em um momento de pandemia, crise generalizada e novos desafios globais, ganha força como referência.
Cooperar, ser também o dono do próprio negócio e poder contar com os outros para crescer vem se fortalecendo como uma experiência real entre estudantes de diferentes idades. Os princípios que levaram o modelo cooperativo a prosperar desde o século passado aos dias atuais ainda batem à porta, ou melhor, aos computadores e smartphones das novas gerações.
Apontado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um dos mais eficientes sistemas para promover o desenvolvimento econômico equilibrado, o cooperativismo tem por base temas como a democracia e a união de esforços em torno de um tema comum. Na contabilidade de uma cooperativa, o lucro ganha o nome de sobras, fruto do esforço conjunto e repartido entre todos que ajudaram a alcançar o resultado positivo.
São premissas como essas que fizeram o sistema progredir e até mesmo se rejuvenescer, avalia o presidente do Sistema Ocergs/Sescoop, Vergílio Perius, hoje 100% dedicado ao setor e que foi também um jovem cooperativado. Trata-se de um modelo econômico diferenciado, baseando-se fundamentalmente no princípio democrático, no qual cada um tem voz, vez e voto.
O voto é igual para todos integrantes, independentemente dos recursos de cada um. O resultado econômico é que será proporcional ao volume dos negócios que cada cooperativado realiza. A capacidade de retornar aos jovens seus esforços e investimentos de uma forma mais igualitária e justa está entre os principais motivos de atração das chamadas gerações X e Y à cooperação profissional.
"O cooperativismo é o modelo econômico que faz o melhor aceno aos jovens frente ao capitalismo - que apropria mais capital às empresas -, ao comunismo e ao socialismo, que o direcionam ao Estado. Desde 2012, a ONU recomenda que os governos apoiem o sistema por ser um dos modelos de desenvolvimento ideal. E os jovens têm abraçado a ideia de uma forma extraordinária", avalia Perius.
Em estudo recente, a Ocergs buscou entender melhor a visão que os jovens têm das cooperativas - foram ouvidas 401 pessoas com idades entre 16 e 34 anos. O grupo incluiu não apenas jovens cooperativados, mas também quem era funcionário de uma cooperativa. A Pesquisa Jovens Coop trouxe indicadores interessantes e revigorantes sobre como é, hoje, a interação deste público-alvo com o sistema.
Um das conclusões é que a maior parte deles entende que esta forma de atuação favorece o desenvolvimento pessoal, profissional e comunitário. O idealismo aliado a um forte anseio por crescimento pessoal e profissional, e com perfil globalizado, também chamou a atenção nas respostas aos questionamentos.
Engana-se quem imagina que os jovens entrevistados são notoriamente agricultores com anseios focados no local. Entre os entrevistados, os maiores planos para o futuro incluem viajar e conhecer o mundo (49,6% das respostas, múltiplas) e ser capaz de ajudar os outros a mudar suas realidades de vida, com praticamente igual destaque (46,9%).
Ações para qualificar e conhecer os anseios dos jovens
A busca por essa proximidade com o futuro do cooperativismo é fundamental para a sucessão rural, um dilema para o agronegócio. Entre os programas que vêm mobilizando jovens e cooperativas estão o Aprendiz Cooperativo do Campo, com o qual a Ocergs promove a capacitação profissional em meio turno, ao longo de 17 meses, tempo em que o jovem recebe uma bolsa-auxílio equivalente a 50% do salário-mínimo nacional (além de vale-transporte e outros benefícios) para compensar o período em que deixará de ajudar na propriedade familiar.
"Apenas em 2019, com esse programa, qualificamos 1 mil jovens. Deste total, apenas três deles desistiram de ficar no campo, por diferentes circunstâncias. Ou seja, 997 permaneceram na atividade e mais estimulados", assegura o presidente da instituição, Vergílio Perius.
O programa viabiliza que os estudantes desenvolvam projetos reais e alternativas de desenvolvimento na propriedade, dentro de suas potencialidades. Como? Habilitando os jovens para atuar em diferentes setores da economia. São cerca de 1 mil horas de estudo e trabalhos práticos na propriedade.
"Esses jovens, optando por novas ações, permanecem no campo. É uma gota no oceano, mas mostra que eles têm no cooperativismo um estímulo para seguirem no campo e manter o sistema. As cooperativas rurais não estão perdendo sócios, estão ampliando", destaca Perius.
Manter forte tanto as bases da cooperativa quanto o futuro das propriedades rurais familiares é uma das ações que estão na linha de frente de cooperativas como a Languiru, com sede em Teutônia, no Vale do Taquari. O programa de sucessão familiar da cooperativa ajuda na preservação e na expansão dos negócios individuais, ao mesmo tempo em que insere uma nova geração de associados à Languiru.
