Tudo parecia andar bem, na iniciante temporada das artes cênicas de 2020. As programações dos nossos teatros prometiam grandes atrações, mas por volta do dia 16 de março a pandemia se evidenciou entre nós e as salas começaram a ser fechadas, as programações foram, primeiro transferidas; depois canceladas, e entramos numa experiência absolutamente impensável, até então. Primeiro, tivemos uma interrupção, pura e simplesmente, de toda e qualquer performance. Não se sabia exatamente o que fazer. Isso perdurou até fins de junho e começo de julho. Então, parece que a virada da metade do ano e a certeza de que a pandemia viera para ficar, havia que se buscar alternativas - o que fez com que as primeiras propostas de espetáculos e de programação, através das redes digitais, surgisse como solução para o impasse.
O Sesc de São Paulo foi das primeiras instituições a concretizar esta proposta. A série Musica#EmCasa-ComSesc, para a música popular e a música instrumental, e a série #EmCasacomSesc, dedicada ao teatro, abriram estas iniciativas. Num primeiro momento, utilizou-se o Instagram, logo depois, o YouTube. Localmente, o Departamento de Arte Dramática da Ufrgs abriu o projeto TPE - Teatro, Pesquisa, Extensão, que passou a possibilitar espetáculos produzidos por seus alunos, alguns dos quais já haviam tido performances no palco do teatrinho da avenida Salgado Filho, mas que foram repensados e reconceituados para as redes, mais uma vez, valendo-se do Instagram, do YouTube e também do Facebook.
O Theatro São Pedro, aproveitando a data de seu aniversário, 27 de junho, havia planejado uma programação diária, a ser desdobrada ao longo de uma semana, com espetáculos que seriam apresentados no palco do teatro, ainda que a plateia estivesse vazia, e que seriam transmitidos ao vivo pelo Instagram e YouTube. A bandeira vermelha, contudo, obrigou a casa da Praça Deodoro a cancelar os espetáculos ao vivo, limitando-se a gravações distanciadas, depois montadas e editadas, de peças teatrais e shows musicais. Em setembro, a centenária casa aproveitaria a Semana Farroupilha e chegaria a produzir alguns espetáculos transmitidos diretamente de seu palco, com os apoios institucionais da Câmara Municipal de Porto Alegre e da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, além de patrocinadores privados. A Sedac lançaria o edital denominado FAC Digital, que analisou, aprovou e apoiou a produção de diferentes trabalhos produzidos neste formato. Gradualmente, encontravam-se alternativas. Em agosto, ocorreria o 1º. Festival Internacional de Videodança do Rio Grande do Sul, através da UFPel, e, em outubro, seria lançado o Porto Alegre em Cena, numa versão totalmente reinventada e transmitida exclusivamente através de redes digitais.
A atriz Denorah Finnochiaro idealizou e concretou a websérie Confessionários - Relatos de casa, para discutir especialmente uma outra epidemia que crescera fortemente neste período, a violência doméstica contra as mulheres, resultante do confinamento obrigatório. Idealizada a partir do trabalho da advogada especializada Gabriela Ribeiro de Souza, em cada episódio da mesma, lançado semanalmente, uma atriz encarnava uma personagem, multiplicando-se os casos e as reflexões a respeito do tema.
Dentre outras tantas iniciativas - e a variedade evidencia que as alternativas buscadas apareceram - o Centro Histórico Cultural da Santa Casa produziu o CHConecta, que também estreou em julho. Em junho, com mediação da Assembleia, o Banrisul publicou edital para shows virtuais, enquanto a Aliança Francesa também trouxe propostas, a partir daquele mesmo mês, com o Grupo Jogo.
Em síntese, se em março perdemos o chão, a partir de junho ele foi reencontrado, graças à criatividade e à inventividade de nossos artistas e ao apoio decidido de diferentes entidades culturais, universitárias e políticas. Estamos fechando o ano, infelizmente, ainda enfrentando este desafio. Embora os espaços venham a reabrir (esperamos que em breve), teremos outros problemas, dentre os quais os financiamentos, diante do reduzido público que poderemos receber nas salas. Mas, certamente, também encontraremos soluções e seguiremos em frente.
A temporada de 2021 deverá ser melhor que a deste ano, apesar de todas as dificuldades. Nossa primeira temporada digital, de qualquer modo, já é parte da história das artes cênicas, lembre-se disso.