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Teatro

- Publicada em 30 de Abril de 2021 às 03:00

Dramaturgia documental necessária

Antonio Hohlfeldt
Logo no início da temporada teatral de 2020, poucos dias antes de a Covid nos invadir e dominar, fechando teatros e isolando o mundo inteiro, talvez como uma metáfora premonitória, mas sobretudo como uma denúncia absolutamente necessária do que ocorre à nossa volta sem que, na maioria das vezes, ousemos nos conscientizar e reagir a tais acontecimentos, estreava a peça Palácio do fim, da dramaturga canadense Judith Thompson (nascida em 1954), em montagem da Cia. Incomode-Te, de teatro, com direção de Carlos Ramiro Fensterseifer, responsável, ao lado da atriz Liane Venturella, pela tradução do texto. A obra, de 2007, foi escrita ainda durante a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, com a participação das tropas, dentre outros países, da Inglaterra.
Logo no início da temporada teatral de 2020, poucos dias antes de a Covid nos invadir e dominar, fechando teatros e isolando o mundo inteiro, talvez como uma metáfora premonitória, mas sobretudo como uma denúncia absolutamente necessária do que ocorre à nossa volta sem que, na maioria das vezes, ousemos nos conscientizar e reagir a tais acontecimentos, estreava a peça Palácio do fim, da dramaturga canadense Judith Thompson (nascida em 1954), em montagem da Cia. Incomode-Te, de teatro, com direção de Carlos Ramiro Fensterseifer, responsável, ao lado da atriz Liane Venturella, pela tradução do texto. A obra, de 2007, foi escrita ainda durante a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, com a participação das tropas, dentre outros países, da Inglaterra.
O texto dramático é composto de três fragmentos, não sei qual deles mais abominável, todos eles no formato de monólogos que se tornam, por isso mesmo, documentos dos acontecimentos, pois todos se referem a personagens e fatos reais, de pleno conhecimento público e ampla cobertura midiática mundial: Minhas pirâmides é um conjunto de reflexões envaidecidas de uma militar norte-americana denunciada por torturar sexualmente e humilhar soldados iraquianos prisioneiros dos norte-americanos; Colinas de Horrowdown faz referência ao lugar em que o corpo de um cientista inglês foi encontrado, provavelmente assassinado, depois de confessar ter mentido e denunciar publicamente inexistirem armas letais no Iraque que tivessem justificado sua invasão; o fragmento acompanha os imagináveis [últimos momentos do cientista, em agonia, depois de ter sido ferido; por fim, Instrumentos de angústia, o texto mais longo, que cobre quase metade do espetáculo, de cerca de hora e meia de duração, é o depoimento de uma mulher iraquiana, presa e torturada pela polícia secreta do país, para revelar o paradeiro de seu marido, que era militante de oposição; a polícia secreta prende à mulher e dois de seus filhos, um deles adolescente e outro com apenas 8 anos de idade, que é torturado até a morte. Libertada, a mulher vem a morrer atingida por uma bomba norte-americana e agora, enquanto fantasma, ela perambula por Bagdá, à espera da paz para reencontrar-se com o filho pequeno.
Esta simples tentativa de síntese do que seja o trabalho que a partir do dia 5 de maio estará disponível nas redes sociais, com renda que reverterá para a Casa do Artista Riograndense, é suficiente para dizer da importância e da oportunidade deste trabalho. Já o havia assistido quando da estreia de março de 2020, saindo impactado do espetáculo que ocorreu em ambiente reduzido e asfixiante da Galeria La Photo, no bairro Bom Fim. A versão trazida agora às redes sociais, com direção de filmagem de Guilherme Carravetta de Carli e fotografia de Boca Migotto torna o trabalho ainda mais impactante, sobretudo porque utiliza fragmentos de filmes documentários e câmera em plano americano (da cintura para cima) ou primeiro plano, aproximando o rosto do personagem.
Liane Venturella e Nelson Diniz vivem os dois personagens principais, enquanto Fabiana severo e Sandra Possani interpretam a militar. Os contrastes ajudam a criar o contraste buscado pelos três textos: os filmes documentários sobre a militar; o ambiente que se desvanece em meio a véus da morte do cientista; e o depoimento, direto, olho no olho, da mulher a-torturada e assassinada.
Esta coluna, propositadamente, antecipa a temporada digital, entre 5 e 16 de maio, entendendo que conhecer este texto e refletir sobre o que ele discute é fundamental para enfrentarmos um crescente comportamento de inconsciência que vem caracterizando nosso tempo, marcado por um ampliado egoísmo e tendência ao descarte de quaisquer acontecimentos que possam nos incomodar ou tirar de nosso conforto, como reflete o cientista prestes a morrer.
Liane Venturella é ainda mais impactante nesta versão em vídeo do que na montagem teatral original. Nelson Diniz ganha densidade. O documentário de abertura parece ser filme de terror. Mas o espetáculo se torna obrigatório. Até porque, guardadas as proporções, é sempre bom não esquecer que algumas dessas coisas aconteceram, acontecem ou podem acontecer em nosso dia a dia, bem aqui, ao nosso lado. E nem estamos em guerra... ou estamos?
 
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