Em parceria com a Unisinos, e com o apoio do Sescoop/RS, a segunda turma de estudantes do curso teve 44 formados em janeiro deste ano. Se somados os jovens que participaram do Programa de Desenvolvimento da Liderança Cooperativa, os diplomas foram entregues a um total de 70 jovens agricultores.
No programa de sucessão familiar foram 60 horas/aula, com encontros mensais, de setembro de 2018 a dezembro de 2019, em atividades que abordaram, entre outros temas, o acompanhamento das finanças da propriedade rural, técnicas de análise dos custos de produção, meios de relacionamento e gestão de pessoas. O grupo ainda participou de visitas técnicas em propriedades rurais de associados da Languiru e à uma cooperativa agropecuária do Paraná.
Cooebompa mobiliza jovens de Nova Petrópolis
Cooperativa escolar foi fundada em 2010 no município da Serra
/Cooebompa/Divulgação/JC
Foi ainda no Ensino Fundamental que a estudante Gabriela Boelter teve contato com uma paixão que dura até hoje: o cooperativismo. Atual presidente da Cooperativa Escolar Bom Pastor (Cooebompa), fundada em 2010, Gabriela começou a se aproximar da cooperativa há cinco anos. Hoje, se pedir à jovem uma explicação do que é uma cooperativa escolar, o interlocutor receberá uma aula.
Gabriela fala com entusiasmo das reuniões que decidem os rumos da cooperativa, detalha as ações, descreve como é feita a gestão, as dificuldades e os processos que culminam sempre com um produto educacional. A meta da cooperativa é criar produtos e serviços que levam os jovens a aprenderem, na prática, diferentes funções de administração, produção e até de contabilidade.
Entre os mais recentes "empreendimentos" educacionais estão a confecção de álcool em gel (ainda antes da pandemia), a gestão e contratação de uma máquina de café para a escola técnica, localizada em Nova Petrópolis, conhecida como capital gaúcha do cooperativismo. Tudo que é feito tem uma finalidade educacional, tanto no caso do álcool quanto da máquina de café. .
"Temos alunos associados que participam de assembleias, das decisões do que vamos priorizar como atividade, fazemos atas, cuidamos do caixa, elaboramos estimativas de custos de produtos. E executamos os planos seguindo os princípios do cooperativismo", informa ela.
No caso do álcool em gel, foi preciso recorrer aos professores de Química e aos laboratórios da escola para fabricação de, em média, 2 litros por mês vendidos em pequenos frascos. Fluxo de caixa que também vira aprendizagem.
As reuniões do conselho fiscal e administrativo debatem convites feitos à Cooebompa para participar de eventos, atividades que serão priorizadas, novos produtos de aprendizagem, como mobilizar estudantes em causas e até atrair novos propagadores do cooperativismo. Gabriela diz que, quando uma ideia é aprovada, os cooperativados começam a concretizá-la.
"Vemos o que é necessário, se temos capacidade para fazer, os custos de produção e se é viável. Caso positivo, fazemos o projeto acontecer. O álcool em gel foi apenas um dos projetos que se concretizou", conta a estudante.
Como a escola recebe no internato alunos de fora da cidade e de outras regiões, ressalta Gabriela, há estudantes que não tinham contato com o sistema e acabaram levando a ideia para as suas famílias e comunidades. Muitos que já deixaram a Cooebompa hoje trabalham ou são associados de cooperativas.
Lições das aulas são aplicadas direto na propriedade
Anieli, 16 anos, tem aulas na Cotricampo, em Três Passos, e agora organiza a contabilidade familiar em planilhas eletrônicas
Arquivo Pessoal/JC
Integrante do programa Aprendiz Cooperativo do Campo desde maio de 2019, Anieli Schu, 16 anos, leva os conhecimentos da sala de aula da Cotricampo, em Três Passos, direto para a propriedade da família. Ainda que de início os pais não vissem lá muitos ganhos diretos no fato de a jovem integrar o programa, hoje o apoio é amplo. Até mesmo porque desde cedo a estudante do Ensino Médio aplica na produção familiar de hortifrutigranjeiros técnicas de gestão que aprendeu recentemente.
“Eu faço no Excel (planilha eletrônica) os controles da propriedade, como despesas e vendas, e ajudo no planejamento dos gastos quando não podemos comprar sementes à vista, por exemplo. A contabilidade antes era feita toda em anotações à mão”, conta Anieli.
Além de ela própria se aproximar mais do sistema, com aulas dentro da sede da cooperativa ao qual o pai é vinculado, Anieli conta que também ele passou a se interessar mais pelo que a jovem estava estudando e pela própria cooperativa. E mudou a visão dela sobre as formas de gerir o que no futuro pode ser tua principal atividade profissional.
“O programa aborda, por exemplo, o empreendedorismo rural, que é importante para estimular a permanência no campo. Hoje, eu consigo ter uma ideia melhor o que eu farei se ficar na propriedade”, conta a adolescente.