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Economia

- Publicada em 14 de Outubro de 2019 às 03:00

Pecuarista fala sobre as razões para reduzir as atividades da Cabanha Catanduva

Fábio Gomes está abandonando o trabalho com a genética Angus e vai trabalhar apenas com gado geral

Fábio Gomes está abandonando o trabalho com a genética Angus e vai trabalhar apenas com gado geral


/ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
Thiago Copetti
Foi com um remate realizado no início de outubro, com o qual entraram em pista todos os animais Angus que mantinha na Cabanha Catanduva (Cachoeira do Sul), que Fábio Gomes, 68 anos, se despediu de um meticuloso trabalho de genética desenvolvido ao longo de 30 anos.
Foi com um remate realizado no início de outubro, com o qual entraram em pista todos os animais Angus que mantinha na Cabanha Catanduva (Cachoeira do Sul), que Fábio Gomes, 68 anos, se despediu de um meticuloso trabalho de genética desenvolvido ao longo de 30 anos.
Advogado, é conhecido por embates difíceis desde quando tinha 30 anos. Defendeu e venceu uma causa em nome da CentralSul (grupo de cooperativas) contra o Bank Of America, em meados dos anos 1980. A mesma determinação e dedicação ao meio jurídico o levou à cabanha a partir de 1988.
Entre o final dos anos 1980 e os anos 1990, percorreu os Estados Unidos e a Argentina em busca do melhor material genético possível para montar um plantel Red Angus, na época, ainda pouco comum no Rio Grande do Sul. Escolhidos a dedo a partir de algumas características que o pecuarista acredita serem as ideais para um país tropical criar a raça inglesa, Gomes comprou touros, vacas e sêmens. Fez diversas cruzas, refinando o que idealizava como a marca genética Catanduva. Levou entre 10 e 15 anos para alcançar o nível desejado.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, citou a desilusão com o País como um dos pontos determinantes para mudar de vida, fez críticas a outros criadores da raça e contou que, sem sucessores no campo - os filhos optaram por outras áreas de trabalho -, decidiu interromper o trabalho de produção de alta genética animal. Seu último faturamento com a pecuária lhe rendeu R$ 1,1 milhão, no leilão derradeiro do dia 6 de outubro.
Jornal do Comércio - Por que o senhor decidiu interromper a criação de animais da raça Angus, sendo a Catanduva uma referência? Pretende se dedicar mais à advocacia?
Fábio Gomes - Decidi fazer isso para aproveitar a vida um pouco, tentando reduzir o ritmo também no escritório de advocacia. Isso por si só, para aproveitar mais uns 10 anos de vida, já seria motivo suficiente. Essa já seria uma razão, mas há outros motivos que contaram para tomar essa decisão agora. É difícil abandonar algo que se construiu durante tanto tempo, com tanta dedicação e até com obstinação. Eu deveria ter feito isso há mais tempo, mas, como não teria sucessor na atividade, não tive coragem. Uma das razões que levaram a este momento é a desilusão com o País. Vislumbrei claramente que o Brasil vai precisar de 100 anos para mudar ao menos um pouco. O problema brasileiro é cultural, algo que se elabora e se modifica ao longo de muitos anos, e não em poucos. Há um sociólogo inglês que diz que a Inglaterra levou 300 anos para passar de um nível muito corrupto para um país de corrupção tolerável. E, no meu ponto de vista, estamos em uma involução.
JC - A que tipo de involução o senhor se refere?
Gomes - Quando se começa a tirar verba da educação e da cultura, isso é uma involução. Então, quando começar, levará 100 anos. No Brasil, as pessoas saem à rua para protestar contra a corrupção e, na primeira oportunidade que têm, metem a mão também. Isso é cultural. Então seguir trabalhando 18 horas por dia para gerar empregos, impostos e produzir para pagar isso que está aí? Não mais. Tenho pena dos jovens que ficarem no Brasil, porque é isso que vão encontrar.
