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Teatro

- Publicada em 18 de Dezembro de 2020 às 03:00

Mais sobre Clarice Lispector

No último dia 10 de dezembro celebraram-se os cem anos de nascimento de Clarice Lispector. Há duas semanas, iniciei uma série de três artigos, que hoje se encerra, para falar a respeito de sua relação com o teatro. Chamei a atenção, sobretudo, para o fato - praticamente desconhecido - de que ela havia escrito uma peça de teatro, que comentei na semana passada, denominada A pecadora queimada e os anjos harmoniosos. Mas o livro de André Luís Gomes, a que já aludi aqui há duas semanas, Clarice em cena (Editora da UNB, 2007) vai mais longe e propõe, num volume que, à primeira vista parece caótico, mas cuja lógica depois se revela à medida em que o leitor avança por suas páginas, "as relações entre Clarice Lispector e o teatro" sob todos os seus aspectos.
No último dia 10 de dezembro celebraram-se os cem anos de nascimento de Clarice Lispector. Há duas semanas, iniciei uma série de três artigos, que hoje se encerra, para falar a respeito de sua relação com o teatro. Chamei a atenção, sobretudo, para o fato - praticamente desconhecido - de que ela havia escrito uma peça de teatro, que comentei na semana passada, denominada A pecadora queimada e os anjos harmoniosos. Mas o livro de André Luís Gomes, a que já aludi aqui há duas semanas, Clarice em cena (Editora da UNB, 2007) vai mais longe e propõe, num volume que, à primeira vista parece caótico, mas cuja lógica depois se revela à medida em que o leitor avança por suas páginas, "as relações entre Clarice Lispector e o teatro" sob todos os seus aspectos.
O livro resulta de uma pesquisa exaustiva e ao autor todos ficamos devendo não só a dedicação quanto a perseverança. O que logo avulta, numa espécie de "portal" das relações da escritora cm o teatro, é que Clarice Lispector era uma espectadora constante. Isso fica evidente na passagem "O teatro na correspondência". Mais que isso, ela se dedicou, em algum momento, a escrever crônicas sobre o teatro, ou seja, deixou de ser uma espectadora anônima para assumir uma função profissional de "comentadora" de espetáculos a que assistia. Então, há uma mudança de tom significativa: na correspondência, em especial aquela trocada com o escritor Lúcio Cardoso, que era dramaturgo, ela evidencia certo conhecimento da arte dramática. Mas ela troca ideias também com Paulo Francis, dentre outros amigos jornalistas, e Paulo desenvolvia atividades de crítico teatral (pode-se consultar o volume Opinião pessoal, Civilização Brasileira, 1966).
Outro aspecto importante é a atividade, também jornalística, de Clarice Lispector, entrevistando figuras do meio teatral. André Luís Gomes registra Tônia Carrero, Bibi Ferreira, Tarcísio Meira, Jardel Filho e Paulo Autran, ocasião em que ela não se limita a perguntas, mas exerce a plena e ampla troca de ideias com seus entrevistados.
Chegamos, então, ao momento dedicado, no livro, às suas traduções e versões. Diz o estudioso que teria sido por "necessidade financeira". De fato, depois de seu divórcio do embaixador Paulo Gurgel, Clarice precisa trabalhar para sobreviver. Engaja-se no jornalismo, mas suas relações de amizade a levam muito próximo da ribalta. O domínio do idioma português e seu conhecimento de outras línguas permitem-lhe exercitar-se enquanto tradutora. O inventário registrado por Luís Gomes refere as peças A gaivota, de Anton Tchekov; A casa de Bernarda Alba, do espanhol Garcia Lorca; Hedda Gabler, de Henrik Ibsen; The member of the wedding, do norte-americano Carson MacCullers; e Sotoba Komachi, do japonês Yukio Mishima. Há um dado em comum a todas as peças: uma preocupação com temas que, diríamos hoje, são feministas.
O bloco seguinte é o mais importante. Depois de já ter apresentado o único texto dramático criado por Lispector, André Luís Gomes traz algumas análises sobre a peça, escritas por estudiosos os mais diversos, com especial atenção à linguagem teatral por ela adotada. A parte final do livro, e que ocupa pouco menos que a metade do volume, está dedicada a um cuidadoso e meticuloso levantamento dos espetáculos criados a partir dos textos em prosa da escritora. O levantamento inclui, não apenas espetáculos teatrais, quanto transposições para o cinema e a televisão. No caso do cinema, talvez um dos mais bem concretizados seja A hora da estrela, de Suzana Amaral (1986). O mesmo texto também teve adaptação para a televisão, além do conto Feliz aniversário, cuja versão de Antonio Carlos Fontoura, em 1978, alcançou excelente repercussão.
No teatro, o que fica evidente é que a maior parte dos espetáculos se constituem em recriações a partir de contos, diários ou correspondência da escritora. Na transposição de obras inteiras, uma das raras exceções parece ser Perto do coração selvagem, de Fauzi Arap, com Glauce Rocha e Dirce Migliaccio. Só este capítulo do livro vale o conjunto da obra. Mas André Luís Gomes, ao final, nos apresenta um conjunto de referências bibliográficas que é uma contribuição à parte, porque sintetiza anos de pesquisa e de estudo.
Em síntese, assim como, felizmente, o centenário da escritora não parece ter passado em branco, sua obra, no conjunto, também não ter fica desapercebida. Felizmente para todos nós, seus leitores.
 
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