Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Memória

- Publicada em 22 de Maio de 2022 às 18:24

Clube negro Satélite Prontidão retoma projetos e celebra 120 anos de trajetória

História da entidade está sendo resgatada através da criação de um memorial na atual sede, no bairro Rubem Berta

História da entidade está sendo resgatada através da criação de um memorial na atual sede, no bairro Rubem Berta


ASP/DIVULGAÇÃO/JC
A trajetória de 120 anos do clube negro Associação Satélite Prontidão (ASP) está sendo resgatada através de um memorial da entidade, que reunirá uma série de fotografias, telas, e objetos históricos. As muitas décadas de atividades ininterruptas deste que é um dos mais antigos espaços de convivência e desenvolvimento da comunidade negra porto-alegrense ainda serão celebradas com programação diversificada, no decorrer de 2022.
A trajetória de 120 anos do clube negro Associação Satélite Prontidão (ASP) está sendo resgatada através de um memorial da entidade, que reunirá uma série de fotografias, telas, e objetos históricos. As muitas décadas de atividades ininterruptas deste que é um dos mais antigos espaços de convivência e desenvolvimento da comunidade negra porto-alegrense ainda serão celebradas com programação diversificada, no decorrer de 2022.
Segundo a diretora de Pesquisa e Acervo do clube, Karla Alves (foto), até o dia 30 de setembro devem ocorrer mostras de cinema e música, incluindo rodas de samba, além de uma grande festa de aniversário da entidade. Neste período, ainda deve ser lançado um documentário alusivo ao aniversário do clube. Já no que se refere à inauguração do Memorial da ASP, ainda há um desafio a ser enfrentado: a escassez de voluntários para consolidar o trabalho de levantamento, seleção e limpeza de itens. Além de coordenar o projeto do Memorial, Karla ainda está reunindo material para impulsionar a Biblioteca Comunitária de Referência do Negro (Afroteca-ASP). Ambos espaços já têm salas próprias na atual sede do clube, localizado na Rua Alberto Rangel, 528, no bairro Rubem Berta.
Docente no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul - Campus Viamão (IFRS - Campus Viamão), a coordenadora do Memorial e da Afroteca-ASP também está produzindo também um livro documental sobre a entidade. "Eu alio as ações de pesquisas sobre o clube com as atividades dos projetos de extensão realizadas pelos meus alunos bolsistas", explica a integrante da atual gestão da Associação. Esse esforço é compartilhado por outros membros da diretoria, que se dividem em vários projetos voltados ao resgate da vivacidade que o clube manteve durante o período de 1956 a 2011. "Esta foi a época de maior visibilidade da ASP", afirma a diretora de Pesquisa e Acervo.
A história do Satélite Prontidão iniciou no dia 20 de abril de 1902 - apenas 14 anos após a abolição da escravatura. Segundo Karla, na época a entidade se chamava Sociedade Satélite Porto-Alegrense, e foi fundada por famílias da comunidade negra como uma estratégia de resistência ao racismo. "O objetivo era realizar ações beneficentes, de serviços que o estado não fornecia, além de manter a cultura (de matriz africana) viva", afirma a diretora.
Ela recorda que uma das primeiras iniciativas dos fundadores foi a criação do auxílio-funeral para associados, uma vez que, até então, os negros eram enterrados em valas comuns. "Além disso, a população negra era proibida de frequentar a escola. Então, um grupo de mulheres - mais tarde denominado de Senhoras Prontistas - fazia a alfabetização de alguns sócios (adultos e seus filhos) dentro do espaço do clube."
