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Cultura

- Publicada em 25 de Fevereiro de 2019 às 01:00

Obra de Guimarães Rosa tem novas edições previstas para 2019

Sua obra 'Grande Sertão: Veredas' chega às livrarias pela Companhia das Letras e em duas edições

Sua obra 'Grande Sertão: Veredas' chega às livrarias pela Companhia das Letras e em duas edições


ARQUIVO BIBLIOTECA NACIONAL/DIVULGAÇÃO/JC
Ninguém poderia esperar, mas aquele homem que falava um mineirês manso e desfilava por aí com sua gravatinha borboleta deu vários socos de ódio na mesa. O ano era 1967, e Guimarães Rosa, membro do comitê que deveria avaliar uma proposta de unificação das ortografias brasileira e lusitana, estava uma arara. Era contra. Achava uma questão moral.
Ninguém poderia esperar, mas aquele homem que falava um mineirês manso e desfilava por aí com sua gravatinha borboleta deu vários socos de ódio na mesa. O ano era 1967, e Guimarães Rosa, membro do comitê que deveria avaliar uma proposta de unificação das ortografias brasileira e lusitana, estava uma arara. Era contra. Achava uma questão moral.
Quando reclamaram que assim ele desrespeitava os ilustres linguistas que inventaram aquela ideia, respondeu: "Não se pode abrir os braços sem acotovelar alguém". Para ele, a riqueza do português e suas variantes era um patrimônio inestimável.
O acordo ortográfico enfim veio, em 1990, mas Rosa deixou um testemunho desse amor em livros nos quais reinventa a língua. Eles começam a sair agora por novas editoras, depois de deixarem a Nova Fronteira, no ano passado.
Sua obra-prima, Grande Sertão: Veredas, chega, no fim do mês, às livrarias, pela Companhia das Letras, em duas edições - uma, comum (R$ 89,90), e outra, de luxo (R$ 1.190,00). Esta, limitada, terá 63 exemplares numerados. As informações são da Folhapress.
Os exemplares especiais terão capas feitas por bordadeiras de São Paulo e Minas Gerais, costuradas uma a uma e inspiradas em um manto do Bispo do Rosário. O desenho, criação de Alceu Chiesorin Nunes, traz os nomes de vários personagens do romance.
Em março, a Global começa a lançar suas edições, com o volume de contos Sagarana. Neste ano, saem, ainda, Primeiras estórias e Manuelzão e Miguilim, entre outros.
O motivo de as obras ficarem em editoras diferentes é uma divisão entre os herdeiros. Enquanto os direitos do principal livro de Rosa são dos herdeiros de Aracy Moebius de Carvalho, sua segunda mulher, as demais são compartilhadas com as filhas de seu primeiro casamento.
O que fica em suspenso é a situação dos inéditos do autor. O inventário de Rosa, morto em 1967, está aberto e corre em segredo de Justiça - os herdeiros do primeiro e do segundo casamento não chegavam a um acordo sobre a partilha dos direitos.
A Nova Fronteira vinha conseguindo publicar alguns, como textos da juventude e cartas com tradutores - mas, com o fim do contrato, devem ficar disponíveis só em sebos. As filhas do primeiro casamento se opunham, contudo, à publicação dos chamados Diários de Hamburgo, do período em que Rosa foi cônsul, entre 1932 e 1942, na cidade alemã e ajudou judeus a escaparem do nazismo.
Depois de décadas de polêmicas envolvendo os tais diários e outras obras não publicadas, o advogado Eduardo Tess de Carvalho Filho, neto de Aracy, diz que os herdeiros estão, finalmente, perto de um acordo sobre o tema.
"As conversas estão andando, acho que vamos chegar a bons termos, estão todos mais acessíveis", diz ele, sem dar detalhes, mas acrescentando que a ideia é chegar a uma solução ainda neste semestre. "Os Diários de Hamburgo fazem parte dessa negociação. Sempre fui favorável a que fossem publicados. Toda forma de entender o processo criativo do Joãozito é importante."
Uma vez que haja uma solução sobre o assunto, uma nova rodada de negociações com editoras pode ser feita. "Imagino que, depois do nosso acordo, possam haver novas negociações. As duas editoras seriam as primeiras a ser consultadas, é claro. Mas digo sem nenhum compromisso, é um mero raciocínio, isso ainda não está no meu radar."
Grande Sertão: Veredas é, portanto, o primeiro de uma leva que pode incluir mais ou menos livros, dependendo do sucesso dessas conversas. É normal que a obra intimide leitores menos assíduos - nela, Rosa inventou um idioma só seu, com uma mistura de neologismos, arcaísmos e influências de outras línguas, além de uma sintaxe própria. Mas ela é, sim, uma boa porta de entrada para a prosa do autor.
"É como um mato cerrado, cheio de espinhos, com tudo quanto é cipó, mas também cheio de flores", diz Érico Melo, que estudou a obra do autor no mestrado e também no doutorado na USP, e cuidou do estabelecimento do texto da nova edição. Rosa, o maior prosador brasileiro do século XX - curiosamente, nasceu no mesmo ano da morte de Machado de Assis, em 1908 -, estava atento à musicalidade da fala mineira. Por isso, quem sentir dificuldade, pode, no começo, apelar para a leitura em voz alta.
Profundamente místico, Rosa trata de temas como o sagrado, a guerra, a origem do mal e a natureza do amor. O cenário sertanejo é um espaço onde se desenrolariam dramas universais do homem - como diz o protagonista, o sertão está em toda parte.
Conhecer a saga de Riobaldo pelo sertão de Minas Gerais é como passar por uma nova alfabetização. No livro, o jagunço conta sua vida, as lutas sangrentas em que se meteu, o amor por Diadorim, seu companheiro de bando, e a busca por vingança que o leva a fazer um pacto fáustico com o diabo - quer nos convencer, e se convencer, de que o Cramulhão não existe.
Existindo ou não, para citar Riobaldo, as novas edições colocam o diabo outra vez na rua, no meio do redemoinho.
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