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Teatro

- Publicada em 04 de Junho de 2021 às 03:00

Outro duplamente diverso (mas semelhante) Paraíso

Antonio Hohlfeldt
O Ponto de Teatro, do Instituto Ling, selecionou, no ano passado, os textos que receberiam patrocínio da instituição para aquela temporada. Infelizmente, a pandemia impediu que os espetáculos subissem à cena na época. A programação foi transferida para este ano. O Instituto concentrou, em sete dias, aqueles espetáculos escolhidos, em apresentações inteiramente transformadas em performances eletrônicas. O primeiro texto apresentado foi Paraíso afogado, do alemão Thomas Köck, de quem o diretor João de Ricardo, que se assina agora JdR, com o elenco da Cia. Espaço em Branco já havia nos apresentado Tocar paraíso. Apesar do cruzamento dos títulos, Paraíso afogado nada tem a ver com a peça anterior, no sentido de que nem é sua continuação nem desdobramento. Mas, ao mesmo tempo, tem tudo a ver: em ambas as peças, por exemplo, temos um quarto de hospital que se transforma em espaço cênico. Na peça aqui primeiro encenada, a obra se iniciava com uma cena hospitalar, quando o filho chega para visitar o pai, que agoniza. Esta, de certo modo, se conclui numa UTI hospitalar, quando a filha chega para assistir à morte do pai, enquanto se preocupa com um contrato a ser assinado para uma nova produção de um espetáculo de dança, de que participará, e trata de garantir seu direito à (parca) herança. Naquela primeira peça, o filho, de certo modo, tentava uma aproximação com o pai; neste novo texto, a filha egoisticamente apenas aguarda o desfecho para apropriar-se do que lhe deixa, confinando a mãe em uma clínica geriátrica. Parece que, para Köck, espaços de UTIs servem para desmascaramentos, revelações ou encontros de personagens consigo mesmos... Na verdade, todo o nosso universo agoniza numa sala da UTI...

O Ponto de Teatro, do Instituto Ling, selecionou, no ano passado, os textos que receberiam patrocínio da instituição para aquela temporada. Infelizmente, a pandemia impediu que os espetáculos subissem à cena na época. A programação foi transferida para este ano. O Instituto concentrou, em sete dias, aqueles espetáculos escolhidos, em apresentações inteiramente transformadas em performances eletrônicas. O primeiro texto apresentado foi Paraíso afogado, do alemão Thomas Köck, de quem o diretor João de Ricardo, que se assina agora JdR, com o elenco da Cia. Espaço em Branco já havia nos apresentado Tocar paraíso. Apesar do cruzamento dos títulos, Paraíso afogado nada tem a ver com a peça anterior, no sentido de que nem é sua continuação nem desdobramento. Mas, ao mesmo tempo, tem tudo a ver: em ambas as peças, por exemplo, temos um quarto de hospital que se transforma em espaço cênico. Na peça aqui primeiro encenada, a obra se iniciava com uma cena hospitalar, quando o filho chega para visitar o pai, que agoniza. Esta, de certo modo, se conclui numa UTI hospitalar, quando a filha chega para assistir à morte do pai, enquanto se preocupa com um contrato a ser assinado para uma nova produção de um espetáculo de dança, de que participará, e trata de garantir seu direito à (parca) herança. Naquela primeira peça, o filho, de certo modo, tentava uma aproximação com o pai; neste novo texto, a filha egoisticamente apenas aguarda o desfecho para apropriar-se do que lhe deixa, confinando a mãe em uma clínica geriátrica. Parece que, para Köck, espaços de UTIs servem para desmascaramentos, revelações ou encontros de personagens consigo mesmos... Na verdade, todo o nosso universo agoniza numa sala da UTI...

Os paraísos mencionados em ambos os textos são semelhantes na falsidade, na imprevisibilidade, no caos... neste novo texto, o "paraíso" a Floresta Amazônica ocupada, violentada e destruída, tanto na sua fauna e flora, quanto em seus habitantes originais, os índios. A primeira versão já fora apresentada no Porto Alegre em Cena de 2020; a nova, como destaca o diretor, não é mais apenas "teatro filmado", como antes, mas uma construção de "kinoteatro", quer dizer, de cinema-teatro, perspectiva com a qual concordo. JdR, que em Tocar Paraíso mostrara criatividade e inventividade, lançando mão de um sem número de alternativas e práticas principalmente cênicas, a partir das sugestões do texto de Köck, produzindo um espetáculo brilhante e inovador (considerado o melhor do ano), aqui dá mais um passo: encontra uma nova linguagem, eminentemente híbrida, mas com identidade própria. Na versão de 2019, a imagem era intermediária. Agora, está inclusa. Mas se a nova produção valoriza o visual, não esquece a palavra, destacando-a através de trucagens da mesa de som e de edição, reiterando palavras e expressões: a imagem no espaço do palco translada-se para um espaço na tela do computador, que se torna um outro ambiente cênico, sem perder o sentido da linguagem eminentemente teatral. Continuamos com um espetáculo de artes cênicas em que diferentes elementos desta linguagem específica são combinados entre si e encontram outros caminhos de expressão. O resultado certamente é garantido pelo fato de que, embora a escrita dramatúrgica quebre o formato tradicional das rubricas, fragmentando-se fortemente, não sugeriu ao encenador nenhuma desvalorização do texto e da palavra, o que se evidencia no fato de as últimas imagens serem projetadas sobre páginas daquele texto contínuo, e até certo ponto verborrágico da obra original, em que a continuidade da frase valoriza o discurso, mesmo quando este é fragmentado nas realidades que evoca ou sugere. Alcançar este resultado quebrado e, ao mesmo tempo, necessariamente unitário que o espetáculo exige, é o desafio que JdR resolve a contento. Fica evidente que, se havia maturidade na encenação de 2019, a partir da escolha de determinada linguagem, uma outra maturidade é alcançada com o espetáculo de 2021, em que a linguagem apresentada é, ao mesmo tempo, imposição da pandemia (que obrigou ao distanciamento social) e opção para a expressão do artista. Neste sentido, importante a identidade entre o realizador e o elenco, e de ambos com a equipe técnica, sem o que nada teria ocorrido assim. Reencontramo-nos com um outro mesmo falso Paraíso, denunciado por Köck e JdR.

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