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Teatro

- Publicada em 20 de Novembro de 2020 às 03:00

Obras autorais fragmentárias tentam expressar realidade através de novas linguagens

Antonio Hohlfeldt
Minha última coluna a respeito do Porto Alegre em Cena, em sua 27ª edição (ou será a primeira de uma nova era?) pretende propor ao leitor e espectador do festival, uma certa síntese a respeito do que assistimos. Primeira e óbvia observação: nunca mais o festival será igual. Melhor, nunca mais o conceito de "espetáculo" será igual, desde este ano pandemíaco de 2020. Segunda observação: se acompanhamos a história das artes cênicas, podemos constatar que há um deslocamento do espetáculo coletivo e ritualístico das primeiras manifestações mais antigas de civilizações primárias, para a valorização de um texto - de onde a dramaturgia - depois um crescente retorno à valorização do trabalho do ator, agora individualizado enquanto um "artista" e que não coincide mais com a comunidade, porque dela se destaca e diferencia; até chegarmos à ditadura do diretor e idealizador do espetáculo, que dispensa texto dramático e valoriza a improvisação. Chegamos ao pós-dramático.
Minha última coluna a respeito do Porto Alegre em Cena, em sua 27ª edição (ou será a primeira de uma nova era?) pretende propor ao leitor e espectador do festival, uma certa síntese a respeito do que assistimos. Primeira e óbvia observação: nunca mais o festival será igual. Melhor, nunca mais o conceito de "espetáculo" será igual, desde este ano pandemíaco de 2020. Segunda observação: se acompanhamos a história das artes cênicas, podemos constatar que há um deslocamento do espetáculo coletivo e ritualístico das primeiras manifestações mais antigas de civilizações primárias, para a valorização de um texto - de onde a dramaturgia - depois um crescente retorno à valorização do trabalho do ator, agora individualizado enquanto um "artista" e que não coincide mais com a comunidade, porque dela se destaca e diferencia; até chegarmos à ditadura do diretor e idealizador do espetáculo, que dispensa texto dramático e valoriza a improvisação. Chegamos ao pós-dramático.
A pandemia, obrigando-nos ao chamado distanciamento social, acelerou este processo. Resultado: não tivemos um único espetáculo, no festival deste ano, que partisse de um texto dramático anterior. Todos os trabalhos foram extremamente autorais. A primeira constatação é que esta seleção depende muito dos curadores do festival, neste ano, capitaneados por Fernando Zugno. E Fernando escreve, no artigo Corpo brasilis, que abre a edição da revista Corpo Futuro Presente que, também na afirmação dele, veio para ficar: "Sempre soube que não queria fazer um festival de espetáculos de palco filmados e colocados na web". Não fez. Conseguiu apresentar uma criativa e múltipla coleção de propostas cênicas que nasceram de uma impossibilidade, tornaram-se uma alternativa e acabaram se afirmando como um horizonte. O aspecto da obra autoral é uma dessas características. Tudo aqui é novo. Tudo aqui parte de certo modo do zero (corpo futuro), tudo aqui, enfim, se apresenta enquanto processo e enquanto proposta: nada está concluído, nada é definitivo.
Segunda consequência é a radical experimentação de linguagens. Se Fernando Zugno não queria teatro filmado para a web, muito menos os artistas queriam teatro filmado em seus currículos. Então, todos buscaram explorar ao máximo as tecnologias disponibilizadas. Uma das experiências mais radicais foi Terra adorada, neste sentido.
Mas há um desafio: ao abrir mão do texto, o espetáculo se volatiliza. Salvo se ele conseguir ficar documentado nas redes ou através delas. Fico pensando com o quê contaremos, do que disporemos, daqui a 20 anos (não precisamos ir mais longe) para falarmos a respeito deste ano do festival? A urgência em encontrar alternativas fez com que a experimentação tornasse os espetáculos essencialmente fragmentários e, ao mesmo tempo, quase jornalísticos, em sua ânsia de recriar e refletir a respeito do aqui e agora. Então, não sei o quanto tais trabalhos serão compreensíveis daqui a alguns anos, mesmo que hoje nos emocionem e nos provoquem, como um roman-clé ou uma caricatura: se a gente não tiver o referencial em torno do qual a obra foi proposta, perderemos sua fruição ou ela se tornará muito tênue.
Por fim: o desafio de se colocar em exposição, em risco, de deixar a zona de conforto, de se dispor ao recomeço, como ocorreu, por exemplo, com Paraíso afogado, cujo grupo experimentou um estrondoso reconhecimento, no ano passado, mas teve a coragem de, neste ano, zerar a experiência anterior e começar tudo de novo... As questões do preconceito racial; as dificuldades quanto à igualdade de espaços e de reconhecimento para os diferentes gêneros; o sentimento da precariedade da sobrevivência, quer por causa da pandemia que, esperemos, será passageira; muito mais por causa de nossos contextos político-partidários, em que um presidente do País é capaz de afrontar o bom senso e o mínimo de civilidade e cada minuto; tudo isso fez-nos experimentar o Apocalipse mas, nele, encontrarmos alternativas. Assim foi este festival.
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