Com doses de humor e momentos comoventes, a obra e o legado do escritor português José Saramago foram celebrados por um auditório lotado na noite de sexta-feira (5), na Pontifícia Universidade Católica (Pucrs), em Porto Alegre.
A universidade recebeu a presidenta da Fundação José Saramago, a jornalista espanhola Pilar Del Río, que também foi casada com o escritor por mais de duas décadas, e o escritor português José Luís Peixoto, que está lançando Autobiografia, um romance em homenagem ao escritor ganhador do Prêmio Nobel e falecido em 2010. A obra foi escrita para marcar os cinco anos do clube de leitura TAG - Experiências Literárias.
Mediado por Paulo Ricardo Kralik, pós-doutor pela Universidade de Lisboa e professor da Pucrs, o evento incluiu momentos emocionantes e descontraídos. Em um deles, Kralik leu um compilado tocante de dedicatórias feitas por Saramago para Pilar em seus livros, arrancando suspiros dos presentes: "A Pilar, minha casa. A Pilar, que ainda não havia nascido, e tanto tardou a chegar. A Pilar, que não deixou que eu morresse. A Pilar, como se dissesse água".
Perguntado sobre a experiência do primeiro contato com a obra saramaguiana, Peixoto explicou que a primeira obra do autor português que leu foi O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991), no auge da polêmica com o governo português que seria marco do texto. A obra foi censurada pelo secretário de Cultura da época em razão das críticas que fazia à religião católica.
Para Pilar, a pergunta gerou uma resposta bastante diferente. Bem humorada, contou à plateia que comprou seu primeiro romance de Saramago por imaginar que Memorial do Convento (1982) se tratava de uma literatura erótica redigida por freiras. "Depois que li o primeiro, voltei à loja e comprei tudo o que havia do autor", riu-se. "Quando terminei, pensei comigo mesma: eu quero o país deste senhor, a cultura deste senhor e este senhor", declarou, arrancando risos e aplausos da plateia.
Mais tarde, ao ouvir a pergunta sobre como Saramago fez para conhecer uma mulher como ela, foi categórica: "Ele teve que escrever muitos livros".
A personalidade forte e cativante de Pilar foi um dos pontos altos da noite. Falando em um espanhol pausado para ser mais bem compreendida, a jornalista e tradutora - que trabalhou muitas vezes inclusive nas traduções de livros de Saramago - falou do profundo respeito que o marido nutria por tradutores. "Menos por mim", tascou, novamente fazendo a plateia rir. Ela explicou que, por diversas vezes, o marido questionava suas decisões de tradução. "Nunca traduzam obras de pessoas que vocês conhecem, muito menos pessoas que moram com vocês", defendeu, sorrindo.
Em um momento de polarização política como o do Brasil, nem Peixoto nem Pilar deixaram de responder a questões sobre a importância da leitura e da educação e sobre o papel da mulher na sociedade e na literatura. Ativista do feminismo, Pilar foi enfática ao abordar a questão de gênero na literatura e frisou a necessidade de as mulheres tomarem cada vez mais espaço em todos os âmbitos.
Já Peixoto destacou a necessidade da leitura como caminho para a mudança e a evolução humanas: "Saramago mudou a vida de leitores porque esses leitores o encontraram, e ele se tornou especial. Ler é uma construção que pode não ser física, mas, para quem lê, é objetiva e muito concreta", afirmou.
A noite foi encerrada com uma sessão de autógrafos da obra escrita por Peixoto. Autobiografia será enviado para os cerca de 30 mil assinantes da TAG Curadoria em julho. A obra, que se passa na Lisboa da década de 90, acompanha a trajetória de um jovem escritor que vê seus caminhos se cruzarem com os de Saramago.