A entidade também oferecia outros trabalhos assistenciais, como consultas médicas e odontológicas, e promovia atividades de lazer e de entretenimento para a comunidade negra, incluindo festas, almoços, jantares, chás e alguns eventos culturais, como exposições e espetáculos teatrais. "Naquela época, os negros não podiam frequentar os clubes dos brancos", comenta Karla, emendando que as confraternizações ainda serviam para arrecadar verba para o clube, que inicialmente funcionava em um imóvel alugado, localizado na rua Barão de Gravataí, no bairro Cidade Baixa. 
Em determinado momento, a questão assistencial começou a ser suprida por serviços do Estado, e, em 1956, os fundadores resolveram fundir a entidade ao Grupo Carnavalesco Prontidão (que também oferecia cursos de alfabetização e consultas médicas e odontológicas) para focar em ações mais voltadas ao aspecto sociocultural. Foi a partir desta fusão, que surgiu o atual nome do clube. E foi também naquele ano que a ASP adquiriu sua sede própria: um chalé de madeira, localizado na rua Coronel Aparício Borges, no bairro Glória, que foi derrubado para dar lugar a um prédio de alvenaria, com uma quadra esportiva em anexo.
Ali o clube permaneceu por mais de 30 anos, e ampliou a oferta de serviços de assistência social, além de promover aulas de capoeira, ballet, ginástica para terceira idade, futebol, cursos pré-vestibulares, entre outros projetos. "Enquanto esteve naquela sede, a Associação Satélite Prontidão viveu seu auge, sendo frequentada por muita gente, inclusive personalidades como o ex-governador Alceu Collares e o cantor Lupicínio Rodrigues", destaca Karla. As festas reuniam grandes públicos, e eram famosas, a exemplo do Baile do Chopp, dos bailes de Carnaval e de aniversário da entidade (que celebrava a data da fusão - 30 de setembro), escolha da mais bela negra do Estado e da rainha do clube, bem como a Festa Black, promovida pelo Grupo Jovem.
"Até que a vizinhança começou a se incomodar com o barulho, e estes eventos acabaram sendo suspensos, e, consequentemente, o clube começou a apresentar dificuldades financeiras", lamenta a diretora. Para piorar, desde 2011, quando a entidade mudou para o atual endereço, ainda houve um esvaziamento de sócios, destaca o presidente da Associação Satélite Prontidão, Richard Evandro Guterres Alves. Ele avalia que o endereço no bairro Glória, por estar posicionado entre a zonas Sul, Norte, Leste e Centro, "facilitava a mobilidade de forma bastante significativa para as pessoas participarem dos eventos para o clube."
Alves considera que a mudança de território "causou uma cisão nesse sentido, embora atualmente a sede esteja muito bem localizada" dentro do bairro Rubem Berta. Ele observa que a região é o de maior população da cidade e concentra um grande número de famílias negras, com baixo poder aquisitivo. "O clube é voltado justamente para atender as necessidades desta comunidade."
O presidente da ASP ainda destaca que a sede atual tem uma infraestrutura privilegiada, com auditório para 60 pessoas, três salões de festas, sala de aula, espaços de convivência, espaço de coworking e espaço kids, entre outros. A meta, segundo o gestor, é modernizar o clube e aumentar o quadro de associados, para equilibrar as finanças, e, aos poucos, alavancar a atuação da entidade também nas áreas de Saúde e Educação. "A ASP também se manterá abrigando culturas, ideias e saberes do povo negro, em um espaço de promoção de lazer e de entretenimento, promovendo eventos de exaltação e orgulho da negritude."

