Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Teatro

- Publicada em 07 de Agosto de 2020 às 03:00

Martins Pena, nosso primeiro cronista dramático

Antonio Hohlfeldt
Começamos a falar, na semana passada, sobre o dramaturgo Martins Pena, na verdade, nosso primeiro e ainda atual comediógrafo. Sua atividade cobriu, basicamente, um período curto, de 1828 a 1848, mas suas criações perduram ainda hoje, com um brilho e uma eficiência de recriação e de crítica raras se pensarmos a (escassa) dramaturgia nacional do século XIX.
Começamos a falar, na semana passada, sobre o dramaturgo Martins Pena, na verdade, nosso primeiro e ainda atual comediógrafo. Sua atividade cobriu, basicamente, um período curto, de 1828 a 1848, mas suas criações perduram ainda hoje, com um brilho e uma eficiência de recriação e de crítica raras se pensarmos a (escassa) dramaturgia nacional do século XIX.
Havia apenas vinte anos que o Brasil deixara de ser colônia, ao menos formalmente. Mas continuava sem grandes centros urbanos. O movimento cultural, de qualquer modo, se apresentava: ainda em 1813 Dom João VI criara o Real teatro de São João, onde Luís Carlos assistia e escrevias sobre os espetáculos. Muitas vezes vamos encontrar, em suas crônicas, registros das "assoadas" e "pateadas" que ocorriam nas salas de espetáculos: as grandes atrizes possuíam torcidas que se digladiavam entre si, apupando os artistas ou batendo com os pés nos assoalhos (de madeira), o que praticamente impedia que o espetáculo ocorresse. Era assim, então.
Mas já havia sido criado um jornal em Salvador da Bahia (As variedades ou ensaios de literatura, de Diogo Soares da Silva Bivar, 1812) e no Rio de Janeiro circulou O patriota (1813); em 1839 publicava-se o primeiro romance-folhetim nas páginas do Jornal do Comércio, também no Rio de Janeiro (Olaia e Júlia, ou Periquita); em Portugal, Almeida Garret escrevia alentado ensaio reconhecendo uma personalidade própria à literatura brasileira em face da portuguesa, mesma linha de avaliação do francês Ferdinand Denis, e em 1836, ainda que em Paris (!!!) Gonçalves de Magalhães publicara o primeiro número da revista Niterói, com o que estavam lançadas as bases do Romantismo brasileiro, solidificado quando o escritor, de volta ao país natal, faz encenar (1838), a tragédia Antonio José ou o Poeta e a Inquisição, que o grande ator João Caetano interpretaria.
Naquele mesmo ano, referi na semana passada, Martins Pena tinha a comédia Juiz de paz na roça também encenada pela primeira vez. As personagens que se sucederão em suas comédias são eminentemente brasileiras - tipos humanos, ainda que às vezes caricaturizados - jovens casadoras, mas não necessariamente passivas; escravos que tratam de resolver seus problemas, além daqueles de seus amos; recursos cênicos ingênuos mas sempre comicamente produtivos (esconderijos, apartes hilários, duplos sentidos de palavras e frases, etc.).
Sílvio Romero, quem primeiro escreveu sobre ele, considera-o seguidor da comédia de costumes dos latinos Plauto e Terêncio; misturando um pouquinho do elemento poético de Gil Vicente e da comicidade brilhante de Molière. Provoca um riso ingênuo, mas crítico; não é moralista, no sentido estrito, porque não doutrinador, mas evidencia uma observação que reconhece as falhas e as manias de uma sociedade ainda em formação.
Romero reconhece que, "se se perdessem todas as leis, escritos e memórias da história brasileira dos primeiros 50 anos do século XIX e só ficassem as comédias de Martins Pena, era possível reconhecer por elas a fisionomia mora de toda uma época". O exigente crítico e historiador tira o chapéu para Martins Pena!
Quanto aos temas, é surpreendente o que chama a atenção do comediógrafo: sestro do brasileiro contra o estrangeiro mas, ao mesmo tempo, certo sentimento de inferioridade; nostalgia do "velho tempo" colonial; acusação ao governo de incompetência; queixas contra a "carestia"; rechaço à cultura mas mitificação do diploma de bacharelado; tendência a falsificar tudo, inclusive dinheiro!!!, "símbolos da canastrice nacional", sintetiza o crítico. Martins Pena, na verdade, não inventa, ele é um excelente observador e reproduz a realidade e, por isso mesmo, e dadas as condições de então, deve ser considerado um "fenômeno intelectual". Possui graça espontânea, fácil, para José Verissimo, embora ás vezes descambe para asa cenas de pancadaria, dramaticamente pobres, acusação de que foi objeto até mesmo Molière.
Este verdadeiro "cronista" do Brasil social e doméstico do século XIX, felizmente ainda hoje sobrevive. E eu diria, sobrevive cada vez com maior força. Basta que observemos o nosso dia a dia para ali encontrarmos seus personagens.
 
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO