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Teatro

- Publicada em 22 de Outubro de 2020 às 21:37

Noite de estreia: delimitação do território

Antonio Hohlfeldt
Escrevo exatamente no momento em que o primeiro espetáculo do 27º Porto Alegre em Cena se encerrou. Trata-se de Carcaça, que alcançou média de 234 espectadores através da plataforma Zoom, viabilizada pela Sympla, que é a produtora parceira do festival, neste ano.

Escrevo exatamente no momento em que o primeiro espetáculo do 27º Porto Alegre em Cena se encerrou. Trata-se de Carcaça, que alcançou média de 234 espectadores através da plataforma Zoom, viabilizada pela Sympla, que é a produtora parceira do festival, neste ano.

Sob o tema geral Corpo, o espetáculo de estreia teve a participação de João Gabriel (Jô), numa performance com roteiro dele mesmo e de João Pedro Madureira, com trilha sonora de Mailson Fantinel.

Com pouco mais de 45 minutos de duração, o espetáculo evidenciou uma preocupação em buscar uma linguagem que fosse essencialmente cênica, mas que não deixasse de encontrar uma expressividade específica do novo meio, que é o do vídeo (ou do cinema, como o leitor preferir). Ao mesmo tempo, o tema proposto se coloca provocativamente, ao apresentar para discussão a questão da identidade sexual.

O espetáculo se abre com uma espécie de aula de anatomia, em que o personagem/narrador/testemunho apresenta, segundo ele, o único atlas do corpo humano (masculino) em 3D encontrável da rede de computadores. Se um atlas é um conjunto de mapas, e o conceito está ancorado na Geografia, não é menos verdade que há outros sentidos para a palavra: ela pode relembrar a figura do titã Atlas, castigado por ter tentado, com outros seus semelhantes, destronar Zeus. Ou referir a primeira vértebra do corpo humano, na parte traseira da cabeça, justo na junção entre cabeça e tronco.

Colocadas estas premissas, o personagem imediatamente diz que, apesar de tudo, ele não é um homem, perguntando-se sobre o que seria, afinal, um homem? Aqui se inaugura, de certo modo, um segundo momento do espetáculo, que se vai desenvolver até o final: a reflexão a respeito dos significados da identidade sexual.

Valendo-se de adereços que mais me lembraram vísceras do que carcaça, trazendo uma citação visual de uma célebre passagem do filme 2001: Uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick (quando o osso é jogado ao ar pelo macaco e se transforma na espaçonave interplanetária), estabelecendo diálogo com o público que pode se manifestar através do chat ou oralmente, com o microfone que então está aberto, surgem relações com os contextos imediatos, como a referência ao senador encontrado pela Polícia Federal com dinheiro na cueca, e por aí afora.

O trabalho é dinâmico, provocativo, às vezes, de um gosto duvidoso, mas chega ao que parece ser a proposta central do trabalho: a necessidade da redistribuição, por exemplo, de terras, mas também da violência de que são vítimas, dentre outros, os homossexuais. No final do trabalho, o personagem sobe ao terraço de um prédio bastante alto e, na noite iluminada pelos prédios distantes, grita pela mãe.

João Gabriel e João Pedro Madureira fizeram o primeiro movimento de um festival que, por tudo e em tudo, promete ser um marco na história desta iniciativa: pela alternativa encontrada/proposta diante da pandemia; pela escolha de um tema evidentemente polissêmico e que, por isso mesmo, se apresenta aberto a todas as leituras possíveis, o que vamos avaliar ao longo dos próximos dez dias, pelo conjunto dos espetáculos selecionados e trazidos a esta nova ribalta.

O que é importante se dizer é que a performance proposta alcançou o desenvolvimento de uma linguagem específica, adaptada ao meio de intermediação escolhido, mostrando que, sim, temos caminho pela frente.

As reações dos que acompanharam o trabalho, ao final do mesmo, mostram que havia muita expectativa. E pudemos vivenciar uma situação nova, a manifestação de familiares do intérprete que, pela potencialidade da rede, puderam acompanhar de perto a todo o trabalho e manifestar, com clareza, seu apoio ao grupo de artistas, especialmente o intérprete. Há uma nova sintaxe em construção, e é isso que vamos procurar acompanhar, identificar e entender, ao longo deste festival.

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