Ponto de encontro entre famílias negras

Polo de resistência cultural, a ASP marcou época promovendo bailes diversificados, que contemplavam todas as gerações

Polo de resistência cultural, a ASP marcou época promovendo bailes diversificados, que contemplavam todas as gerações


ANDRESSA PUFAL/arquivo satélite providência/Reprodução/JC
Polo de resistência cultural, a ASP marcou época nos anos 1980 e 1990 promovendo bailes diversificados, que contemplavam todas as gerações e serviam de ponto de encontro entre famílias dos associados. Atendendo aos anseios da juventude sem deixar de lado a tradição que o tornou uma referência de clube negro na Capital, o Satélite Prontidão foi um local de preservação da cultura afro e de combate ao racismo.
O Grupo Jovem, por exemplo, costumava realizar eventos festivos, como a tradicional Festa Black, mas também palestras sobre temas diversos, que iam desde o uso indevido de drogas até a importância da preparação para o mercado de trabalho e da contribuição da cultura afro para o Rio Grande do Sul.
Mas também os mais velhos participavam, contando histórias e repassando conhecimento, através da oralidade. "A união dessas famílias promoveu um movimento educacional, cultural e até econômico da comunidade negra porto-alegrense", avalia a bibliotecária Iara Conceição, integrante do Conselho Deliberativo da ASP. 
"Hoje em dia formamos uma comunidade bastante significativa, embora a maioria da população negra da Capital ainda esteja no primeiro patamar, com muitos analfabetos e muitas pessoas com dificuldades de ascender socialmente, sem grandes oportunidades e estudos", pondera Iara.
Ela destaca que o clube atualmente ainda acolhe atividades externas da comunidade, através da locação de espaços como o auditório ou salões de festas, para atividades sociais, educacionais e até empresariais, a exemplo de feiras. 
"Nosso foco agora é justamente criar uma nova clientela no bairro onde estamos, além de patrocínios de entidades que queiram investir e colaborar com o desenvolvimento da nossa associação", destaca Iara.
Ao lembrar que a primeira vez que esteve no clube foi em 1987, ainda adolescente, o presidente da ASP, Richard Evandro Guterres Alves, valoriza a importância que este leque de alternativas tem na vida das famílias negras. "O clube cumpriu, comigo, uma de suas principais funções, que é legitimar a comunidade negra dentro da sociedade. Locais como o Satélite Prontidão têm esta função."
Eleito para a gestão de 2021 a 2023, Alves comenta que mesmo com o advento da pandemia de Covid-19, a entidade segue contribuindo para o desenvolvimento da sociedade, através de atividades recreativas, e apoio às famílias tanto nas áreas de Educação, como de Saúde, e de qualificação profissional. "Durante o isolamento, promovemos uma série de lives e seguimos com o curso pré-vestibular em formato virtual", exemplifica. "Atualmente, retomamos o projeto Integrando Saberes (criado em 2019), que procura apoiar a comunidade haitiana, através do ensino da língua portuguesa e outros trabalhos de capacitação, como construção de curriculum vitae e dicas para emissão da carteira de trabalho." 
Durante 2021 a ASP ainda desenvolveu algumas atividades, como rodas de samba de mulheres, teatro, contação de histórias para crianças, e encontros de discussão sobre preservação do meio ambiente e valorização da cultura de matriz africana, em parceria com a rede Afroambiental. 

Resgate do Grupo Jovem

Clube Satélite Prontidão prepara série de atividades para celebrar seus 120 anos

Clube Satélite Prontidão prepara série de atividades para celebrar seus 120 anos


ANDRESSA PUFAL/JC
Antes mesmo da ASP ter mudado para a atual sede, o Grupo Jovem, que tanto contribuiu para os áureos tempos do clube, se desfez. "Foi lá pelo início dos anos 2000", recorda a diretora de Pesquisa e Acervo, Karla Alves.
Atualmente, um dos objetivos da atual gestão do Satélite Prontidão é resgatar a presença de jovens no espaço social. Segundo a diretora da Juventude ASP, Karine Varella, existem muitos projetos neste sentido, como o de levar cinema itinerante às comunidades da região. "Estou neste processo de conhecer o clube, pois cheguei há dois anos", comenta Karine, que tem 24 anos e é estudante de Ciências Sociais. "Mas já conheço muitas histórias, pois estamos fazendo um documentário sobre estes 120 anos. O Satélite Prontidão era muito ativo, tinha muita participação e muito apoio."
A diretora da Juventude também destaca que um dos projetos do departamento que representa é retomar a apresentação de espetáculos de teatro na entidade e fomentar o interesse dos associados por Cultura em geral. Ela revela que tem "muito interesse" em entender o porque de esvaziamento dos clubes da Capital. "Não foi só o Satélite Prontidão que teve o quadro de associados reduzido - a gente vê isso em outros espaços negros. Gostaria de pesquisar sobre isso, para ter êxito na missão de trazer a comunidade jovem para o nosso clube."

Fortalecimento da presença feminina

Ao destacar a importância das diversas ações promovidas pelo grupo de Senhoras Prontistas, Karla Alves observa uma contradição: "apesar do protagonismo feminino em todas as atividades, até 2016 as mulheres não integravam a diretoria da ASP". 
"No entanto, o Satélite Prontidão sempre foi um território de fortalecimento da presença feminina e de elevação da autoestima das mulheres", pondera. "Tanto é que se dava muito destaque aos bailes de debutantes e também às festas de eleição da Rainha do Clube, e da Rainha do Carnaval", considera a diretora de Pesquisa e Acervo da entidade. "Inclusive, entre os itens que irão compor o Memorial da ASP há faixas das rainhas, além de fotos destes bailes."