JC - Mas o senhor seguirá na pecuária?
Gomes - Me desencantei com a Associação Brasileira de Angus, na qual se instalou uma prática bem própria do que ocorre com o Brasil, isso na área de criação e seleção de plantel, e a relação com os técnicos da Associação Nacional de Criadores e pela Associação Brasileira de Angus, autorizados, em um poder delegado pelo Ministério da Agricultura, a fazer o registro genealógico de animais. Esses técnicos das raças também orientam produtores sobre cruzamentos, o que parece mais adequado, orientando sobre quais touros usar ou não usar. Eles marcam os touros que receberão o registro e orientam os produtores. E um grupo de produtores achou por bem aprovar que esses técnicos também fossem jurados em concursos da raça, como da Expointer.
JC - Qual é exatamente o problema disso?
Gomes - Isso é uma atividade incompatível com o que faz um técnico. Ele orienta um produtor a usar uma determinada linhagem de animais, mas eles também são autorizados a comercializar animais, assim como atuar como jurados nos concursos da raça. Então ele é encarregado de comercializar os animais de determinado cliente, indica um animal de seu cliente para a cruza e, depois, julga esses mesmos animais. Passa a ser tecnicamente suspeito, honesto ou não, para depois dizer qual linhagem é a melhor, já que ele participou de todo o ciclo. Lutei contra isso, foi aprovado que essa postura fosse eliminada, mas sucessivas diretorias não cumpriram, porque não lhes interessava. E não compactuo com o que não concordo. Tentei mudar isso durante uns cinco anos. Me retirei da diretoria e, agora, vou me retirar como sócio.
JC - Agora, sem a pecuária, conseguirá, então, colocar em prática o plano de viajar mais ainda neste ano, após se desfazer o plantel?
Gomes - Leva um tempo até organizar as coisas. Espero que, até o final do ano, meados de dezembro, esse ciclo do Angus tenha se encerrado. A atividade de pecuária continua existindo nas duas fazendas que tenho, em Glorinha e no Uruguai, mas paro com atividade de seleção e produção genética. Sigo trabalhando com gado geral, de manejo mais simples, digamos assim. Compro novilhas com um ano, faço a recria e vendo prenhe depois de um ano.
JC - O senhor criou uma grife genética, a Catanduva. Quanto tempo levou para chegar a esses animais que considera ideal?
Gomes - Uns 15 ou 20 anos. Estudei genealogias, viajei atrás disso, aos Estados Unidos e à Argentina, os dois principais centros reprodutores de Angus. Tive parceiras desde o início, com cabanhas na Argentina e nos Estados Unidos, comprava uma parte de touros e trazia o sêmen. Fazia roteiros para observar e ouvir o que está acontecendo e sendo feito por lá. Ali em 1980, 1990, não existia quase o Red Angus, o que eu achava que era o mais adequado, por sofrer menos com o calor. Hoje, há uma discussão, na qual dizem que o preto sofre menos. Não é verdade. A mosca do chifre fica camuflada, protegida ali, entre aspas. O carrapato prefere o preto. A mosca do berne, a mesma coisa.
JC - E como o senhor alcançou a genética Catanduva?
Gomes - Tive que fazer muitas importações de Red Angus da Argentina e diversos cruzamentos. Em um misto de competência e sorte, fui vendo as famílias que se cruzavam com melhores resultados, até criar uma marca genética própria e reconhecida em todos os grandes prêmios da raça, aqui e no Uruguai. A linha genética Angus Catanduva é feita de um animal de porte mediano, com muita carne, pelo liso, para se adaptar melhor ao ambiente brasileiro, precoce e rústico. Seleção genética tem que ter um toque a mais. Há quem copie simplesmente. Pegue a seleção genética pronta - especialmente de americanos e argentinos - e engorde aqui. É um trabalho que nunca quis fazer.
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