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artes visuais

- Publicada em 17 de Maio de 2021 às 20:52

Trabalho de Lilian Maus evoca preservação da memória e proteção ambiental

Obra 'Jangada iluminada' do projeto 'Linhas cruzadas', que está em cartaz na Fundação Força e Luz

Obra 'Jangada iluminada' do projeto 'Linhas cruzadas', que está em cartaz na Fundação Força e Luz


MARCUS FABIANO GONÇALVES/CASCO/DIVULGAÇÃO/JC
Devido ao ápice da pandemia de Covid-19 no fim de fevereiro de 2021, as ações artísticas do projeto Residência Artística Casco (financiado pela Lei Aldir Blanc), realizadas em espaços públicos, foram registradas em vídeos e fotografias para garantir a apresentação posterior à comunidade, sem aglomerações.
Devido ao ápice da pandemia de Covid-19 no fim de fevereiro de 2021, as ações artísticas do projeto Residência Artística Casco (financiado pela Lei Aldir Blanc), realizadas em espaços públicos, foram registradas em vídeos e fotografias para garantir a apresentação posterior à comunidade, sem aglomerações.
Por isso, poucos viram a cena armada pela sempre inovadora artista Lilian Maus na sexta-feira 28 de fevereiro, quando ocorreu o fenômeno natural chamado "Lua de sangue": uma jangada em chamas flutuando na Lagoa dos Barros, em Osório. A ação, inspirada em uma lenda regional, integra o vídeo Ygápeba, do projeto Linhas cruzadas, desenvolvido durante a imersão da pesquisadora no distrito de Passinhos (Osório).
A artista visual e professora do Instituto de Artes da Ufrgs Lilian Maus tentou transpor essa atmosfera para o edifício histórico Fundação Força e Luz (Andradas, 1.223), antigo Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, que passa por um processo de reestruturação após a privatização da companhia. Foi aberta na semana passada a exposição inédita Linhas cruzadas, mesmo nome da proposta apresentada pela artista para a residência desenvolvida no verão. Ela, que já pesquisa a região do Litoral Norte há quase uma década, contou com a colaboração da comunidade de Osório e do distrito de Passinhos para realizar o conjunto de instalações em escultura, fotografia e pintura que são apresentadas na mostra.

Trajetória ligada ao Litoral e ao azul das águas

Tom azul royal da máscara da artista já estava no tecido que a envolveu no berçário na Bahia

Tom azul royal da máscara da artista já estava no tecido que a envolveu no berçário na Bahia


MARCUS FABIANO GONÇALVES/CASCO/DIVULGAÇÃO/JC
Nascida em Salvador, capital baiana, Lilian viveu dos 5 aos 15 anos em Osório, para onde a família escolheu se mudar. Se transferiu para Porto Alegre para estudar, mas mantém até hoje seu atelier na cidade. Atualmente, vive entre Porto Alegre e a planície litorânea, região cujas lendas e fatos históricos inspiram suas investigações artísticas que serão reunidas em livro individual em um futuro próximo.
Ela é doutora em Poéticas Visuais - cuja tese, finalizada em 2016, já se desdobrava sobre as linhas de transmissão no Morro da Borússia em zonas de proteção ambiental) e mestre em História, Teoria e Crítica da Arte pelo Instituto de Artes da Ufrgs. Organizou diversos livros, com destaque para: A palavra está com elas: diálogos sobre a inserção da mulher nas artes visuais (2014) e Estudos sobre a terra (2007).
Em 2019, Lilian apresentou a exposição Travessia por terra, água e ar na Pinacoteca Aldo Locatelli, no Porão do Paço Municipal da capital gaúcha. E, no fim de 2018, sua última individual exibida em São Paulo, na galeria Aura, chamava-se Olho d'água - resgatando as 23 lagoas que delineiam a cidade gaúcha de Osório. "É bem isso, um rosário de lagoas que reflete esse céu", enaltece ela, dizendo que quem observar os mapas vai "sacar" essa imagem.
A sala Arquipélago do centro cultural está ocupada por uma grande jangada-carreta (incendiada in loco na Lagoa dos Barros), cercada por mais de 30 miniaturas de jangadas produzidas a partir da experiência da obra Ygápeba (jangada em tupi guarani). Cada barco - representando as fases da Lua durante todo o período de exposição, de 11 de maio a 12 de junho - tem seu espelho, projetando as sombras das tramas que a artista tanto trabalha, cercados por água, areia e vegetação originária da região litorânea (juncos, cipós e barbas de pau das figueiras onde escravos eram enforcados). A artista também levou aromas de cedro, capim-cidró e alecrim-blue para o espaço expositivo do prédio histórico.
As miniaturas foram feitas pelo artesão local Paulinho Biru, que também trabalhou na jangada em tamanho real ao lado de Tadeu Marcelino. A carreta é do acervo de Pedro Ávila, integrante da família que participou de diferentes etapas do trabalho da pesquisadora.

