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Teatro

- Publicada em 14 de Maio de 2021 às 03:00

Dramaturgia de Antonio Callado

Antonio Hohlfeldt
Embora homem branco, e ainda por cima, com uma cultura europeizante muito forte, graças aos anos passados em Londres, trabalhando como jornalista na rádio BBC, durante a II Grande Guerra, Antonio Callado é o autor de um feito único na dramaturgia brasileira, as quatro peças teatrais reunidas sob o título de "teatro negro" e que foram assim editadas, pela primeira vez, em 1983, ainda que as obras, individualmente falando, datassem em parte de anos anteriores.
Embora homem branco, e ainda por cima, com uma cultura europeizante muito forte, graças aos anos passados em Londres, trabalhando como jornalista na rádio BBC, durante a II Grande Guerra, Antonio Callado é o autor de um feito único na dramaturgia brasileira, as quatro peças teatrais reunidas sob o título de "teatro negro" e que foram assim editadas, pela primeira vez, em 1983, ainda que as obras, individualmente falando, datassem em parte de anos anteriores.
Este assim chamado "teatro negro" está composto por Pedro Mico (1957), Uma rede para Iemanjá (1961), O tesouro de Chica da Silva (1962) e A revolta da cachaça (1983). A relativamente recente reedição das obras do autor coloca com bastante facilidade tais textos à disposição de um eventual interessado (a editora Nova Fronteira republicou estes textos em 2004, sob os auspícios da Academia Brasileira de Letras, que Callado integrou nos últimos anos de vida).
A tetralogia do "teatro do negro" evidentemente chama a atenção para a presença de personagens negros como as figuras de destaque nos enredos. Em Pedro Mico, o dramaturgo ainda paga tributo a um certo folclorismo que envolve a figura do negro marginal, morador de favela carioca, capaz de enfrentar a polícia e um Don Juan permanente; já Uma rede para Iemanjá é, de fato, uma certa recriação da mitologia africana, por muitos considerada como um "auto de Natal" bastante emocionante; O tesouro de Chica da Silva alcançou a maior repercussão, transformada em telenovela, primeiro pela Globo, depois pela Bandeirantes, chegando a uma versão cinematográfica que, na sombra do sucesso da produção da Globo, manteve Zezé Motta como sua principal intérprete: foca uma figura histórica da época do ouro das Minas Gerais e, para mim, é a mais elaborada das quatro obras de Callado.
Por fim, temos A revolta da cachaça, uma obra que explora um processo metalinguístico muito interessante e que evidencia a crescente sofisticação da criação dramática de Callado, desde suas primeiras obras para o teatro, como O fígado de Prometeu (1951) e A cidade assassinada (1954), mostrando que Callado não foi dramaturgo de passagem, pelo contrário. Seus primeiros textos são textos para o teatro. Só à medida em que sua experiência literária cresce ele centraliza suas atenções no romance.
O tesouro de Chica da Silva é uma obra significativa porque permite ao dramaturgo dois tipos de prática: de um lado, a exploração de um estudo psicológico bastante denso, na medida em que em torno de Chica da Silva circulam três diferentes homens que sintetizam os múltiplos sentimentos provocados por esta mulher negra, tradicionalmente simbolizada como referência sexual: o contratador de diamantes João Fernandes é seu amante; português do reino, vem ao Brasil administrar as minas; compra a negra como sua escrava sexual mas efetivamente apaixona-se por ela e, à sua maneira, inverte os papéis: ele se torna seu escravo e a transforma em sua verdadeira companheira, marginalizando a esposa original, que figura na corte; na peça, surge ainda o execrando Conde de Valadares, então Governador da capitania de Vila Rica e que, diante de denúncias de desvios de ouro, por parte de João Fernandes, vem, não apenas questioná-lo quanto, se possível, ocupar seu lugar, denunciando o contratador mas ele próprio, apesar do discurso moralista, querendo usurpar seus bens e vantagens, inclusive a negra escrava: para ele, Chica da Silva não passa de uma possibilidade sexual cuja posse deve ser exercida mediante a desqualificação da mulher; por fim, o jovem Dom Jorge, nobre lisboeta que acompanha o Conde, ingênuo e utópico, apaixona-se pela antiga escrava, seduzido por sua astúcia e sua sabedoria. Na peça, não titubeia em sacrificar sua própria vida em favor da mulher.
A outra prática é a paródia que revela as distâncias e diferenças culturais. Com uma peça dentro de outra peça, Callado faz representar parte de um drama da época, a Comédia Eufrosina, do quinhentista Jorge Ferreira de Vasconcelos, cujo diálogo, pomposo e palavroso, é absolutamente incompreensível. O contraste se faz com o batuque que os negros desenvolvem no pátio da fazenda e a representação faustosa e artificial da obra, síntese daquelas relações que ali se desenvolvem e, enfim, metáfora das relações entre Portugal e Brasil.
Falecido em 1997, o sucesso do romancista não se tem repetido na dramaturgia. Mas acho que deveríamos resgatar a dramaturgia de Callado, ele merece e, sobretudo, o Brasil precisa.
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