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Cinema

- Publicada em 15 de Janeiro de 2021 às 03:00

A perda

Hélio Nascimento
Há cineastas que ao colocarem em cena personagens procuram não os isolarem do mundo ao qual eles pertencem. Ao contrário, além de acentuarem tal relacionamento, procuram destacar e ao mesmo tempo aprofundar essa ligação, que às vezes pode ser penosa e sempre é reveladora de um processo nunca devidamente clarificado por olhares superficiais e apressados. Trata-se de exercer o dever de perceber em cada ser humano um agente que pode ser uma vítima ou um elemento impulsionado pela revolta. Seu sofrimento ou sua rebelião revelam casos de vidas destruídas ou de exemplos de rebeldia que costumam erguer novos cenários, espaços nos quais a vida possa ter continuidade. E há outros que preferem filmar situações destinadas a expor um processo desligado do mundo exterior, interessados em compartilhar experiências e acentuar o fato de que no interior da família humana se reproduzem rituais e normas de um cenário bem mais amplo. O cineasta húngaro Kornél Mundruczó, que com a esposa Kata Wéber escreveu o roteiro de Pieces of a woman, pertence ao segundo grupo. O cinema produzido nas últimas décadas nos países do Leste Europeu, a se julgar pelos exemplares aqui exibidos, se caracteriza por um realismo intenso e por vezes difícil de ser acompanhado. Este filme produzido por um consórcio de empresas, ambientado na América e falado em inglês não nega a origem de seu realizador, que pertence a uma geração nascida quando estava próximo o fim de um ciclo no qual o cinema agora proposto era vetado.
Há cineastas que ao colocarem em cena personagens procuram não os isolarem do mundo ao qual eles pertencem. Ao contrário, além de acentuarem tal relacionamento, procuram destacar e ao mesmo tempo aprofundar essa ligação, que às vezes pode ser penosa e sempre é reveladora de um processo nunca devidamente clarificado por olhares superficiais e apressados. Trata-se de exercer o dever de perceber em cada ser humano um agente que pode ser uma vítima ou um elemento impulsionado pela revolta. Seu sofrimento ou sua rebelião revelam casos de vidas destruídas ou de exemplos de rebeldia que costumam erguer novos cenários, espaços nos quais a vida possa ter continuidade. E há outros que preferem filmar situações destinadas a expor um processo desligado do mundo exterior, interessados em compartilhar experiências e acentuar o fato de que no interior da família humana se reproduzem rituais e normas de um cenário bem mais amplo. O cineasta húngaro Kornél Mundruczó, que com a esposa Kata Wéber escreveu o roteiro de Pieces of a woman, pertence ao segundo grupo. O cinema produzido nas últimas décadas nos países do Leste Europeu, a se julgar pelos exemplares aqui exibidos, se caracteriza por um realismo intenso e por vezes difícil de ser acompanhado. Este filme produzido por um consórcio de empresas, ambientado na América e falado em inglês não nega a origem de seu realizador, que pertence a uma geração nascida quando estava próximo o fim de um ciclo no qual o cinema agora proposto era vetado.
Pieces of a woman foi exibido no festival de Veneza do ano passado, que foi realizado de forma presencial e com reduzido número de convidados e no qual não passou em branco. Recebeu o prêmio de melhor atriz, conferido a Vanessa Kirby e causou forte impressão devido a uma cena, realizado em plano-sequência, uma técnica que não utiliza o corte e capta a ação como se tudo transcorresse num palco, com o espectador bem próximo dos personagens. O cineasta certamente alcançou o que pretendia. A cena do parto é impactante e também daquelas capazes de consagrar uma atriz. Mas, no caso, não apenas a atriz principal, isso porque os demais intérpretes em cena contribuem de forma decisiva para que a sequência seja algo incomum no cinema. Mas não apenas por esta cena Mundruczó se revela um cineasta superior. Seu cinema, assim como o de muitos outros diretores de países nos quais certos temas eram vetados, se assemelha a um desabafo, uma resposta eloquente, destinada a provar que a realidade é ampla e que o sofrimento humano nem sempre está relacionado a distorções e iniquidades no tecido social. Estas, certamente, devem ser combatidas, mas filmes relacionados a tal combate não devem obter a exclusividade, sob pena de ser criada uma injustiça bem maior, aquela que esconde sob o manto da censura temas essenciais para a compreensão da vida.
Ao tratar da perda e do luto, Mundruczó também focaliza a construção e o recomeço. Cada capítulo do filme é a anunciado pela imagem da ponte, que aos poucos vai sendo construída, até servir de cenário para a cerimônia que encerra um ciclo de sofrimento. As maçãs e a germinação são outros símbolos poderosos e exemplificam de maneira eloquente a importância, para o cinema, de as alegorias serem retiradas da realidade e não a ela impostas, como costumam fazer realizadores que preferem o caminho mais fácil. E o cineasta faz também o elogio da força da imagem, na cena da revelação das fotografias e, em consequência, no trecho que vem a seguir. No posfácio de sua narrativa, o realizador deixa para o espectador o direito de exercer sua imaginação e concluir o filme. Mas deixa claro que a paisagem sombria é substituída pela luz, a neve pelo sol, o espaço fechado pelo esplendor da natureza. É como se a imagem da foto fosse apenas o prelúdio de toda uma vida. As referências ao passado são poucas, entre elas um comovente monólogo destinado a exaltar a resistência e a força da vida. Mas este momento, valorizado por Ellen Burstyn, não transforma a palavra em algo dominante, num filme no qual as imagens exercem o papel principal.
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