Linhas e trajetos de investigação que se cruzam

Lilian Maus com tela de colagem das imagens originais de museu a partir da experiência com mimeógrafo

Lilian Maus com tela de colagem das imagens originais de museu a partir da experiência com mimeógrafo


LILIAN MAUS/DIVULGAÇÃO/JC
O restante das obras da mostra aborda a intersecção das formas do triângulo, circo e grade pelas rotas de transporte (terra, água e ar), energia e comunicação no desenvolvimento da região. Lilian utiliza documentos do Arquivo Histórico Antônio Stenzel Filho, imagens do Museu da Linha Férrea e Antropológico de Osório, bem como álbuns de família, oralidades e lendas dos moradores para delinear o "seu" território, além de materiais históricos do Museu da Eletricidade do Rio Grande do Sul, como mapas e objetos.
Ela tinha um pré-acerto de expor o material desenvolvido a partir da residência do Casco em uma individual na Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ) em setembro - data e endereço que ficarão reservados para o lançamento do documentário visual que também vai surgir de Linhas cruzadas.
Mais ensaístico, o filme conta com a parceria do diretor Biel Gomes. "Tem que terminar as gravações, pois entrou a bandeira preta (do distanciamento controlado do Estado em função da pandemia) e ficaram cenas por fazer", explica a autora do projeto. A ideia é que, então, a CCMQ sedie, no segundo semestre, uma exposição coletiva com os outros colegas artistas participantes do programa de residência artística.
Porém, quando recebeu o convite da produtora cultural Ana Mattos, da Fundação Força e Luz, para abrir o calendário de mostras do espaço em 2021, concluiu que não poderia haver melhor local para a exibição, uma vez que toda a temática conversava com a história que o prédio evoca, continuando a sediar o Museu de Eletricidade do Estado.
"Minha pesquisa sempre teve essa preocupação com a preservação da memória e da ideia de trazer esse patrimônio para a arte. Na faculdade, trabalho com agrônomo, biólogo, pessoal da História, adoro pesquisa de restauro... Essa é a minha praia", conta a entusiasmada artista, que chama os espectadores para apreciarem essas praias e a refletirem sobre a perpetuação dessa paisagem cultural.
A mostra ficará aberta à visitação de terça a sexta-feira, das 10h às 19h. Para visitas mediadas é preciso se inscrever através de um formulário que está na bio do perfil da instituição no Instagram (@cccev_cultura), com grupos de no máximo 6 pessoas.
A premiada artista ainda foi uma das gestoras do espaço artístico Atelier Subterrânea, que funcionou em Porto Alegre até 2015. Lilian possui obras nos acervos do Macrs, da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo (Ufrgs), da Unipampa, do Museu do Trabalho, da Pinacoteca Aldo Locatelli, no Ieavi/RS e do Instituto Figueiredo Ferraz (Ribeirão Preto/SP).