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Teatro

- Publicada em 29 de Abril de 2022 às 03:00

Biografias contam história do nosso teatro

Antonio Hohlfeldt
Dois livros lançados recentemente dão conta da vida de dois artistas das artes cênicas de Porto Alegre com enorme contribuição nas últimas décadas. Um deles é um diretor e veio do Rio de Janeiro, Luiz Paulo Vasconcelos. O outro é uma atriz, natural de Porto Alegre, com carreira desenvolvida no centro do país, mas que retornou aos pagos, Suzana Saldanha. Tenho tido a oportunidade, ao longo de algumas décadas, de largas convivências com ambos.
Dois livros lançados recentemente dão conta da vida de dois artistas das artes cênicas de Porto Alegre com enorme contribuição nas últimas décadas. Um deles é um diretor e veio do Rio de Janeiro, Luiz Paulo Vasconcelos. O outro é uma atriz, natural de Porto Alegre, com carreira desenvolvida no centro do país, mas que retornou aos pagos, Suzana Saldanha. Tenho tido a oportunidade, ao longo de algumas décadas, de largas convivências com ambos.
Suzana Saldanha é praticamente da mesma geração que eu. Em Nunca pensei em ser atriz ela recupera a memória de sua carreira, começando justamente pela opção que surgiu, num repente, depois de assistir a My fair lady, no então Teatro Leopoldina. Filha de família tradicional, vocacionada para ser professora, vai sofrer um trauma: seu noivo sofre um acidente fatal. Desnorteada, a jovem decide-se, de vez, pelo teatro. E ei-la ao lado de Maria Helena Lopes e Luiz Arthur Nunes. A carreira começava.
Sempre lembro de Suzana - felizmente, ela ainda está viva e muito bem viva, obrigado - a partir de sua risada. Suzana tem uma gargalhada espontânea, cativante, açambarcante... Quem há de lhe resistir. Ela encarna a alegria de viver. Mais recentemente, já aposentada como professora de artes dramáticas, mas não enquanto atriz, retornou a Porto Alegre para cuidar de sua mãe idosa. Mas com mil planos: espetáculos, livros de memórias, cursos e, sobretudo, cativar amizades. O volume publicado pela Ardotempo, de Alfredo Aquino, com capa de Gilberto Perin, seu velho amigo, é uma viagem no tempo. Mais que isso, uma reflexão apaixonada sobre a arte de representar. O que teria sido Suzana Saldanha se não atriz? Homem: Variações sobre o tema foi o primeiro espetáculo em que atuou dirigida pelo amigo de sempre, Luiz Arthur Nunes. Logo depois, fez um solo em Amiga telespectadora, ainda dirigida por Nunes. Mas havia o que hoje se pode denominar, claramente, uma geração de gente de teatro, incluindo Haydée Porto, José Ronaldo Faleiro, Maria Luiza Martini, Nara Kaiserman, Beto Ruas, Arines Ibias, Isabel Ibias, e assim nasceu o Teatro de Província, a que se juntaria, em algum momento, a artista plástica Magliani e o jovem escritor Caio Fernando Abreu, de quem se fizeram representar os primeiros textos. Não consultei meus arquivos, mas eu devo ter escrito sobre praticamente tudo o que Suzana Saldanha encenou em Porto Alegre. Por isso, ler seu depoimento - aliás, transformado no espetáculo solo de teatro com o mesmo título - é uma viagem no tempo. Em ambos, se reúne o depoimento e a reflexão sobre a arte dramática, mas sobretudo, seu amor - mais, sua paixão - pelo palco. Sim, pode ser que Suzana nunca tivesse pensado em ser atriz, mas o que mais ela seria, se não se tivesse tornado a atriz que é?
Um pouco diferente é o livro que o diretor teatral Luciano Alabarse escreve sobre seu amigo de toda a vida, Luiz Paulo Vasconcelos. Trata-se de Maestro Soberano, projeto mais pretensioso, transformando o texto em um verdadeiro objeto de arte, com um projeto gráfico de Flávio Wild, apresentando um texto não menos emotivo a respeito do diretor carioca.
A chegada de Vasconcelos ao Rio Grande do Sul não foi fácil. Logo depois do AI-5, muitos professores foram expurgados das universidades federais, dentre os quais aqueles da Ufrgs, em especial os da Faculdade de Letras e do Departamento de Arte Dramática. Gerd Bornheim, então diretor do DAD, foi um deles, e para substituí-lo, escolheu um professor recém chegado do Rio de Janeiro, sobre o qual logo pesaram desconfianças sobre sua vinculação com os "esbirros da ditadura". Eu era aluno do curso de Letras e cursava algumas disciplinas no DAD, onde, muito tempo depois, a convite de Ivo Bender e de Sergio Silva, viria a lecionar. Acompanhei, assim, mais ou menos de perto, todos estes acontecimentos. Não deve ter sido fácil, para aquele jovem diretor, que logo ao chegar encantou e provocou o público com uma montagem de A ópera dos três vinténs, de Brecht, enfrentar a situação. Mas Luiz Paulo sobreviveu e foi, aos poucos, merecendo o respeito de todos.
Os dois livros, cada um por caminhos diversos, a partir de dois personagens, de certo modo contam uma história em comum: a vitalidade do teatro em Porto Alegre. Uma vitalidade que devemos a gente como eles, a quem sempre devemos agradecer.
 
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