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LITERATURA

- Publicada em 30 de Janeiro de 2020 às 03:00

Livro 'Encontro de marés' traz um mosaico de vivências e saudades do Brasil

Baiana que mora há 15 anos na Alemanha, Manuela Marques Tchoe promove choque de culturas com nova obra

Baiana que mora há 15 anos na Alemanha, Manuela Marques Tchoe promove choque de culturas com nova obra


/PENDRAGON/DIVULGAÇÃO/JC
A autora Manuela Marques Tchoe usou sua experiência de vida para escrever a obra Encontro de marés (PenDragon, 2019, 294 págs., R$ 34,90). Nascida em Salvador, ela mora em Munique, na Alemanha, desde 2005, onde trabalha como executiva de marketing. Ao produzir este que é seu segundo livro, a escritora também reviveu suas origens, transformando o Brasil quase em um personagem.
A autora Manuela Marques Tchoe usou sua experiência de vida para escrever a obra Encontro de marés (PenDragon, 2019, 294 págs., R$ 34,90). Nascida em Salvador, ela mora em Munique, na Alemanha, desde 2005, onde trabalha como executiva de marketing. Ao produzir este que é seu segundo livro, a escritora também reviveu suas origens, transformando o Brasil quase em um personagem.
O romance, em narrativa não linear, conta a história de mãe e filha separadas por circunstâncias cruéis da vida. A obra é ambientada em cenários diferentes regionalmente e se passa ao longo de quase três décadas. Na trama, Rosa é uma criança inocente que mora com sua carinhosa avó Dalva na mítica Salvador dos anos 1980, sem ideia das razões que a impediram de ter pai e mãe presentes. Aos 12 anos, ela tem a infância interrompida quando seu pai, Benedito, a sequestra e a obriga a se prostituir.
Anos mais tarde, Mariana chega ao Rio de Janeiro a contragosto, amaldiçoando sua vinda para o País que um dia lhe deu as costas. Com problemas de relacionamento com colegas brasileiros em outros locais do mundo, ela foi forçada por sua chefe da ONG a atuar como consultora em um projeto social na Rocinha.
Quando criança, abandonada em um orfanato, foi adotada por um casal de alemães. Para tentar esquecer traumas, nega suas origens. Mas um tiroteio na favela desperta o seu desejo mais intrínseco: buscar respostas sobre o seu passado. Assim, Mariana descobre que sua vida está entrelaçada à de Rosa.
"Muitos dos choques culturais são baseados na minha própria experiência, já que vivo há 15 anos fora do País. Existem muitas diferenças entre as culturas alemã e brasileira, e foi através da minha vivência que quis ressaltar coisas banais e gritantes, como a flexibilidade tupiniquim e a rigidez germânica. São formas diferentes de ver o mundo, certamente. Além disso, como baiana, inseri diversos pontos culturais da Bahia que me fazem falta. Não diria que o livro é autobiográfico, mas tentei transportar vivências e saudades através da interculturalidade, assim como viajar de volta ao Brasil", conta Manuela.
Um desses aspectos é a religião de matriz africana. "A crença nos orixás faz parte da essência da baianidade. Mesmo para quem não é praticante do candomblé, como eu, ritos dessa crença fazem parte da rotina de Salvador, como colocar uma flor como oferenda para Iemanjá. Acredito também que ainda há um certo preconceito com o candomblé, porque muitas pessoas não compreendem essa fé. De certa forma, quis homenagear a baianidade, e o candomblé é parte integrante dessa cultura. Foi uma maneira de desmistificar a crença e trazer o que há de belo para quem não tem familiaridade."
A narrativa também é uma homenagem às mulheres de seu País: "O livro explora o poder do feminino, a capacidade de sobrevivência, sem deixar de tocar na sensibilidade da mulher como o amor entre mãe e filha que, apesar de tudo, passa por cima das turbulências que as protagonistas passam".
Manuela complementa sobre os temas sociais da obra: "A escolha da mulher negra partiu do princípio de que, infelizmente, ainda é a população mais vulnerável de nossa sociedade. São geralmente meninas e mulheres negras que são vítimas da prostituição infantil, pobreza extrema e violência urbana".
A baiana afirma que, ao sair do Brasil, começou a ver a realidade com outros olhos. Quando ainda morava em Salvador, pobreza, crianças de rua e outros elementos de desigualdade social não a chocavam como hoje. Na Alemanha, não existe essa miséria explícita das grandes cidades brasileiras. "Invariavelmente, toda vez que retorno ao Brasil, choco-me novamente. A tragédia humana de todos os dias não é mais banal, como antigamente. Com Encontro de marés, quis trazer essa indignação ao leitor. Por isso, não medi palavras ao tratar de temas ainda considerados tabus. Quis mesmo meter o dedo na ferida, porque a sociedade precisa se indignar de novo para que possa fazer algo a respeito", relata.
A autora comenta que seu estilo de escrita é visual, pois deseja que o leitor mergulhe na história: "Existem descrições de lugares e paisagens, e, principalmente, a conexão entre o olhar e o sentimento. Visualizar a história não é cansar o leitor com longas descrições, mas trazer o mundo ao redor através do que o personagem sente".

"A nossa música não poderia ficar de fora"

Para a epígrafe da obra, foram escolhidos por Manuela Marques Tchoe versos de Areia, canção de Marisa Monte. A saudade que a escritora sente do mar também é perceptível ao leitor. "Viver longe dele é duro para quem morou na costa brasileira! Ainda lembro dos meus primeiros anos na Alemanha e como sentia falta do mar. Encontro de marés realmente tem muito de mar, explora as nuances e humores do oceano."
Além da epígrafe, a MPB também está presente na publicação na opção criativa da autora por títulos de clássicos do cancioneiro nacional para denominar todos os capítulos do romance, como Garota de Ipanema, Coração vagabundo e Esperando na janela. Mais ainda, algumas músicas embalam certos trechos da narrativa, sendo significativas e marcantes na memória da personagem para aquele período da história (versos de Águas de março e Eu só quero um xodó, por exemplo).
Manuela analisa que a música brasileira é provavelmente o pilar mais rico de nossa cultura: "Nomear cada capítulo e cada parte do livro com uma música foi uma maneira de trazer musicalidade à obra e homenagear as nossas canções clássicas, além de incluir trechos de músicas de samba e forró. É claro, o uso de cada uma delas é referente ao conteúdo do capítulo (não foi uma escolha aleatória)".
Seu título anterior, Ventos nômades (PenDragon, 2018), é uma coleção de histórias de pessoas que dão uma guinada em suas vidas a partir de uma viagem, que também vivem choques culturais. "Ao passo que Ventos nômades é mais sobre sair do Brasil, Encontro de marés é sobre chegar no País", esclarece Manuela. Ela reconhece que a interculturalidade e as viagens são parte de seu repertório. "São temas riquíssimos, que podem ser explorados em diversos ângulos, e, como tenho certa experiência no assunto, é algo que pretendo continuar explorando nos próximos livros", completa.
O novo título está disponível na Amazon. Ela ainda não publicou em outras línguas, pois parte de seu público é o brasileiro imigrante, já que vive fora do Brasil. No entanto, espera que suas obras sejam traduzidas para alemão, inglês, etc.