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Teatro

- Publicada em 08 de Outubro de 2021 às 03:00

Feliz reencontro com a ópera

Antonio Hohlfeldt
O maestro Evandro Matté tem sido um incansável difusor da ópera, com especial destaque para aquelas originadas da Renascença ou do Barroco, assim como composições que têm sido esquecidas, quer por mudança dos cânones estéticos vigentes, quer por simples preconceito. Creio que O acordo perfeito, de Adolphe Adam, se enquadra em vários destes aspectos.
O maestro Evandro Matté tem sido um incansável difusor da ópera, com especial destaque para aquelas originadas da Renascença ou do Barroco, assim como composições que têm sido esquecidas, quer por mudança dos cânones estéticos vigentes, quer por simples preconceito. Creio que O acordo perfeito, de Adolphe Adam, se enquadra em vários destes aspectos.
Adam é conhecido, ainda hoje, pela partitura musical de balés como Giselle e O corsário, presentes no repertório dos grupos de bailado do mundo inteiro. Foi colega do escritor Eugène Sue, autor, dentre outros, do folhetim Os mistérios de Paris. Adam parece ter cometido um pecado capital quando ousou variar a receita da chamada ópera italiana, explorando a ópera cômica, ainda no século XIX. Adolphe Adam viveu entre 1803 e 1856, pouco mais de cinquenta anos. Conviveu com o surgimento do folhetim nas páginas da imprensa parisiense, a partir de 1836, e neste sentido trouxe o folhetim para a representação operística. Muitos o consideram o criador da opereta. Teria sido uma das referências de Offenbach, anos depois.
O acordo perfeito é, talvez, hoje, uma ópera menor no repertório das orquestras, mas não no conjunto de peças de Adam, pois ele a produziu poucos anos antes de morrer. No mínimo, pelo tema escolhido, com libreto de Thomas Sauvage, aqui livremente adaptado por Flávio Leite para o ambiente do Rio Grande do Sul, e pela partitura produzida.
Uma cantora lírica, Coraline, em busca de garantia financeira para sua vida futura, aceita a corte de Don Belflor, um proprietário rural da campanha sul-rio-grandense, que costume frequentar os sofisticados ambientes culturais de Paris e muda-se para o Brasil. O marido, contudo, abastado estancieiro, logo retoma suas conquistas amorosas, deixando-a em casa, e frustrada: nem marido, nem carreira. É quando seu antigo amor, Tracolin, que atuava na mesma orquestra, desempregado, resolve vir em busca da amada. Do encontro do três, nasce o urdimento de trama simples e até ingênua, mas que cria um estranho triângulo amoroso com que se encerra a narrativa, em dois atos e pouco mais de hora e meia de espetáculo. Mais não podia dizer ou mostrar Adolphe Adam, em 1849, quando estreia sua obra, que alcançou enorme sucesso de público e teve sucessivas montagens, caindo depois no esquecimento.
Se Adam foi precursor no tema, ousando desafiar convenções de então, Matté foi sensível ao escolher a obra para esta montagem que não exige participação coral e necessita de um corpo orquestral relativamente pequeno. A adaptação de Flávio Leite, que também assina a direção cênica, cuidou do resto. A cenografia de Rodrigo Shalako foi prática: ambientou a sala de estar em que toda a encenação ocorre, logo á frente do espaço ocupado pela orquestra, flexibilizando, assim, o palco e permitindo uma encenação plasticamente leve e bem resolvida. Os figurinos de Antonio Rabadan caracterizam bem cada personagem, com destaque para o soprano Carla Domingues que, em sua interpretação, causa admiração, repartindo a cena com o tenor Giovanni Tristacci, que bem a acompanha, e o barítono Daniel Germano.
Se o desdobramento da trama parece simples, até trivial, sobretudo quando assistida nos dias de hoje, o mesmo não se pode dizer da partitura musical, evidentemente exigente para com o soprano (exige enorme extensão do registro) e mesmo com o tenor. Por outro lado, o fato de os recitativos terem sido traduzidos e adaptados para a língua portuguesa num contexto local, enquanto se manteve toda a partitura original no idioma francês, garantiu a fidelidade à obra, que teve legendagem a partir do texto original. Assim, ficam evidentes certas paráfrases e referências intertextuais, quer a óperas conhecidas na época (e ainda hoje), quanto a contos tradicionais, como o flautista de Hamelin (Tracolin é flautista), o que torna algumas passagens verdadeiramente hilárias.
O enredo segue a tradição dos vaudevilles que começavam a se popularizar, graças a Eugène Scribe, Eugène Labiche e Georges Feydeau. O acordo perfeito é encenada pela primeira vez no Brasil. A iniciativa do maestro Matté deve ser, por isso mesmo, louvada e valorizada. Mostra um regente atento, pesquisador e sobretudo, disposto a trazer novidades para nosso público, fugindo de lugares comuns. A reabertura da temporada da orquestra com público, e a primeira ópera a ser encenada no Teatro da Ospa, assim, não poderiam ter sido melhor marcadas do que com este espetáculo.
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